E o ID e o SUPEREGO? Como faço?

——— Mensagem Original ——– De: “ID e SUPEREGO” Para: “[email protected]” Assunto: Impulsos e desejos Data: 19/09/03 17:06 Mensagem: Como administrar os impulsos (ID) e as regras (superego)? Como não ser neurótico havendo sempre a existência de regras para frear nossos desejos? Onde está o equilíbrio? O que a Bíblia diz a respeito? Um beijo, I.S. ************************************* Resposta: Meu querido amigo: Ide em Super-Paz! Ser filho da Árvore do Conhecimento do Bem e do Mal, não nos torna como Deus, mas apenas animais aflitos e neuróticos. Adão e sua mulher viveram a sexualidade sem vergonha, até que se cobriram com as folhas das figueiras. Quando mais lei, mais neurose. O que a Árvore do Conhecimento fez em nós foi apenas nos dar a “presunção” de saber acerca do bem e do mal—especialmente nos deu a arrogância desse saber como “poder” sobre os outros—mas não nos deu nem o conhecimento e nem tampouco o poder de refrear aquilo que surgiu como “culpa” decorrente dos impulsos. Vejamos um exemplo relacionado ao impulso sexual. Sou amazonense. E pelo código de área de seu telefone, vi que você pelo menos mora aqui em Manaus. Você pergunta: e daí? Bem, eu sempre dizia, depois que fui morar no Rio a primeira vez, que a atividade sexual aqui começava muito antes, e que as meninas e mulheres daqui eram muito “afoitas” e os homens muito intensos. Eu comparava o que havia acontecido a mim desde menino com aquilo que eu via acontecer nos meus amigos cariocas e depois niteroienses. Quando voltei para cá aos 15 para 16 anos, minhas suspeitas foram esmagadoramente confirmadas. Depois de convertido, e a seguir como pastor, via como o sexo era parte preponderante da vida de todos em medidas que excediam a média nacional. Hoje, com quase 50 anos de vivência, este fato cultural me parece ser inegável. Esses dias aqui, mesmo com meu pai infartado, não fiz quase nada além de atender a problemas de “excessos” nessa área do impulso sexual. Minha pergunta: de onde vem isto? A resposta evangélica convencional seria que é a falta pudor dos caboclos e caboclas do Amazonas. A solução seria moralizar as coisas. Ou seja: amazonenses são do Ama-zonas. A cura seria a proibição ostensiva. Outra resposta evangélica seria: há uma potestade sexual sobre o lugar. A cura seria a “batalha espiritual” contra os “espíritos” da floresta. Eu vejo diferente. É claro que os principados e as potestades se alimentam do material que lhes fornecemos. Mas temos que dar o alimento para que eles nos retro-alimentem com a mesma carga que lhes dermos; e assim o ciclo se renove sempre com maior intensidade. Se nós “alimentamos” seja lá quem for no mundo espiritual, então, nós somos o problema. Que situação é essa? Bem, estamos na terra dos índios e caboclos. A atividade sexual entre esses grupos humanos tem inicio muito cedo. Meninos e meninas de 13 anos em diante começam a se relacionar sexualmente. E, estatisticamente, é também por essa razão que as mulheres indígenas têm um dos menores–senão o menor–índice de câncer de mama no mundo. Cientistas já estabeleceram um “ligação” entre os fenômenos. E de onde viriam, entre eles, tais impulsos tão “precoces”? Bem, inicialmente eu diria que eles não são precoces. Todo mundo, mais ou menos aí pela puberdade, começa a sentir a tal aflição. Portanto, trata-se de algo hormonal e normal. A animalidade humana não pode ser negada como fato. Também somos animais, fazemos parte da natureza, e comemos como os demais animais; só que com uma diferença: nós, humanos, comemos de tudo–de plantas e ervas à carne e peixe. Somos os bichos com maior variedade alimentar na cadeia da criação. E nosso sentido de saciedade transcende um muito ao dos demais animais: temos uma alma com consciência de si, e com os mecanismos mortais que derivaram da Árvore do Conhecimento do Bem e do Mal. Entre os animais os impulsos são controlados pelos mecanismos de poder estabelecidos dentro da espécie. Por exemplo: o macho dominante atrasa a iniciação dos bichinos assanhados. Ou as fêmeas os rejeitam; tudo dependendo da espécie em questão. Entre os humanos, o mecanismo de controle do impulso, durante muito tempo foi estabelecido pelos pais; especialmente no que concernia às mulheres; pois, os homens tinham liberdade para “provar” quem quer que desejasse ser “provada”. Mas para o “casamento” tinha que haver a permissão dos pais. Ou seja: as mulheres deveriam esperar o casamento para se relacionar sexualmente, os homens