—–Original Message—–
From: ALTA ANSIEDADE
Sent: sexta-feira, 31 de outubro de 2003 18:02
Subject: sofro de ansiedade
Pastor Caio:
Estou muito feliz por terem me indicado seu site… Na verdade estou viciada nele! Aqui tenho encontrado em seus pensamentos e respostas uma cumplicidade aos meus pensamentos… Agradeço a Deus por te dar essa sabedoria que tens. E principalmente por expressá-la tão claramente e tão cheia de amor.
Sendo assim, me senti livre para expor um tópico da minha vida, que é uma ansiedade inexplicável que sinto, e sempre senti desde que me conheço por gente.
Minha infância foi ótima, e sempre fui uma criança alegre, cheia de vida, e parece que a ansiedade que eu sentia nessa época era transformada em uma forma boa, me dando energia; pois sempre fui uma criança líder…
Na adolescência eu percebia que eu sentia uma sensação estranha, mas não era nada que me preocupasse como uma “doença”. Por volta dos 17/18 anos comecei a ter umas experiências de pânico repentino, achava que eu tinha que ir pra o hospital, pois teria um ataque cardíaco… Muitos médicos diziam que eu estava com a saúde perfeita e que talvez eu fosse muito mimada, desocupada, ou quem sabe meio doida querendo chamar atenção da família… Eu me sentia muito só, pois eu estava sofrendo muito…
Me casei aos 20 anos, e o começo do meu casamento foi péssimo, pois eu estava sempre com aquele sentimento de ansiedade sem causa, e de repente o pânico que me fazia implorar ao meu marido para me levar ao hospital. Ele já estava cansado disso e não entendia o porque eu ficava naquele estado.
Fui aprendendo a conviver com aquele sentimento que eu nem mesma nunca soube explicar exatamente. Me sentia culpada por esse sentimento, pois sempre me pregavam que o cristão não pode estar ansioso por coisa alguma, que Deus se entristece! Aí, com minha ansiedade, o que eu tinha que fazer era “expulsar” isso e lutar contra.
Em 2002, eu engravidei do meu primeiro filho, e tive uma gravidez, do ponto de vista medico, muito saudável (com 26 anos), mas emocionalmente eu estava numa batalha de ansiedade ainda maior; era como se meu corpo doesse de tanta ansiedade.
Eu buscava motivos em mim para isso, mas não havia. Tudo estava como eu sonhara, sempre desejei engravidar, eu estava amando a idéia de ser mãe, condição financeira favorável, as pessoas que amo ao meu lado… Ou seja: Não havia motivos para aquela dor.
Quando meu filho fez três meses, tive numa noite outro sintoma de pânico… fui ao hospital e me deram calmante, pois eu não estava doente! Depois disso encontrei um medico que finalmente me explicou com muito carinho que o que eu tinha era uma doença chamada Anchieta Desordem (não sei se em português é a mesma coisa).
Ele me deu um medicamento que venho tomando desde então. Me sinto ótima, como nunca antes; sinto ansiedade no padrão normal, mas sempre por algum motivo, como quer outra pessoa normal. O problema é que ele disse que vou sempre precisar desse medicamento, como um hipertenso que toma remédio todos os dias.
Fiquei chateada, pois não quero ser dependente de um medicamento, e mesmo que eu entenda como esse desequilíbrio químico funciona, as “palavras dos pastores” a esse respeito são sempre contra, tanto que meus pastores nem sabem disso tudo, pois sei que não concordam com isso; acham que eu tenho que lutar contra isso, e que o diabo quer usar disso para me escravizar.
Não concordo com eles, mas por ser nascida num lar evangélico, e sempre estar no meio do povo que fala “evangeliques”, vez ou outra essas palavras meio que soam lá no fundo me deixando um pouco confusa a respeito de continuar nesse medicamento.
Gostaria muito, se possível, de receber uma resposta sua, com o seu ponto de vista a esse respeito. Estou aprendendo a te amar e te admirar a cada dia, desde que descobri seu site há uma semana atrás. Espero um e-mail seu!
