Meu marido é meu inferno!
Nomes e possíveis identificações foram alterados.
—–Original Message—–
From: Simone
Sent: domingo, 3 de agosto de 2003
To: [email protected]
Subject: Meu Marido É Meu Inferno!
Mensagem:
Reverendo Caio Fábio,
Meu marido não fica sem ingerir álcool por mais de dois meses. Quando bebe, ele agride – inclusive fisicamente – a família toda, eu e meus três filhos. O mais velho tem 30 e a caçula, 18. Nossa estratégia atual é a de amarrá-lo com fitas. Detalhe: não pára de xingar nem um minuto sequer e só termina quando cai de cansado.
Evidentemente, sofremos com isso. Os problemas que enfrentamos vão desde os financeiros até o risco de morte. O curioso é que, sóbrio, ele é um bom sujeito, ama os filhos etc. Não entendo o problema.
Sei que o senhor precisaria de mais informações para conhecer melhor o quadro familiar. No entanto, como uma espécie de desabafo e último pedido de socorro, teclo essas palavras. Isso porque ele já foi internado, “orado” etc. Olho para a “situação difícil dos outros” e acho que vivem num paraíso. Paraíso porque não precisam enfrentar, volta e meia, PMs e marginais.
Não peço muito a Deus. Peço apenas que meu marido pare com a bebida. Se quiser sair com travestis, como já saiu, é opção dele. Somente quero tranqüilidade. Pode parecer estúpido, mas meu sonho é que ele pare de beber. Veja só a que ponto cheguei: existo para limpar a sujeira e os estragos que ele faz. Por tabela, faço das tripas o coração a fim de manter meus filhos unidos e lúcidos. Recentemente, um deles começou a seguir as trilhas do pai. Bebeu até bater o carro numa árvore. Mas graças a Deus ele parece estar colocando a cabeça no lugar.
Diga-me com sinceridade.
Há solução?
Demônios estão na jogada?
Ou trata-se somente de Deus nos testando ou nos provando – nessa altura do campeonato, o objetivo pouco importa, se é teste ou prova, pois parece que já aprendemos o que tínhamos de aprender. (Sei que enquanto vivemos aprendemos a cada dia etc, e que Deus nos ensina etc) Só que o caso aqui é o de esgotamento. Estamos sendo torturados.
Quero deixar bem claro que creio na existência de Deus, do Deus Pai. E deixar bem claro também que não creio na existência do deus que é anunciado na maioria das igrejas evangélicas. Em muitas destas, Ele existe sem mistério algum, é simples de ser compreendido e analisado – mais isso são outros quinhentos, assunto para outro e-mail.
Não sei o que fazer. Também não tenho forças para prosseguir dentro desse caminho estúpido.
Na realidade, sei que continuarei caminhando, aconteça o que acontecer.
Mas tenho de levar essa vida mesmo? Se o abandonar, ele morre. Se não morre, vai atrás de nós…
Pastor, apenas quero saber a sua visão sobre tudo isso, já que conhece de perto a história de multidões.
Um forte abraço e muito sucesso nessa nova fase de seu ministério.
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Resposta:
Minha querida Simone:
Sei exatamente qual é a angustia de vocês.
Certamente vocês já o internaram, já tiveram que chamar a polícia, já o levaram a todas as igrejas, já o levaram ao AA…
Preste atenção:
Numa hora dessas, por mais duro que seja, não há mais meios de se conseguir de ser bom aos próprios olhos, e, ao mesmo tempo, ser bom aos olhos do “indivíduo” em questão.
Falo de “indivíduo” apenas por que não dá para pensar com as categorias normais de “meu pai”, “meu marido”, ou “meu filho (a)”.
A passionalidade familiar apenas prejudica qualquer forma de ajuda!
Pela sua narrativa, percebi que, como não poderia deixar de ser, vocês todos viraram co-dependentes dele…
O processo de “co-dependência” é um inferno!
O “indivíduo” enlouquece, e, se faz de vítima!
Ora, depois que a gente vê a pessoas como sendo “sóbrio e um bom sujeito, que ama os filhos etc”, fica difícil não pensar nele como “vítima”.
De fato, num certo sentido, ele até é. O problema é que ele “vitima” todos os que estão em volta, e isso é um inferno na terra.
Depois de um tempo, todos se sentem culpados pelo “indivíduo” ser como é.
E isso dá ao “indivíduo” um poder inconsciente de manipulação horrível, para não falar que, muitas vezes, ele usa desse “capital de auto-vitimização” de modo completamente consciente, e manipulador.
Sei que vocês já passaram por isto tudo, e que já ouviram coisas semelhantes no AA.
A questão é outra.
O problema agora já não é apenas “ele”, são “vocês”.
Esse sistema familiar tem que se unir a fim de saber algumas coisas:
1. Ele, o “individuo”, tem que ser “afastado” do convívio familiar por um bom tempo. Pode ser uma internação num lugar onde haja de tudo: disciplina, trabalho que faça suar e ajuda psicológica, pelo menos básica. O importante, nesses próximos dois anos—não creio que num caso como o dele o período seja menor do que uns dois anos—, é que ele seja colocado num lugar onde a família não seja “comovida” pelos lances e repentes de “melhoras”.
2. “Vocês”—o resto da família—não podem mais entrar em nenhum tipo de “jogo”. Tem que haver “união” para que “os ossos secos” possam “ressuscitar (leia aqui no site, em Devocionais, um texto que melhor explica o que acabei de falar). Se vocês não forem “um” na decisão, ele, o “indivíduo”, sempre terá uma alça para pegar e, com certeza, manipular, gerando pena.
