ESCRENDO PARA VOCÊ E PARA MIM MESMO

—–Original Message—– From: ESCRENDO PARA VOCÊ E PARA MIM MESMO Sent: quinta-feira, 3 de junho de 2004 12:01 To: Caio Subject: Me Escrevi um pouco… Caio, Ontem tinha escrito uma carta a você desabafando o que me está acontecendo. Acho que a carta estava tão desabafada, tão vomitada, que eu apaguei e desisti… Aí fui pra casa… No caminho, com minha esposa e meu amigo, que é pastor…falava-se sobre os adolescentes de nossa igreja: rebeldes, linguagem inapropriada, etc, etc. Eu quieto…sem dar atenção; indiferente mesmo… Sou amigo deles, dos adolescentes, e sou tido como alguém que afrouxou a linha da moral a eles…Pequenas coisas. Minha esposa discutiu comigo sobre o assunto…pequenas coisas…coisas pequenas. É tanta confusão eclesiástica, meu Deus…tantas pequenas coisas! Minha esposa me disse que devo procurar o nosso pastor e falar tudo o que acho. Acabei de ler a carta de uma pessoa que você respondeu sobre essa questão de “Satanismo na igreja…” e o conselho que você deu a pessoa, foi para que ela mesma procurasse o pastor dela apenas em nome sua própria consciência… Não sei se devo proceder assim… Meu pastor “é-não-é” dogmático. Ele é meu amigo de muito tempo…tem a minha idade… Mas eu não vejo problema nas questões que chamo de “Teologia da Moral e dos Bons Costumes” que ele tanto segue, na linha do caráter como fruto da santidade do cristão, em contraponto com as maluquices e esquisitices que vemos no nosso meio evangélico. Entendo isso, mas tenho aprendido aqui que não é bem por aí… Tudo isso exclui o pós-Éden, a Queda. E exclui os desastres, os desencontros, as partidas; exclui mentiras e palavrões que devem ser analisados com as lentes da Graça, e não com o coração do artista moral, no qual meu pastor baseia a sua atitude. Eu não vejo problema em um monte de “pequenas coisas” que eles dizem que são problema para os jovens. Mas meu pastor quer manter a “unidade” da igreja…que neste caso deve ser “uniformidade”… Por exemplo, não posso falar com ele sobre você… nem oferecer a ele um livro seu para que leia, como sugerido por você à pessoa da outra carta. Não tenho vontade e nem confio que posso procurá-lo…e nem que serei ouvido como amigo, apesar de considerá-lo amigo. Não sei até que ponto ele é o que é pela “posição” de pastor. Minha esposa já usa isso comigo como álibi. Discute comigo porque me tornei “liberal”… O que faço meu Deus? Sou amigo dos jovens… mas estou desanimado. Tenho um amigo que virou PASTOR, mas em quem não consigo mais Ver o coração risonho, brincalhão, jovial, não-dogmático… Tenho uma esposa que não mais é esposa. Tenho uma filha. Linda. Tenho um emprego. Bom. Caramba… Vontade de Largar Tudo…e ir só tomar café para ficar acordado e liberto. Com Graça, o café. Me ajude. Gostaria muito que você conversasse com o meu pastor… mas sei que é diferente… como alguém pode falar com outro alguém sem ser chamado? ainda mais com a Classe Sacerdotal? Não quero sair de onde estou. Não é tudo que é ruim. Na externalidade (que é fruto do gosto de fazer internamente), dá pra levar. Eu prego. Continuo útil. Sou um dos líderes da igreja… Dá pra imaginar? Continuo falando na igreja, não entro em discussões de espécie alguma, não entro em comentários, não dou sugestões que não sejam passíveis de serem entendidas… O problema está aqui. Dentro. Como lidar? Meu Deus, o que fazer? Que ciranda religiosa… A certeza que me resta é: meu pastor não vai me ouvir… Será que estou certo? Digo isto porque já tentei em outros assuntos…e não deu certo. Parece que a mim resta me acertar, pacificar e esperar, esperar… e ir pregando, e levando pregada algumas vezes, como quando utilizei sua resposta sobre o que é Santidade – sem citar seu nome, é claro-, e levei bordoada… Essa é uma parte do drama… Ainda existe outro. Obrigado. Paz sobre você e os seus. Seu amigo, ____________________________________________________________ Resposta: Meu querido amigo e irmão: “Vós sois carta…” Você é carta viva e escrita no seu próprio coração, e lida por todos os homens. Não deve ser sua preocupação mudar o texto de sua existência em fé apenas porque os homens preferem ler as coisas escritas com “letras” e em “tábuas de pedra”. Portanto, sua resposta a você mesmo e aos outros, é você mesmo. Você é a questão e você é a resposta. O mais é uma questão de “interpretação” de quem lê a gente—nossa vida, nossos atos, nosso caminho—; porém a responsabilidade é de quem lê, visto que você não está escrevendo um texto para ser entendido por outros, mas para ser verdade para você mesmo. E quando a verdade deixa de ser