não. E assim foi, e de certa forma, em certa medida e em determinados lugares, ainda é. Assim, uma menina iniciada sexualmente muito cedo e antes do casamento, se gostar e variar, era chamada de uma “galinha”. O homem era um “esperto”. A famosa “piranha” era a mulher ou menina que comia toda “carne” disponível que caísse no pedaço do seu “rio”. Nos dias bíblicos é possível observar a evolução do comportamento sexual. Basta que se leia a Bíblia sem olhos religiosos, que se verá como as coisas aconteciam, especialmente no Velho Testamento. Nos dias de Paulo ainda era possível que um pai decidisse quando a filha iria deixar de ser virgem. Aquele conselho acerca da “virgindade” que se encontra em I Coríntios 7 era dirigido ao pai, não à virgem. Nos dias de hoje aquela recomendação mergulha no “nada” se dirigida aos pais, à menos que se acorrente a virgem em casa. Bem, esse exemplo começou no Amazonas. Voltemos, então, à floresta. Os índios tinham o impulso, mas não a culpa. O que faz do sexo algo culposo para a maioria dos índios é a traição; e isso também depende da tribo; pois, em muitas tribos, transar é uma prerrogativa da mulher, e também com quem ela desejar. Quais são, então, entre eles, o agente limitador? O superego? O limite deles é o “pacto humano”, estabelecido pelos acordos entre eles. E muitas vezes isso varia até entre os “casais”. Daí não haver praticamente “neurose” entre os índios. Neurose é, em grande parte, uma criação judaico-cristã; daí também a psicanálise também nascer desse mesmo “berço”. No entanto, a neurose sexual aparece mais fortemente entre os judeus depois do exílio em Babilônia, com o surgimento das seitas morais, e que tiveram nos fariseus seu ápice. Para se protegerem dos “excessos” babilônios, eles foram para o outro extremo. É sempre assim. O cristianismos, influenciado também pelo Superego farisaico, e que se reforçou no virtuosismo de algumas seitas gregas de natureza gnóstica, acabou por refinar ao extremo o sentimento de culpa, gerando a pior neurose sexual que o mundo já conheceu. Vale ler o livro “Eunucos por Amor ao Reino de Deus”(você encontra em livrarias “seculares”) para que se tenha uma idéia do papel devastador que a neurose sexual teve e tem na História da Cristandade. Paulo também disse que onde abunda a lei, superabunda o pecado! Praticamente em todas as cartas dele essa afirmação se faz presente como conteúdo. Daí a insistência dele de que a Lei havia “morrido” em Cristo, a fim de que surgisse um novo homem, liberto da culpa. Numa linguagem psicanalítica, a mesma equação seria: onde abunda o Superego, o ID se torna compulsivo! O que os cristãos não entenderam até hoje é que o Superego faz apenas aumentar a compulsão, ao invés de diminuí-la e trazê-la para o nível do equilíbrio. Em meu livro “O Enigma da Graça” eu falo de como o aumento do moralismo faz crescer as taras. Eu nunca fui “lascivo”; ou seja: aquele cara que sofre pelo desejo sexual. Na infância e na adolescência, eu não era pelo simples fato do sexo não ser visto como “um problema” por mim. Ao contrário, era uma “solução”. Eu pegava quem eu queria ou quem me queria, quando eu quisesse. Sempre dei valor também a minha entrega. Não tinha esse negócio de que bastava ser mulher. Meus contemporânesos de juventude lembram como eu não “me dava” apenas porque elas queriam. No entanto, quando o sexo virou o pior dos pecados, somente suplantado pelo homicídio–e olhe lá!–, e pelo pecado contra o Espírito Santo, foi justamente quando minha mente sofreu os piores ataques. A consciência da Graça e o trabalho cotidiano foram apaziguando o ID em mim, mas não sarando as pulsões na dimensão inconsciente, que apenas se moveram para a “pulsão ministerial”. Com irresoluções interiores de natureza afetiva, aos 40 anos de idade, o vulcão se abriu, e deu os primeiros sinais de que estava a ponto de derramar suas lavas. Pompéia aconteceu! Uma vez acontecido, e aproveitando a onda de “doença sexual” que se expressou como poucas vezes na História Evangélica do Brasil em relação ao tema–eu era o tema–, decidi tratar o assunto em mim. Todas as “teorias” sobre o tema eram de meu domínio intelectual, e sei que ajudei a milhares no curso de minha vida a superarem muitas compulsões relacionadas ao sexo. Hoje, 8 anos depois, creio que estou mais leve e livre acerca disso do que nunca antes. E por quê? Por ter ido fundo? Não! Ninguém tem que ir fundo para se curar. A maioria morre afogada! O que descobri, não como teoria, é que se meu