—–Original Message—–
From: Pastor Anônimo
Sent: 30 de agosto de 2003
Subject: Sem rumo…
Pastor Caio, Graça e Paz!
Não vou tomar muito do seu precioso tempo. A única coisa que preciso neste momento é uma palavra de ânimo por parte de alguém que viveu uma situação semelhante a que estou vivendo agora, e que venceu…
Estou vivendo os piores dias de minha vida; afinal a dor do pecado dói no íntimo… Antes eu pregava sobre isso, hoje eu vivo este fato.
Quando encontrei este site, o Espírito de Deus me levou a pedir a você um apoio em oração. Creio que você será um instrumento nas mãos do Senhor para me renovar. E pensar que há alguns anos, quando eu vivia uma “religiosidade convicta”— algo que hoje eu sei não leva a nada! —, eu censurei você; achei um absurdo…
Hoje estou na mesma situação; e precisando de uma palavra da parte de Deus através de você… Como o nome que utilizei não é fictício, peço sigilo. Aguardo uma resposta!
Que Jesus abençoe você!
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Resposta:
Meu amado irmão: Paz!
Nunca na vida eu poderia imaginar que uma calamidade pudesse fazer bem! Meu pai sofreu um infarto. Fomos averiguar as causas. A artéria “entupida”— a do enfarto —era a menos problemática de todas.
De fato, ela estava com uma obstrução. Mas a área afetada não era “nobre”. A benção é que ao se estudar o “infarto”, descobriu-se que havia duas outras artérias principais que estavam com obstrução de cerca de 95%.
Ou seja: o “mal” do infarto foi uma maravilha, pois revelou problemas muito mais graves e que, se fossem deflagrados, seriam fatais.
Assim, neste mundo caído, há certos males que nos impedem de ser visitados por males muito maiores. Sem aquele “susto” teríamos a morte! Benditos sustos! Deus age assim num mundo como o nosso.
Não estamos na Nova Jerusalém e nem no Jardim do Éden. Estamos na Terra, com todas as implicações e ambigüidades de um mundo caído…
Na Terra Caída não existe a possibilidade de nenhuma forma de ética horizontal absoluta. Senão, veja:
Você gosta de ter um carro novo? Quem não gosta?! A gente até agradece a Deus a benção de poder ter aquele conforto.
Mas todas as vezes que eu agradeço aquela “benção particular”, sem saber, eu estou contribuindo para a constituição de um cenário de proporções apocalípticas: a destruição da camada de ozônio, com todas as demais desgraças ambientais que daí decorrem. Assim, minha benção pessoal é um mal para o mundo!
O mesmo princípio funciona também ao contrário. Há certos “infartos” que estão nos salvando de males maiores. Então alguém pergunta: Devemos praticar males para que nos venham bênçãos?
É claro que não! Ninguém tem que procurar o que é mal. Quem deliberada e friamente procura o mal, é o perverso. O perverso age com frieza e indiferença. Mas, neste mundo caído, a gente não precisa procurar o mal: ele nos acha!
E não apenas nos acha; ele nos habita! “Não nos deixes cair em tentação, mas livra-nos do mal”— antes de tudo é algo que se refere a nós mesmos. O pecado habita em mim!
Portanto, não é prerrogativa, e nem desgraçado privilégio do perverso, a experiência do mal. O perverso o “pratica” com deliberada frieza e indiferença. Mas todos os humanos podem ser envolvidos pela rede do mal — afinal, não se trata de algo “alienígena”, pois, de fato, já nasce dentro de nós; habita a nossa natureza caída.
O mal existe dentro de nós, e se aproveita de muitos agentes para se expressar. Ele se veicula pelas carências de nossa “carne”— corpo e alma —, e é retro-alimentado pelo “curso deste mundo e pelo príncipe da potestade do ar”.
Assim, é fundamental entender os “mecanismos” que estão em curso: uma leve “carência”, uma sede de afeto, de privacidade, de ternura, de relacionamento, etc. podem nos levar a experiências que, no fundo do ser, não foram deflagradas com a “intenção” do mal.
Existe o mal, e existe o mal associado à consciente intenção de praticá-lo. O perverso pratica o mal com a intenção de praticá-lo como maldade contra a vida e o próximo. Gente, qualquer pessoa, todavia, pratica o mal como agente vitimizador e como vítima de sua própria prática.