uma declaração, e passa a ser as vísceras do ser da gente, então nada mais se pode fazer a respeito, visto que trata-se de algo que existe na nossa essência…não podendo ser alterado sem ser um suicídio de alma. Estou dizendo isto apenas para tranqüilizá-lo quanto a sua angustia em relação ao que os outros podem ou não estar pensando a seu respeito. Respeite-se, e os outros aprenderão a respeitá-lo. Você falou de um problema—ou melhor: alguns—, e fez menção a uma carta que respondi aconselhando alguém a conversar com o pastor a respeito de certas coisas que estão acontecendo numa certa igreja. Pois bem, eu aconselhei o que aconselhei apenas em razão da pessoa, do pastor e da igreja em questão. Com isto estou dizendo que o que falo em certas cartas falo apenas a quem escreveu—ainda que muitas coisas da natureza da fé tenham aplicabilidade universal—; mas nunca se trata de uma receita a ser praticada de modo mais amplo, visto ser apenas um conselho relacionado a uma situação especifica. Digo isto porque a sabedoria é a ciência para a qual cada caso é um caso. A você eu diria o seguinte: Pergunte ao pastor amigo se ele prefere se relacionar com você como pastor ou como amigo. Deixe com ele a decisão. Se ele disser que prefere a relação pastoral, seja ovelha dele; e pronto. Se ele disser que antes de tudo vocês são amigos, então diga a ele—não na hora, mas depois—, o que você vem vendo e sentindo. Além disso, não mencione o meu nome, nem o de ninguém, visto que muita gente concorda com a verdade, mas não se deixa tocar por ela apenas porque a vaidade ainda é maior que o desejo de andar na verdade. E se a verdade sair de uma boca que a pessoa não gosta, então ela—a verdade—é jogada fora apenas porque o outro não consegue ouvir a verdade sem julgar o mediador humano de onde ela procede. De minha parte, preferiria desaparecer para sempre se isto levasse as pessoas a andarem na verdade. Quero ser cooperador com ela, não o adversário dela na vida de ninguém. Assim, eu lhe digo: Faço-me do que sou—ou seja: um nada—, a fim de ganhar os “coisa nenhuma” que se julgam alguma coisa. Assim, se meu anonimato ajudar a todos a crerem e enxergarem a verdade; que eu desapareça para sempre! Você falou da moçada e das coisas pequenas nas quais a liderança se apega, e de como o “Sábado” se tornou maior que o Homem na igreja. Ora, até aí nada de novo. Se perseguiram o Mestre, por que não perseguirão aos discípulos? Para Jesus todas as questões dos fariseus eram mosquitos, enquanto todas as suas soluções eram os camelos. Ora, farisaísmo não é uma peculiaridade judaica, mas humana; e muito especialmente entre os humanos religiosos. Sendo assim, não se deve esperar que de súbito mentes farisaicas produzam pensamentos libertadores. O espírito farisaico se alimenta de controle. Desse modo, um pastor que sinta e pense como o seu pastor, ou tem o carisma para converter a moçada à burrice, ou terá que experimentar na carne o espinho das novas idéias, e a espada das novas gerações. E minha esperança é que sejam traspassados pela espada dos jovens, e vencidos pelo Novo que procede do Espírito e da Palavra. Esta seria a salvação humana deles—digo: dos que pensam que são, sem saber que já foram, só não se deram ainda conta disso. Todavia, o que fica gritante em sua carta é sua insatisfação pessoal, e que certamente envolve muito mais do que você mencionou na carta. E no quesito “insatisfação pessoal” o que mais me impressionou foi a seguinte seqüência: “Tenho um amigo que virou PASTOR, mas em quem não consigo mais Ver o coração risonho, brincalhão, jovial, não-dogmático…Tenho uma esposa que não mais é esposa. Tenho uma filha. Linda. Tenho um emprego. Bom. Caramba… Vontade de Largar Tudo…” Assim, você expressou com muita honestidade o nível de seu descontentamento: A mulher virou esposa-instituição; o amigo virou pastor da situação. E há a filha linda, que ameniza a dor, mas não preenche o vazio. E isso faz surgir a vontade de “largar tudo”…e ir tomar café…para não morrer de sono…nem de desânimo. O que me chamou atenção é a ordem das coisas em seu texto. O pastor veio antes da esposa, e esta antes da filha. Seria esta uma seqüência aleatória ou carrega ela valores e significados? Se for aleatória, tudo bem. Mas se trouxer significados, então, as coisas estão muito difíceis, e não poderão ser resolvidas com um mero organograma de prioridades e importâncias. De fato, posso estar completamente enganado, mas o que senti é que sua esposa tem razão apenas numa coisa—das que você mencionou, é claro. E esta “coisa” é acerca da “teologia como álibi” de