coração não lidasse com o impulso como pecado, mas como impulso, o poder dele diminuía imediatamente em mim. E essa compreensão só se torna realizável como Bem quando a Graça de Deus está em operação como Consciência em nós. A promessa de Deus era que os mandamentos seriam escritos no coração. O Superego é uma construção Moral, e vem dos outros, não de nós. Quando ando sob o peso do juízo e das acusações da Lei–qualquer Lei–, meu coração grita como o de Paulo: Desventurado homem que sou? Quem me livrará do corpo dessa morte? Bem, voltemos ao Amazonas. O que observo hoje aqui é a corrupção da sexualidade indígena. Sexo, originalmente, para os índios, não era um problema. A aculturação indígena aos valores da “sociedade cristã” deu a eles apenas o Superego, mas não fez a pacificação do ID, que também se manifesta como cultura, como hormônio, e como instinto–conforme a história de cada grupo humano. Então, o que temos hoje acontecendo aqui? Ora, temos homens sexualmente compulsivos–e a maioria não consegue não buscar variedades de parceiras; e há os que transformaram seus impulsos em culpa; a maioria desses são religiosos em estado de sofrimento e raiva. Além disso, temos um furor uterino extraordinário instalado nas mulheres. Ou seja: o que era inocente, e sem a carga da moral, acabou ficando infinitamente mais intenso e agressivo, com o peso da culpa derivado da informação acerca da “pecaminosidade” do ato. E, ao invés de se melhorar as pessoas, fizemos com que elas se degenerassem. Ora, eu teria que passar um ano respondendo a sua pergunta, mas terminarei com mais uma supersimplificação–aliás, tudo o que aqui expressei é para mim uma grande simplificação. 1. Quanto mais Moral, mais culpa. 2. A Moral é fruto da determinação dos interesses do “poder”–seja ele de que natureza for, do político ao religioso. E a Moral é sempre o desejo de uma “minoria prevalente”, e é animado, muitas vezes, por interesses diferentes da proposta: tarados quase sempre são moralistas. 3. O “poder” da minoria estabelece o Conceito como Moral, e que é imposto, e, assim, passa a ser concernente à maioria; daí ser moral–o que é da maioria. 4. A Moral muda de tempos em tempos, mas os resíduos da culpa se tornam cumulativos pela expressão dos juízos que perduram. Nenhuma mudança de paradigma “moral” acontece de “súbito”. Mas sempre implica em choque, em crise, em disputa, em juízo, e embates de “valores”. 5. As consciências humanas, ante tais conflitos, tendem a se expressar de modo extremado. Há os que imergem na neurose, na culpa. E há os fogem da culpa mergulhando na promiscuidade. No primeiro caso se cria um estado “sólido”, porém pedrado para a alma. No segundo caso, surge um elemento “pastoso” dentro do ser. A culpa moral tende a criar estátuas de pedra; afinal, a lei veio em pedra. O estado de dissolução, por seu turno, cria o ser dissolvido: uma pasta humana, que toma sempre a forma do lugar; e vai perecendo pela ausência de estabilidade. É entre a Pedra e a Pasta que existe a saúde! Meu próximo livro, “Sem Barganha com Deus”, trata desse tema em amplidão. Mas espero que por hora minha pequena e simplificada resposta lhe tenha sido de algum valor. De minha parte tenho apenas uma coisa a dizer: quem anda no Espírito não obedece aos desejos da carne–e Paulo não estava falando de sexo, mas de algo muito maior–, apenas porque quem segue o Espírito teve que abrir mão da Lei. Quem segue a Lei, segue a Pedra. Quem segue o Espírito, segue o Vento. Quem vive da Lei tem que praticá-la toda. Quem anda no Espírito da Graça não tem mais a presunção de impecabilidade como salvação ou santificação, mas tão somente deseja crescer em saúde diante de Deus. Ora, essa é a tese de Paulo. A lei nos remete para a morte, como culpa. O Espírito nos conduz à Vida, como desejo de saúde e crescimento em Deus. No entanto, o que habita a base de toda neurose é o medo. Daí os inseguros viverem muito mais atormentados. Mas aquele que descansou no amor de Deus, encontrou segurança, e, como resultado, descansou o coração em confiança. O que se segue é surpreendente: os impulsos serão apenas do tamanho da natureza de cada um; pois as compulsões irão gradualmente desaparecendo. É a paz de Cristo o arbitro que apazigua o coração. Então, não se tem o testemunho exterior de nenhum Superego. Tem-se o testemunho interior do Espírito. E o ID irá virar algo simples, na medida da normalidade humana, mas não mais como uma compulsão avassaladora. Um grande beijo para você. Nele, Caio