ME FALE COMO É O INFERNO

 

—–Original Message—-

From: ME FALE COMO É O INFERNO

Sent: quarta-feira, 22 de outubro de 2003 16:20

To: [email protected]

Subject: contos do inferno

 

Mensagem:

 

Prezado Pastor Caio,

 

Primeiramente gostaria de começar dizendo que tenho 30 anos, nasci em um lar evangélico, e que apesar disso não conheço nada de Bíblia. Sempre fui à igreja, mas nunca me ingressei completamente, razão pela qual até hoje não sou batizado em nenhuma igreja.

 

Mas não é disto que estou querendo falar. Na verdade há aproximadamente uns 4 anos venho questionando a existência do inferno; às vezes me pego pensando sobre este assunto, e ainda não consegui chegar a uma conclusão. E lendo em seu site algumas cartas (sobre diversos assuntos), fiquei impressionado com a sua forma inteligente e aberta de falar (sem hipocrisia). Por isso estou aqui pedindo a sua opinião sobre este assunto (inferno).

 

Às vezes penso: “Não estaria Deus sendo tão cruel criando homens para mandá-los futuramente para o inferno?” Algumas pessoas me dizem que Deus não faz exatamente isto, ele nos cria e nos dá o livre arbítrio… Mas peraí, ele não é onisciente? Então no momento em que ele estava criando o “Samuel” ele sabia exatamente o caminho que o “Samuel” escolheria futuramente, com isso concluo que ele estaria criando o “Samuel” para ir para o inferno… Confesso que ainda não consigo entender esta crueldade por parte de Deus.

 

Gostaria saber de você qual a sua opinião sobre o inferno, realmente é aquele terror que a Bíblia coloca? (lago de fogo e enxofre para onde irão os condenados por Deus) Ou isso não passaria de uma interpretação errada da Bíblia?

 

Confesso que estou ansioso por sua opinião e se puder me ajudar, ficarei muito grato!

 

Somente hoje é que fui conhecer seu site por intermédio de um amigo, gostei muito de suas idéias e estarei sendo a partir de hoje exímio visitante.

 

Um grande abraço!

 

Samuel

 

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Resposta:

 

Meu querido: Paz!

 

Infelizmente, apenas em relação à sua necessidade imediata de informação, devo dizer que não posso ajudá-lo.

 

Não conheço muito sobre “o inferno”, exceto sobre suas manifestações existenciais. E dessas manifestações você também deve ter experiência, na consciência.

 

Mas no que tange ao Inferno, nunca estive lá e nunca estarei!

 

Conheço, todavia, muitos infernos. E todos aqui mesmo—começando do meu coração e se estendendo pela Terra toda!

 

Transcreverei para você um texto aqui do site—está em Reflexões—intitulado “Acerca do Inferno”.

 

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ACERCA DO INFERNO

 

Lázaro é o nome do inferno do homem rico.

Na história, Lázaro não existia para ele. Ele, todavia, existia para Lázaro. Vistos de cima, digo: se sairmos agora da história e olhamos de cima. O que vemos? Vemos a narrativa saindo da boca de Deus. Quem conta a história é Jesus. E para Ele, o rico não tinha nome, mas o mendigo se chamava Lázaro.

Interessante é observar que em Lucas 16:14-18, alguns temas antecedem a narrativa do rico e do Lázaro. Primeiro vem o da avareza dos mais religiosos seres, os fariseus. Daí o fato de eles darem eles dinheiro publicamente como algo de grande importância entre os homens se tornar algo tão abominável diante de Deus: eles colocavam o dinheiro como algo que comprava a Deus.

Depois vem o tema do vigor da lei e dos profetas. João Batista encerrava uma era histórica na revelação. Agora o reino era anunciado e o esforço humano é tão grande para entrar nele, porque os homens atribuem ao reino valores que a ele não pertencem, e desvalorizam os reais valores do reino na mesma medida em que dão valor ao dinheiro como se tendo poder de comprar um pedaço de Deus.

A lei é boa. O universo pode acabar, mas ainda assim a consciência saberá sempre que a lei de Deus é boa e restaura a alma; nós que é somos pecadores e damos a ela valor legal e não devoção em fé e amor em Cristo Jesus, como o cumpridor dela toda. Daí a letra matar.

Exemplifica o tema da lei a questão de repudiar a mulher e entregá-la à vida… sem amparo… apenas para se casar com outra e depois com outra… e outra… e outra… — como faziam os fariseus e muitos religiosos em Israel naqueles dias. De modo que a lei era transgredida pelo direito, pois poder amar é um direito, mas mesmo o amor seria vilipendiado pela transgressão da lei.

Assim, nem toda alegria é perfeita num mundo caído. Então vem o rico e o Lázaro. É o tema do inferno que aparece. E esse inferno aqui escrito é tão lugarizado que a tentação dos mais abertos é simbolizá-la, estatizá-la, dimensionalizá-la, e, dos mais “fechados”, literalizá-la.