3. A única maneira de fazer o Bem para um “indivíduo” como ele é não tentando ser “bom”, conforme o padrão de bondade que a gente oferece a uma pessoa vivendo em circunstâncias sócias e psicológicas funcionais. No início doerá muito em “vocês”, porque trata-se de um exercício de bondade que vai contra o instinto humano. A gente gosta que a bondade seja boa. Mas nessa hora a gente tem que aprender com Deus, que faz o bem mesmo quando deixa o filho ir para “uma terra distante”, gastar tudo o que tem, passar fome, comer babugem de porcos, até cair na real.
4. Quem está como ele está, precisa conhecer o amor como disciplina. É difícil a gente fazer isto com um cara que, quando está sóbrio, é “bom”. Mas tem que ser assim. Do contrário, ele sempre usará a sobriedade momentânea a fim de gerar um capital de concessões para a prática da loucura. E é isto que ele tem feito todo esse tempo.
5. Quanto e ele ir atrás de você, de perseguí-los, garanto que isto só está acontecendo porque ele sabe que a “casa está dividida”. Quando ele sentir que não é um “coitadinho” para ninguém, e que vocês todos já “sacaram”qual é a dele, e não negociarem com a “lucidez” temporária que ele oferece às vezes, ele deixará de fazer o mesmo jogo; mas se vocês continuarem na dele, continuarão vivendo no mesmo inferno.
6. Quanto a ter pena dele morrer assim, e, por causa disso, ir empurrando com a barriga, eu digo o seguinte: a senhora e seus filhos não são responsáveis pela manutenção desse tipo de existência. Vocês não têm que viver no inferno porque um parente resolveu que gosta da morte. Nesse caso, fiquem livres. Ajudá-lo será algo humanitário e um dever de consciência até certo ponto. E essa “longa internação” poderá ajudar. Mas não tem que haver barganha do tipo: “Se você ficar bonzinho e se comportar, quando você ficar bem, você volta pra cá”. Ele tem que “conquistar” as coisas, e tem que saber que daqui pra frente ele não direito a pedir mais nada, nem mesmo que vocês esperem por ele. Vocês nem devem oferecer nenhum “capital negocial” para ele. Um “indivíduo” no estado dele sempre é manipulador, e se alimenta dessas “trocas de promessas”; se vocês entrarem nessa, ficarão “seqüestrados” por ele para o resto da vida; e se em algum momento ele se chatear com alguma coisas, vai sempre voltar às mesmas práticas, a fim de “punir” vocês com a loucura dele.
7. Cada um de vocês tem que viver. Não se tornem como a família de um “faraó bêbado”, aceitando ser sepultados vivos com ele num sarcófago miserável. Portanto, se a senhora achar que a vida ainda pode ser melhor para a senhora, aproveita a oportunidade. Não se faça refém da loucura de NINGUËM.
8. E quanto a aceitar que ele até “ se quiser possa sair com travestis, como já saiu”; e enquanto a senhora concluir dizendo que “topa”, pois, é “opção dele”; é a mesma coisa que dizer que aceita ser parte definitiva de uma certa forma de enfermidade dele. Se ele quer fazer todas essas coisas, deixe que ele faça tudo sozinho, mas chega de limpar a sujeira de um marmanjo que não quer outra coisa a não ser usar o “privilégio da loucura” para fazer o quem bem deseja.
9. O fato de já haver um filho começando a andar no mesmo caminho de morte já deveria ser evidencia suficiente de que esse convívio é de total doença. E se continuar assim, a senhora estará apenas “cevando” uma próxima geração com as mesmas comidas de porcos que “ele” ofereceu para vocês até hoje. Se a senhora não quiser ter mais um outro inferno em casa, desfaça-se do atual inferno antes que ele cresça. Jesus disse que, às vezes, a gente tem que fazer “amputações” e até mesmo “extirpar” o próprio olho, a fim de não perder a vida. Pode-se perder tudo, menos a cabeça.
10. Por último, sugiro que a senhora busque um lugar sóbrio para ouvir a Palavra e alimentar a sua fé. Não entre nessa de que é “encosto”. Tá na hora de vocês tirarem o “encosto” de vocês, que, infelizmente, é “ele”, o “indivíduo” em questão. Será também recomendável que toda a família busque ajuda psico-terapeutica, a família toda; e, entre todos, especialmente o seu filho que já começou a entrar na do pai. Provavelmente ele tenha começado a entrar na do pai para ser “encosto” para vocês. A maior parte dos “encostos”, são encostos mesmos; ou seja: gente preguiçosa, que não deseja encarar as responsabilidades da auto-sustentação, e apela para o “encosto”; encosta-se, e os outros que o levem nas costas para sempre.
Ninguém tem poder sobre as escolhas de ninguém. O pai, a mãe, um filho (a), podem tomar caminhos de morte; e isto nem sempre tem a ver com qualquer “responsabilidade culposa” a ser assumida pela família. Famílias que assumem como culpa a “loucura” de um de seus membros, não apenas enlouquecem junto com ele, como também institucionalizam a enfermidade como culpa coletiva; e, desse buraco, só se sai, com a Graça de Deus, em união e com a capacidade de fazer o bem sem ser bonzinho; e também não se sentindo culpado pela situação.
A culpa somente gera mais enfermidade.
Responsabilidades de outros, assumidas por nós, não apenas postergam para sempre a possibilidade da “cura”, como são o principal alimentador da própria doença, que, como a senhora já sentiu, é profundamente contagiosa…
Espero que lhe tenha sido útil.
Com oração e respeito,
Caio
Se a senhora desejar, posso ajudar a encontrar uma “fazenda” para onde ele possa ser levado em tratamento, disciplina e reclusão produtiva. É só falar. Mas aviso não exatamente “de graça”. Não é tão caro, mas custará alguma coisa, para não falar que poderá “salvar” a casa de vocês.