ELOS DE UMA CORRENTE DOURADA
Kathryn Lindskoog | ©1996
Assim se encontra todo o globo terrestre,
Fixo por correntes de ouro em torno dos pés de Deus.
Alfred, Lord Tennyson
A influência espiritual de George MacDonald sobre C.S. Lewis é bem conhecida, mas até agora a influência de Sadhu Sundar Singh sobre ele tem sido menosprezada. 1
A pista mais antiga de que Lewis estava familiarizado com a vida de Sundar Singh aparece em O Regresso do Peregrino, Livro 8, Capítulo 2, onde Lewis fala de um Homem que veio do alto em socorro do peregrino quando este estava em grande necessidade. “Vou lhe dar uma mão”, disse o estranho, e o retirou de um árido desfiladeiro. 2 Alguns capítulos adiante, o Homem socorreu o peregrino novamente. “Então sonhei que mais uma vez um Homem vinha até ele na escuridão”. O Homem lhe disse: “A sua vida foi salva em todo este dia pelo seu clamor a algo a que você chama por muitos nomes”. 3 Conforme o subtítulo seguinte, esse Homem era Cristo.
Parece que Lewis ecoou conscientemente a história da conversão de Sundar Singh. Como O Regresso do Peregrino é composto, em grande medida, de referências a uma ampla variedade de autores, não causa admiração o fato de Lewis ter se referido à experiência de conversão de outra pessoa famosa ao relatar a sua própria.
Sundar Singh nasceu em 1889, nove anos antes de C. S. Lewis. Foi o filho mais novo de uma família aristocrática sikh (todos os sikhs recebem o nome de Singh), no povoado de Rampur, em Patiala, Índia. A crença sikh combina o hinduísmo e o islã, por isso a mãe de Sundar carinhosamente lhe ensinou tanto as escrituras sick como as hindus, instando-o a se tornar um sacerdote. Aos sete anos de idade, ele sabia de cor a Bhagavad-Gita inteira (o que, na Índia, não é um feito excepcional), e se encontrava repleto de anseio por santi, a paz de alma.
Sundar Singh avidamente estudava livros sagrados, meditava, praticava ioga e fazia boas obras. Quando estava com quatorze anos de idade, em 1902, sua mãe e seu irmão mais velho morreram. (Em 1908, a mãe, o tio e o avô de C. S.Lewis morreram.)
Diferentemente da mãe de Sundar, seu pai achava que ele era religioso demais para a idade. Certa vez, o Guru do rapaz disse ao seu pai: “Seu filho vai se tornar ou um tolo ou um grande homem”. 4
Sundar Singh buscou Deus no siquismo, no hinduísmo, no budismo e no islã. Expôs-se também ao cristianismo durante um ano, numa escola local mantida por missionários presbiterianos norte-americanos, mas quanto mais ouvia do Novo Testamento, mais rancoroso ficava em relação a ele. Deixou a escola. Quando via missionários em público, ofendia-os, e mandava os servos de seu pai fazerem o mesmo. Por fim, queimou um exemplar do Novo Testamento em público para expressar sua indignação.
Depois, Sundar Singh percebeu que sua fanática oposição ao cristianismo disfarçava uma atração secreta por ele. Seu pai reprovava tanto seu ato de queimar uma Bíblia quanto sua obsessão pelas religiões indianas habituais, e se perguntava se o filho não estaria perdendo a sanidade mental. De fato, em 17 de dezembro de 1904, com 15 anos de idade, Sundar Singh despediu-se do pai, anunciando que cometeria suicídio antes do desjejum. Ele efetivamente planejava deitar-se na ferrovia perto de sua casa e deixar que o trem expresso das 5 da manhã passasse por cima dele, para poder se encontrar com Deus no além.
Às 3 da manhã de 18 de dezembro, ele se levantou e tomou um banho frio, conforme o costume hindu. Então suplicou repetidamente a Deus que se revelasse a ele antes da chegada do trem. De repente, uma luz tão intensa brilhou em seu pequeno quarto que ele olhou à volta para ver se a casa não estaria pegando fogo. Depois surgiu uma nuvem luminosa, e nela ele viu, irradiando amor, a face de um Homem. Em perfeito hindustani, a língua nativa de Sundar Singh, o Homem lhe disse: “Por que me persegues? Lembra-te de que dei minha vida por ti na Cruz”. 5
Mais tarde, Sundar Singh viria a escrever: “O que vi não foi imaginação minha. Até aquele momento eu odiava Jesus Cristo e nunca o cultuara. Se eu estivesse falando de Buda, seria possível que fosse imaginação, pois eu estava habituado a cultuá-lo. Mas não foi sonho. Quando se acabou de tomar um banho frio, não se sonha! Era realidade; era o Cristo Vivo!” 6
Sundar Singh prostrou-se diante de Jesus e o adorou. Sua alma foi finalmente invadida por paz e júbilo. No desjejum, ele disse ao seu pai, que estava perplexo: “O velho Sundar Singh morreu; eu sou um novo ser”. 7 Obviamente sua conversão se assemelhava muito à do apóstolo Paulo, e ele falava dela a todos que o quisessem ouvir.
