PAULO E O PARADOXO

 

É possível perceber em Paulo um crescendo na sua visão da meta da Graça. Ele olha desde a eternidade e vê uma escolha de amor e que se expressa como eleição para a existência e a vida.
Todavia, quando ele olha desde o tempo, e encara a criatura humana, ele vê o homem morto em delitos e pecados.
É nessa tensão entre o que está feito, pois em Deus tudo é, e o que existe para o homem como algo real que é contrário ao entendimento do que seja bem e bom, é que a percepção de Paulo acontece.
De um lado ele vê todas as coisas feitas e consumadas em Cristo. De outro lado ele vê, no tempo, a cegueira da humanidade. Isto porque é em Paulo que se lê as declarações mais chocantes sobre o Absurdo da Liberdade de Deus para eleger de modo soberano, ao mesmo tempo em que se encontra também a afirmação de que no fim todos foram eleitos para o mesmo Fim, no qual o Filho reconcilia todas as coisas com o Pai, o Pai sujeita todas as coisas ao Filho; e o Filho a quem todas as coisas estão sujeitas, Ele próprio se sujeita ao Pai; e, assim, Deus é tudo em todos. Isto porque aprouve a Deus reconciliar consigo mesmo todas as coisas, quer nos céus, quer sobre a terra.
Assim, o que se encontra o tempo todo em Paulo é paradoxo. Ele clama aos homens que se reconciliem com Deus apenas porque Deus já está reconciliado com eles. Ele olha para os homens na história e os vê cumprindo e vivendo existências que podem ser instrumentos de honra ou de desonra ao sentido da vida. Ele vê o juízo das consciências, e conclama-as a se reconciliarem com Deus. E isto ao mesmo tempo em que vê desígnio de Deus em todas as coisas. De tal modo que ele, Paulo, na história, encontra os homens e, clama—Reconciliem-se com Deus!
Ora, ele é também o mesmo homem que diz que aprouve a Deus reconciliar consigo mesmo todas as coisas, quer nos céus, quer sobre a terra, e isto em razão do sangue da Cruz.
No entanto, esse mesmo homem também afirma que o que acontece na História já aconteceu antes da fundação do mundo, nas eras ocultas em Deus, onde o Cordeiro foi imolado, antes de qualquer criação.
Assim, em Paulo, o paradoxo se estabelece, visto que o Alfa é igual ao Omega, sendo diferente apenas para a consciência humana, que toma conhecimento de si no processo histórico.
Desse modo, tudo o que acontece na história tem que ser vivido nas intensidades da limitação da nossa sensorialidade.
É permitido ser homem. Ao mesmo tempo, é possível viver intensamente a história fazendo a confissão de que em Cristo todas as coisas serão reconciliadas, posto que já estão reconciliadas, e isto não em razão do que houve, mas em razão do que é, pois sempre foi. Ou seja: daquilo que deu início a tudo, e que é o Fim de tudo e todos.
Em Paulo o universo nasce da Cruz. A Cruz é dádiva. E o ato de criar é uma dádiva. Tudo é Graça. E não existe Graça especial, posto que o especial é a Graça.
Quem não consegue mergulhar no paradoxo que tem apenas na fé a sua síntese, e não na razão lógica, jamais conseguirá entender a Palavra, visto que ela existe, ante os nossos sentidos, em permanente estado de paradoxo, pois ela é percebida por nós no ambiente no qual o infinito se comprime na finitude da presente existência.
No ambiente de nossa presente e possível percepção, não existe outro meio da Palavra se manifestar senão por meio do paradoxo. Somente no paradoxo o infinito e o finito se encontram. Sim, quando o finito e o infinito se encontram é onde nasce o paradoxo.
Por esta razão, somente a iluminação dos olhos do coração é que pode capacitar o homem a obter tal entendimento. Afinal, segundo Paulo, não se trata de uma capacitação mental ou intelectual o que leva o homem a tal discernimento, mas sim um crescer em iluminação na Graça.
O que se encontra em Paulo é um permanente convite ao paradoxo. Ele convida a que se conheça aquilo que excede ao todo entendimento e compreensão.
Sim, Paulo se agarra à história para rogar aos homens que se reconciliem com Deus. E faz isto ao mesmo tempo em que crê que todos os homens já foram reconciliados com Deus. De fato, para ele, os eleitos são os que têm o privilégio de crer e viver conforme essa paz já desde o tempo presente.
No fim, para Paulo, todas as eternidades, eras, aions, séculos, anos, dias, horas, e instantes serão absorvidas no amor de Deus. E Deus será tudo em todos, embora, sempre, todos tenham nele existido.
Para Paulo Deus não está em processo. O homem sim. É por isto que ele, Paulo, existe de modo coerente com o paradoxo. E o que ele escreve é honesto com a eternidade e com a gravidade do tempo e da história. Sim, para Paulo, cada instante é uma eternidade, e cada eternidade um instante. O tempo presente, no entanto, não é para comparar com o peso de glória a vir a ser revelado em nós.
Assim
, ele oscila entre a certeza da conclusão eterna e cósmica de todas as coisas, e a imersão profunda no significado da presente existência.
É por isto que para ele já não havia nem homem nem mulher, nem escravo nem liberto, nem judeu nem grego; embora, na história, ele mande que os senhores de escravos os tratassem bem, e que os escravos fossem bons e honestos para com seus senhores. No entanto, caso houvesse uma chance de evoluir no caminho da liberdade, ele diz: “Não perca a oportunidade”.

Ele diz: “Em Cristo já não há…” No entanto, ele também diz ao Momento Histórico que aquilo que “já não há em Cristo”, ainda existe na história, e, portanto, precisa ser tratado com sabedoria. Mas sempre forçando o processo na direção do alvo daquilo que em Cristo já é, embora na história ainda não seja.
Paradoxo? Sim! Apenas me diga se não é nesse movimento pendular e paradoxal que Paulo se apresenta a nós o tempo todo?
Ora, não é preciso compreender. Basta não negar.
O Entendimento é entender que tais coisas excedem o entendimento.
Assim o justo vive pela fé, e é nesse caminho que ele vai sendo iluminado.

Nele,

 

Caio

Copacabana

2003