ESMURRO O MEU CORPO
Esmurro o meu corpo e o reduzo à escravidão, para que depois de ter pregado a outros, não venha eu mesmo a ser desqualificado. — Paulo
Uma declaração como esta de Paulo é objeto de rejeição natural por parte de quase todas as escolas de psicologia e psicanálise.
O que se diz é que se trata de um comportamento de repressão instintual, em razão de que para Paulo o “corpo” existiria em contraposição ao espírito. Assim sendo, Paulo diria “não” a todas as suas pulsões instintuais, quase todas “imorais” ou “a-éticas” e, portanto, contrárias ao comportamento cristão, mas cuja supressão ou repressão seria extremamente danosa ao ser, fosse gerando sombra, fosse criando um neurótico do são comportamento.
Mas a revelação do sentido da saúde humana no Evangelho nem sempre leva sempre em consideração os axiomas das ciências da alma.
Para Jesus, por exemplo, para o bem do ser, há coisas, membros, pulsões, desejos, caprichos, poderes, etc., que precisam ser cortados de nós (mãos, pés, olhos) a fim de que não se perca a inteireza do ser. Ora, isso é “anti-psicológico”.
Paulo diz o que acima declarou. Esmurrava e reduzia os âmbitos das pulsões e dos desejos a fim de não se tornar escravo enquanto falava de liberdade. Ora, isso também não é “psicologicamente sadio”, diriam muitos.
Entretanto, no próprio texto, Paulo admite que haja um eu profundo que faz a gestão do que é meu (corpo), mas não sou eu. Sim! É meu, mas não sou eu.
É o “meu” contra o que sou “eu” justamente aquilo que, em nome do meu, se impõe contra a vida, como direito do instinto, expresso na linguagem do “corpo”.
Há, todavia, um eu (eu reduzo meu corpo à escravidão), o qual não é instintual no desejo, mas consciente nas decisões que toma visando algo maior e mais elevado do que a basicalidade do instinto sem dono.
Assim ficaria o texto de Paulo:
Eu esmurro o meu corpo e eu o reduzo à escravidão, para que depois de eu ter pregado a outros, eu não venha a ser desqualificado.
Desse modo há um eu que deve ser maior do que o que é meu sem ser eu, no sentido mais profundo do termo.
O que de fato gera sombra e neurose no ser não é a negação do instinto quando deseja colocar o eu sobre a escravidão dos desejos e caprichos.
O que gera sombra e neurose é justamente negar ao eu a verdade, entregando-se aos desejos caprichosos como se fossem essenciais e senhores de nosso sentido de ser.
Ou então, neurose e sombra crescem em nós quando entramos no processo de negação da verdade em razão de nos submetermos às leis externas da moral e do capricho, quando elas nada têm a ver com a verdade do Evangelho.
Hoje há muita gente pensando que liberdade em Cristo é a graxa que enseba nossos caprichos como se fosse unção para pecar, e isso sem nem mesmo se ter a consciência de que se está pecando contra o sentido da vida.
Também há daqueles que chamam o que é meu como se fosse o que seja eu. O meu é meu, mas não sou eu. Eu sou maior do que o que é meu. O eu não é feito de coisas que não sejam apenas o eu em essência.
Desse modo, sem neura e sem frouxidão, sou chamado a dizer não à escravidão dos desejos e caprichos que existem em mim apenas esperando serem chamados de “eu” pela minha entrega aos caprichos.
Quem assim entende, dá ao corpo (instinto) todas as comidas das quais o corpo-instinto se serve, desde alimentos até sexualidade e sensorialidade sadias. Mas não se entrega aos desejos absurdos do corpo de escravidão.
O Evangelho, sendo seguido, não introjeta sombra quando alguém reduz o corpo à escravidão. O que introjeta sombra é moral como mentira; é a média das opiniões feitas lei, e sem razão de ser. O que introjeta sombra é negação daquilo para o que a verdade diz sim mas a moral diz não. É somente na luta contra a verdade que as sombras crescem em nós.
Pense nisso!
Nele, que é Aquele que disse que mãos, pés e braços desarmônicos com o eu podem e devem ser amputados para que o eu fique inteiro,
Caio
06/05/07
Lago Norte
Brasília