Para seu pai, a conversão cristã de Sundar era ainda menos aceitável que sua antiga inimizade com o cristianismo; ele considerava o filho um louco. A família o pressionou a abandonar sua nova fé, e, por fim, o expulsou de casa. Diz-se que a última refeição que ele fez em casa estava envenenada. Seu amigo Gardit Singh, que se tornara cristão na mesma época, de fato morreu após comer comida envenenada. Com o alvoroço local, a estação missionária teve de ser fechada, e os cristãos do povoado se mudaram para longe, em busca de segurança.
Sundar Singh foi estudar a Bíblia em uma estação missionária médica. Era ilegal ser batizado antes dos 16 anos, por isso ele foi batizado como cristão anglicano em seu aniversário, em 3 de setembro de 1905. Seu professor o aconselhou a fazer curso teológico, mas ele, em vez disso, se sentia chamado a pregar o evangelho como sacerdote indiano tradicional.
Trinta e três dias após seu batismo, Sundar Singh vestiu o manto amarelo de linho usado pelos hindus celibatários e partiu, levando somente um Novo Testamento em hindustani e um cobertor que ele costumava enrolar em torno da cabeça, como um turbante. Não usava dinheiro e nunca pediu nada. Quando ninguém lhe oferecia alimento ou abrigo, passava sem eles. Também não possuía a adaga que os homens sikh costumam carregar para se proteger. Quando lhe perguntavam se as pedras não feriam seus pés descalços, ele respondia que seus pés eram tão duros que eles é que feriam as pedras.
Como um sikh típico, Sundar Singh tinha pouco mais de 1,80m de altura, barba espessa e olhos escuros brilhantes. Seu olhar transmitia uma profunda paz interior, o que atraía as pessoas a ele. Em pé, seu corpo era bem aprumado. Crianças e animais sempre eram atraídos por ele. Amava brincar com crianças e tinha um bom senso de humor. Quando falava de Jesus, seu semblante inteiro se iluminava, irradiando júbilo. Depois da visão que teve, em 18 de dezembro de 1904, só um interesse e paixão ardiam em seu coração: servir Jesus.
Assim, perambulou pela Índia, Afeganistão e Caxemira, pregando o evangelho de Cristo. Uniu-se a Samuel Stokes, um missionário norte-americano que deixara para trás sua família abastada para tentar viver na Índia como São Francisco de Assis. Juntos, os dois amigos trabalharam numa colônia para leprosos e depois no Hospital de Doenças Contagiosas, em Lahore.
Em 1909, seguindo o conselho de amigos, Sundar Sing tornou-se estudante de teologia na Faculdade Saint John’s Divinity, em Lahore. Continuou sendo anglicano por toda a vida e pregava frequentemente em igrejas anglicanas, mas como pregador, recusava-se a ser vinculado a uma denominação. Para ele, todos os cristãos eram um. Sundar Singh também respeitava as religiões que o alimentaram na infância, e as via plenificadas em Cristo. Ele acreditava em dar às pessoas a água viva de Deus na taça da própria cultura delas, não numa taça estrangeira. Sentiu um chamado especial para pregar nas terras perigosas e inacessíveis do Tibete, e fez, a pé, muitas viagens quase impraticáveis para lá.
Em 1912 a fama de Sundar Singh começou a se espalhar pela Índia, e em 1916 foi publicado o primeiro de vários livros sobre ele. Onde quer que ele fosse na Índia, formavam-se multidões de cristãos e não cristãos para vê-lo e ouvi-lo. Em 1918 pregou também no Ceilão, em Burma, em Singapura, no Japão e na China. Em Penang, Malásia, foi convidado a pregar o evangelho de Jesus num templo sikh. Em 1919 seu pai o recebeu afetuosamente e disse estar disposto a se tornar cristão. Eles se reconciliaram exatamente na época em que C. S. Lewis e seu pai cortaram relações após a Primeira Guerra Mundial. Na época, C. S. Lewis era aluno em Oxford.
Sundar Singh ouviu uma ordem de Deus para pregar na Inglaterra e seu pai se ofereceu para pagar pela viagem. Em fevereiro de 1920 ele chegou à Inglaterra e ficou, de início, numa comunidade de quacres. Depois foi hospedado pelos Sacerdotes Anglicanos de Cowley, em Oxford, e pregou em várias faculdades e na Saint John’s Church. É muito provável que C. S. Lewis tenha ficado sabendo que Sundar Singh estava falando em Oxford na ocasião, mas é improvável que tenha ido ouvi-lo. Primeiro, porque Lewis estava especialmente ocupado naquele mês. Escrevendo a seu amigo Arthur Greeves, ele disse “Tenho que trabalhar feito dez diabos neste período”. 8
Aos vinte e um anos de idade, Lewis achava o cristianismo repugnante. Além disso, tinha passado por uma experiência perturbadora no início daquele ano depois de uma noite de conversa com um amigo e colega de faculdade sobre “assuntos sombrios – fantasmas, espíritos e deuses”. Seu amigo lhe contou muitas experiências com o sobrenatural, e Lewis entrou numa atmosfera de terror que lhe lembrava seus pesadelos aterrorizantes da infância. Em consequência, disse Lewis, “desenvolvi, por ora, um violento repúdio por mistérios e todo esse tipo de coisas”. 9
De Oxford, Sundar Singh foi para Londres, onde pregou para grandes multidões em várias das igrejas principais, inclusive na Baptist Metropolitan Tabernacle. Na Church House, em Westminster, ele falou para setecentos clérigos anglicanos, inclusive vários bispos e o Arcebispo de Canterbury. Ele falou também no Trinity College, em Crambridge, e seguiu até Paris