algo mais profundo. Digo isto apenas no que respeita ao esquema psicológico de auto-proteção que você pode estar usando a fim de não ter que lidar com os camelos interiores. Discordo dela no resto…nas tais coisas pequenas…nos mosquitos…e na confusão entre Graça e “teologia liberal”…erro comum em muitas mentes. Portanto, mais do que qualquer outra coisa, me interessei pelo “outro problema”, pois creio que é dele que virá a resposta para você mesmo. Por isto, peço a você que me escreva acerca desse outro problema, pois, possivelmente, a proposição do problema já carregue também a própria resposta que você procura. E como gostei muito de seu modo de escrever, peço que me escreva assim…do mesmo modo…e para você mesmo. Quem sabe até me enviando ou reconstituindo a carta vomitada que você não enviou. As melhores cartas são sempre aquelas que a gente escrevi para si mesmo. Você disse: “O problema está aqui. Dentro.” Sim, o problema está Dentro. Sempre está Dentro. E quando a gente se pensa Dentro dele é apenas porque ele está Dentro de nós. Se eu fosse apenas me guiar pelo que você externou—correndo, é claro, o risco do equivoco—, eu diria que seu “outro problema” é a morte de seu casamento; e que foi algo certamente triangulado na sua amizade com o pastor. Assim, você era casado existencialmente com o amigo, e foi traído por ele, pela conversão eclesiástica dele; e casado institucionalmente com esposa para poder continuar perto do amigo, na esperança de que ele se “desconverta” do personagem que ele mesmo vestiu; e, quem sabe, reapareça como amigo-da-alma outra vez. Ora, com isto não faço, sob hipótese alguma, qualquer alusão a homossexualidade, mas apenas ao fato de que a pessoa realmente importante para você é o amigo, e que agora virou pastor, e legalista, ainda que bem apresentável em seu próprio moralismo. Conheço homens casados que sempre foram emocionalmente mais casados com os amigos que com a esposa. Nesse caso, a esposa entra na história como um elemento de composição, numa relação triangular, onde ela é apenas um detalhe. De fato, eu acho que você está cansado e decepcionado com o fato de que sua esposa hoje é mais esposa-mental de seu pastor que de você, e ele é mais amigo dela do que seu. Até porque tudo isto tem apenas a ver com comunhão de idéias. Assim, minha proposta a você é simples: vamos esquecer a igreja, os jovens, o pastor, e a esposa. Afinal, mesmo reconhecendo todos os problemas externos que você mencionou—mosquitos e camelos da igreja—, ainda assim temos que encarar o fato que você mesmo apresentou veementemente quando disse que o problema é você, e está Dentro. “A externalidade é fruto do gosto de fazer internamente”—você disse, e eu concordo. Como eu disse antes, posso estar completamente equivocado; e se estiver, espero que não me queira mal. Ora, após ler a sua carta, preferi não respondê-la ontem mesmo, mas orar sobre ela, a fim que eu mesmo fosse honesto com você, não buscando agradá-lo, mas, de fato, ajudá-lo. Falando português claro e simples: Você perdeu sua sustentação emocional, viu que o casamento não era real, e que o amigo era um travesti pastoral. Sobrou a filha. Linda! Quero que você saiba que amei você e sua carta. E mais: quero que saiba que seria muito mais fácil para mim concordar com você—afinal, você está certo quanto a igreja—, que devolver esta carta a você com questões que lhe chamam não para o álibi ou para o disfarce, mas para o encontro com a verdade. Uma das coisas perigosas sobre a Graça de Deus é que ela nos destampa, e nos expõe. E uma vez que isto aconteça, ou a pessoa lida com a verdade “em-si”, ou torna-se uma Estátua de Sal. Portanto, leia tudo o que escrevi—correta ou equivocadamente—não como um ato de desnudamento de sua alma feito por mim, mas como uma tentativa de chamar você para o que é real para além dos mosquitos e dos camelos da igreja. E digo isto apenas porque achei você inteligente demais para estar sofrendo com aquilo que você mesmo já sabe como é. Assim, meu querido, estou tentando ser seu amigo, não seu “pastor”, visto que, neste caso, a tarefa do primeiro é mais árdua que a do segundo. Estou escolhendo o pior para mim, e correndo o risco de ser amigo. Me responda sem temor. Aguardo sua “carta-para-você-mesmo.” E espero que ela venha carregada do que de fato incomoda você, pois, sem dúvida, até aqui apenas falamos dos mosquitos. Fale-me, agora, dos verdadeiros camelos, e que ruminam angustias no deserto de seu coração. Receba meu beijo afetuoso, e todo o meu carinho. Nele, em quem os “papéis” dão lugar aos verdadeiros indivíduos, Caio