Deus continue te abençoar!
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Resposta:
Minha querida amiga: Paz e Paz sobre sua vida!
Interessante é que eu comecei a ler a sua carta e foi me dando uma ansiedade enorme, uma vontade de chegar logo ao final, e dizer: “Pelo amor de Deus, vá a um médico, e tome logo um remédio para Síndrome do Pânico ou qualquer outra forma de ansiedade.”
É claro que sua ansiedade é de natureza orgânico-essencial; e você precisa pensar nela como algo que tem que ser tratado do mesmo modo que qualquer outra forma de desequilíbrio químico, ou mesma um diabetes; e pensar como quem precisa tratar da situação com objetividade e gratidão pelo diagnóstico.
E saiba: eu conheço pastor bem à beça. Se fosse com ele (s), já estaria na medicação “há muito temo”, ainda que continuasse pregando que não se pode usar nada para “acalmar os nervos”.
Entre 98 e 99 vivi os mais estressantes anos que já havia vivido. Muita gente morre passando por muito menos do que eu passei. E, sabe, passei sem um calmantezinho sequer, e me arrependo muito, pois, acabei esfrangalhando os meus nervos muito mais do que havia sido necessário.
Não fique com essa culpa. Encare isso como se você tivesse que tomar um remédio para hipertensão arterial, ou insulina, ou qualquer outra medicação — como o Atlansil, que faz mais de vinte anos eu tomo para o coração.
Em outras palavras: os evangélicos são neuróticos também quando se trata de qualquer desordem que pareça ter alguma forma de relação com o comportamento. E sabe por quê?
Porque se admitirem que há desordens químicas que alteram o comportamento, e que podem ser curadas com remédio, esvazia-se o discurso de vinculação visceral entre comportamento e pecado como decisão deliberada ou fraqueza espiritual.
É claro que há comportamentos que são deliberadamente pecaminosos, mas tais praticantes não sofrem de ansiedade e nem têm crises de pânico, ao contrário: são frios, calculistas e práticos. O perverso tem uma forte sensação de controlar tudo.
Mas quando alguns pastores “caem na real” e verificam que há desordens de natureza orgânica e química que alteram o sentir e, conseqüentemente, o comportamento, isso esvazia o maniqueísmo que pinta no chão o preto e o branco, diz que o branco é o bom, e não entende porque certas pessoas ziguezagueiam entre um e outro — e pior: involuntariamente.
Tome seu remédio na paz. Alguns de nós carregamos espinhos na carne de modos diferentes. Se um dia Deus quiser livrar você disso, Ele o fará e você não terá que ter uma crise nervosa buscando essa cura.
O resto, minha querida, é doença de crente e de pastor, que não entendem que tudo nesta vida pertence a Deus, e que não há ciência genuína e verdadeira, nem tampouco remédio, nesse mundo, que não seja dom de Deus. Todos esses recursos também são manifestações do amor gracioso de Deus, derramando luz de saber para que muitos recebam benefícios ainda nesta vida.
Só se insurge contra o bem que um remédio pode fazer a um ansioso crônico, quem nunca sofreu de ansiedade como uma presença latente e de aflição incessante. Parece que as energias do corpo estão fazendo “curto” com tudo. Literalmente é como se você desse choque. E os braços ficam como se fossem fios desencapados… No peito uma ânsia de não sei o quê, e sem causa — o que é pior.
De modo que você deve ter percebido que eu entendo você. Nunca sofri desse mal de modo crônico, mas já habitei dois anos o porão mais profundo desse inferno.
Tome seu remédio com ações de Graça e devoção grata. E não deixe que ninguém perturbe você ou a oprima com legalismos insustentáveis, de tão bandeirosos que são. E saiba: eles e suas esposas tomam, se for necessário; eles só não dizem, a fim de que o povo possa continuar a ter neles o “super-homem”. Sei o que falo, e eles também.
Ah! Ia esquecendo: pegue o e-book de meu livro “Tá Doendo”, que está aí no site.
Um beijão.
Nele,
Caio
31 de outubro de 2003
Copacabana
RJ