Por isso o “perverso” não sofre quando pratica o mal; e o ser humano sensível — não cauterizado — o experimenta com dor e arrependimento.
O que eu estou dizendo? Que ninguém é responsável pelos seus próprios atos? Não! Jamais eu diria tal imbecilidade!
O que estou dizendo é que cada um tem que se enxergar pelo menos de duas maneiras:
1. Como ser habitado pelo potencial de todo mal — de qualquer tipo e forma que se possa conceber.
2. Como ser que pode desenvolver um espírito de insensibilidade quanto à consciência do mal.
Quem tem essas duas percepções aprende logo algumas coisas:
1. A ser honesto com sua própria condição humana; portanto, tornando-se um ser não-escandalizável. Afinal, não há nada acontecendo a outros, que “potencialmente” não possa acontecer com a gente também; pois, o software da desgraça habita todos nós!
2. A ser humilde de espírito. Afinal, não há nada do que se gloriar; há apenas muito a agradecer.
3. A ser uma pessoa que sabe que males precisam ser evitados — apenas “doentes” gostam de sofrer e fazer sofrer —; ao mesmo tempo em que sabe que há processos em curso; há doenças —“infartos”— que aparecem a fim de nos salvarem de males maiores e piores (leia aqui no site o texto “O que é um mal menor?”).
Bem, então alguém pergunta: por que é assim? Eu respondo: Olhe para si mesmo! Num mundo caído, apenas “bastardos” ficam sem “disciplina”; mas Deus é bom e nos ama, e nos disciplina como a filhos, e faz isto para “aproveitamento”.
Como faria Deus para nos tratar, se todos os elementos que nos constituem interiormente estão contaminados pela queda? Ora, infelizmente e felizmente, Ele usa o que existe em nós para nos curar. Afinal, não precisaríamos de “tratamento” se não fôssemos todos apenas uns grandes doentes!
A questão é que a cura vem com a verdade! A verdade liberta. Somente a verdade pode gerar “consciência” em nós.
E essa consciência não é algo para usarmos para os outros, mas para nós mesmos! Daí termos que aprender para nós mesmos e em nós mesmos. E esse processo implica dor. Afinal, este é um mundo caído! Somente pela via da autoconsciência alguém terá seu coração aberto para “aprender”, humildemente, acerca da Graça de Deus.
Ora, onde isto nos põe? Põe-nos quebrantados e simplificados em nós mesmos! E o primeiro passo sempre será a humildade que apenas se julga, mas já não julga o próximo.
A maravilha disso tudo é que quando essa compreensão nos atinge, a gente fica muito mais livre de tudo. Os mecanismos interiores operados pela arrogância e pela presunção vão dando lugar à entrega do ser à Graça de Deus.
Agora, deste ponto em diante, inicia-se um outro processo, um outro “pendor” em nós! Romanos 5 a 8 nos fala desse processo.
E note, a justificação (Rm 4: 21-24 e 5:1-2) nos remete direto para a “tribulação” que “produz” (Rm 5: 3-6). O que isso significa? Que uma vez “sabendo” a gente não peca mais? É claro que não! Não somos “gnósticos”— auto-salvação pela via do saber —; somos apenas seres humanos que necessitarão “enfartar” ainda muitas vezes — não necessariamente nas mesmas áreas —, a fim de conhecermos a nós mesmos; e, assim, mergulharmos cada vez mais profundamente na Graça de Deus.
Ora, esse processo dá-se por duas vias:
1. Por pura “iluminação” do Espírito. Quando isto acontece, geralmente o fruto disso é o seguinte: o indivíduo não “praticou” nada exterior para ter “aprendido” acerca da Graça de Deus, pois, foi convencido pelo Espírito acerca de sua própria e irremediável condição de ser “caído”. Por isto, tal pessoa não apenas crê na Cruz de Cristo, mas também não julga a mais ninguém; pois ela mesma sabe que, embora nunca tenha “feito” aquele mal, é, todavia, habitada por ele. O nome disso é “humildade”.
2. Por “experiência” da “coisa-em-si”. Nesse caso, tais pessoas estarão muito mais sujeitas ao “juízo” que vem do próximo; especialmente o “próximo perverso”.