Assim, ou é um lugar, ou uma linguagem, ou um estado, ou uma dimensão, ou uma descrição. A gente só não pensa no que é.

“E o que é?” — indaga você a mim, que não tenho nada que não seja a mais singela convicção. E sabe qual é? A gente procura em lugares aquilo que não cabe em lugar nenhum: o nosso ser.

O ser só é em Deus, pois, em si mesmo, é inferno! Portanto, no ser, o inferno do rico —de onde ele via—, era ver Lázaro no seio de Abraão. E seu inferno é maior porque mesmo olhando a cena do inferno, o rico é ainda tão “rico” que fala direto de patrão para patrão — fala direto com Abraão. E ainda pede que a Lázaro seja dada a missão de “vir” servi-lo do lado em que ele está. Não sendo possível, pede ainda que Lázaro seja enviado para fora do céu e aparecesse na esquina da mansão da família dele, agora como um mendigo alucinado, que reaparece dizendo que havia se encontrado com o dono da casa do “outro lado” e que havia sido enviado de volta a terra por Abraão, a pedido do dono da casa; e que a mensagem era a seguinte: “Não tratem o Lázaro assim… Não!… Se vocês o tratarem mal, vocês vão “vir” pro inferno também!

E se ele tivesse sido enviado? O que aconteceria? Agora, Lázaro seria chutado da esquina. Os cães teriam que lhe lamber as ressuscitadas feridas em outra esquina da cidade. De fato, foi isto que Abraão respondeu ao rico, na conversa direta céu-inferno que o texto apresenta. Donde, para mim, se conclui que o inferno começa aqui. E continua conforme o “o quê” aqui se instalou em nós como opção pela inexistência de nosso próximo e de qualquer outro ser, sendo isto uma livre escolha, como decidir não saber o nome de Lázaro na terra, mas lembrar muito bem do nome dele no inferno. Pois o inferno do rico era a tortura de ver um “Lázaro” daquele ali… assentado na boa, com Abraão… enquanto ele padecia naquele “lugar”.

Sendo assim, o inferno se mantém como um ethos, como uma coisa que acaba sendo-em-si-mesma porque fica em-si-e-para si. Só reconhece o que lhe convém e sempre pelas piores razões. Somente Deus é em si e para si, e não “enlouqueceu” até sair de si e criar “fora de si” aqueles aos quais loucamente amou, a ponto de morrer por eles.

Mas isto é o céu.

Aqui falo e volto ao tema do inferno. Concluindo-se que tanto faz onde, como ou com que cara exista o inferno, pois cada um lá o verá com os olhos com os quais viu a vida aqui. Portanto, o que se pode dizer é tão-somente isto a quem se recusa a converter-se ao convite da Graça de nosso Deus em Jesus Cristo:

“Feliz eterna escolha pela sua própria e livre escolha por fazer do inferno seu próprio ser experimentando a você mesmo. Assim, infelizes dos arrogantes, porque eles serão humilhados. Infelizes os perversos, porque eles ficarão sem inimigos. Infelizes os insensíveis, porque eles chorarão para sempre. Infelizes os opositores do bem, porque terão que assistir à manifestação do bem para sempre e sem poderem fazer nada contra. Infelizes os criadores de divisões e discórdias, pois eles serão para sempre lembrados como filhos do diabo. Infelizes dos que apedrejaram os profetas, pois terão que ouvir o eco eterno de suas próprias condenações.

E infelizes dos que infelicitaram a todos os que amaram o reino de Deus, pois assim saberão o significado de existir inalteráveis, como o diabo e seus anjos. Mas assim como são as bem-aventuranças são as “mal-aventuranças”. E assim também como o coração do homem deve corresponder à sua face, assim também o inferno do homem sempre corresponderá ao cenário de sua própria alma.

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Espero que esta minha contribuição o ajude.

 

Até aí eu vou… daí pra frente eu não conheço; e tenho a alegria de poder dizer: jamais conhecerei.

 

Com relação ao que penso de sua carta, quero dizer o seguinte:

 

1. Você anda com muito medo. Medo de não ser “da igreja”, de não saber “muito de Bíblia”, de não fazer “parte dos que carimbaram o passaporte — ou dizem tê-lo feito.

 

2. Você anda preocupado com a ”severidade” de Deus, sem enxergar que a Bíblia não define Deus como sendo severo, mas como sendo Amor.

 

3. Ninguém irá para o inferno assim, no Atacado, como dizem os evangélicos. O cara tem que querer muito ir pra lá.

 

4. O inferno existe, mas maior que ele é a neurose da Religião acerca dele.

 

5. O inferno precisa ser pregado com tanta insistência porque a Religião não consegue ver as pessoas livres do medo. Sem insistência no inferno, não há medo. E sem medo, não há subserviência, e poder nas mãos dos “administradores” das penas. Lembra? Já venderam até “indulgências”?

 

6. Não perca tempo com medo do Inferno. Mergulhe de cabeça no Amor de Deus, de cuja posição ninguém poderá tirar você.

 

 

Um beijo,

 

Caio