E, o pior tipo de perversidade encontrada nos evangelhos é a daqueles que nunca fizeram “fora”, mas estão habitados crescentemente por aquele “mal”, do lado de “dentro”; mas, assim mesmo, pegam em pedras a fim de apedrejar o “irmão”.
Em qualquer dos casos é “trabalho” do Espírito o que se opera em nós! Deus ilumina o coração tanto a priori como também a posteriori.
Bem-aventurado é aquele que “cai-em-si” antes de cair “fora-de-si”. Certamente sofrerá muito menos.
Da mesma forma é bem-aventurado aquele que não precisou “enfartar” a fim de saber das suas muitas obstruções “arteriais”, pois, antes de tudo, vinha fazendo “exames freqüentes do próprio coração”. Mas quando isso não vinha sendo feito — embora tudo o mais parecesse “em ordem”—, Deus nos deixa a chance da auto-percepção para aproveitamento; ou seja: para nos salvar!
Infelizes são os sãos! Num mundo caído não existe esse ser! Só houve Um! Ele, no entanto, deixou para nós o diagnóstico de nós mesmos: “Os sãos não precisam de médico, mas sim os doentes!”.
Então há “sãos”? Bem, quem julgar que é, então morra na Cruz em meu lugar!
Então você me pergunta: para quê lhe serviu o que lhe “aconteceu”? Você já não sabia de tudo isto antes?
Sinceramente, eu sabia; e sei que soube saber para os “outros”. Daí eu nunca ter sido jamais acusado de “impiedade” no tratamento do meu próximo.
Então para o que serviu? Serviu para MIM! EU precisava. E mais: o que as pessoas acham que me “aconteceu” não foi de fato o que eu vejo que me aconteceu. Entendeu?
O que me “aconteceu” não foi o que você pensa que me aconteceu. O que me “aconteceu” foi aquilo que não me aconteceu, e que só eu sei “em parte”, e somente meu Pai sabe completamente! O que aconteceu a você, aconteceu a você. O que me aconteceu, aconteceu a mim, a mais ninguém. Cada um tem que saber que o soro antiofídico da Cruz é tanto Universal, quanto é também absolutamente específico!
Mas o que eu acho que aconteceu? — pergunta você. Foi o sucesso total em tudo, aquilo que mais me fez mal! Então, quando todos se gloriavam em mim — de todos os meus procedimentos —, aí é que acontecia aquilo que teve que ser contido pelo que veio a “acontecer”.
A Palavra de Deus só foi Absoluta no Absoluto! O Verbo se fez carne somente uma vez! Mas havia muita gente que achava que eu não era feito de carne e sangue! Deus me salvou disso!
Será que algum dia eu cri nessa besteira? É claro que não! Meus íntimos e meus leitores e ouvintes sempre souberam como eu falava acerca de mim mesmo. Cheguei a ser “repreendido” por muitos, que julgavam que eu confessava o que não existia em mim.
Mas foi só para isto que tudo aconteceu? Não; foi sobretudo para isto. Havia, no entanto, profundas carências em mim — e deve haver ainda muitas outras!
Sei, antes de tudo, que hoje as pessoas que me vêem e ouvem sabem que eu sou apenas e sobretudo um homem. E que a Palavra da Verdade se veicula por esse intrumentozinho todo relativo — não tendo eu, nada que não tenha recebido! No fim, tudo é Graça!
Bem, minha recomendação de irmão a você é simples: Você deve estar hoje experimentando mais o “mal psicológico” da autoconsciência como culpa, do que de qualquer outra coisa. Agora, é aproveitar essa “onda da Graça” que passou, e surfar sem esforço até a praia.
Vá nas ondas da Graça até ao pé da Cruz! E lembre-se: Quem nos salvou morreu nu! Não fique se revolvendo na “arrebentação”. Será um luta inócua! Deixe-se levar pela gratidão. Logo você começará a saber do que foi salvo!
Ah! Só mais uma coisa. Você disse que “antes” você pregava sobre o pecado, e que agora está vivendo “isso”. Minha sugestão: Nunca mais pregue o pecado. O pecado fale de si mesmo.
Pregue a Boa Nova, não há quase ninguém falando acerca dela. E somente ela faz a diferença!
Receba meu beijo amoroso e irmão.
Nele,
Caio
Escrito em 2003