—–Original Message—–
From: SOU PASTOR, MAS O MINISTÉRIO ESTÁ ACABANDO COM MINHA ALMA
Sent: quarta-feira, 17 de março de 2004 02:33
Subject: NEM SEXO HÁ MAIS EM MEU CASAMENTO
Mensagem:
Olá, Caio, tudo bem com você?
Me desculpe a informalidade, mas acho uma frescura essa história de “reverendo”. E, como somos colegas (também sou pastor), fica mais fácil dispensar os rapapés.
Tenho 35 anos, sou casado, e tenho filhos bem pequenos.
Sou pastor desde os 27 anos, quando me formei no seminário. O meu primeiro campo pastoral foi no sul, onde fiquei 4 anos como pastor assistente. O meu segundo pastorado foi em Minas Gerais, onde fiquei tenebrosos 12 meses! E o meu terceiro pastorado é aqui…desde 2002.
Sabe, quando estava estudando teologia, eu pensava que seria uma maravilha, que iria pregar e o povo iria acolher a Palavra; iria evangelizar e as pessoas iriam atender ao chamado; e de vez em quando iria dar um cacete no capeta para ele aprender o que é bom pra tosse. Mas, ledo engano!
Prego e ensino na EBD, mas o povo não quer saber das coisas de Deus. Atualmente carrego comigo uma ferida enorme na alma. Me sinto às vezes dentro de um Big Brother Gospel (como eu detesto essa palavra fedendo a modismo imbecil!): todo mundo me observando, todo mundo olhando, e, talvez, discando para que eu seja eliminado do paredão!
Deixe-me contar um pouco da minha novela mexicana mal-dublada (sei que você já viu e ouviu trocentas histórias parecidas, mas, enfim, é a vida): no meu primeiro pastorado, eu estava bem verde, e fui ao interior pastorear uma igreja tradicional. Lá fiquei 4 anos, primeiro em uma congregação, e depois na sede, como pastor assistente.
Vou te contar: pastor assistente sofre, porque enquanto o titular é convidado a festas de inauguração de agência bancária (cidade de interior tem dessas coisas), eu ficava encarregado de fazer cultos fúnebres!
Lá, começaram a me perseguir, dizendo que eu deveria ficar mais sério no púlpito, parar com as brincadeirinhas… aquelas babaquices presbiteriais que você conhece bem. Depois, tomei uma puxada de tapete do dono da igreja, o pastor titular de lá.
Bem, depois daquela experiência difícil, fui a Minas, onde encarei o capeta de frente. Se o capeta fosse com chifres, rabo e casco fendido, seria moleza; mas ele se revelou no caráter de alguns membros daquela “igreja” (e bota aspas nisso!), de alguns imbecis (desculpe o termo, mas não achei qualificação melhor) que ficavam me perseguindo, enquanto tinham uma vida moral adoecida e apodrecida.
É a famosa história do macaco que senta no próprio rabo para falar do rabo dos outros.
Lá… houve ocasiões em que eu tive de tomar calmantes para pregar e para dirigir reuniões do Conselho! Imagina, você ir à igreja e ver o seu pastor chapadão?
Isso sem contar no assalto em que fomos vítimas, onde os ladrões arrombaram a porta da frente da casa e levaram tudo: TV, som, vídeo, duas guitarras, um violão, um teclado (somos bem musicais!), cafeteira e ferro de passar (!).
A reação da igreja?
“Ô, pastô, sinto muito, isso acontece…”, com um indefectível tapinha nas costas. Não sei como sobrevivi àquela experiência de opressão religiosa e espiritual (o que eu vi de demônios e coisas do gênero não é brincadeira, e olha que eu sou calvinista!), onde pensei, com seriedade, na hipótese do suicídio.
Hoje estou em outra cidade, pastoreando. É lógico que os problemas são outros, mas nem por isso menores e menos desgastantes.
Para que você tenha uma idéia, a minha saúde foi para o espaço há muito tempo. Já tenho predisposição genética à hipertensão, mas, devido a tormentas que passei aqui no ano passado (uma família que se achava dona da igreja, que havia puxado o tapete de pastores anteriores a mim, tentaram o mesmo artifício, mas Deus não deixou), cheguei a ser internado com uma crise hipertensiva em que minha pressão chegou a 22/12. Eu, que já tinha dificuldades em dormir, desenvolvi uma apnéia noturna que, se eu não dormir toda noite conectado a um pressurizador chamado CPAP, posso morrer sufocado.
Tenho perdido noites de sono, pensando na igreja, no futuro e no meu ministério.
E isso tudo para eu ouvir da boca de um presbítero: “É, pastô, eu acho que o sinhô é mais professor do que pastor, porque pastor é aquele que passa a mão na cabeça da ovelha…”; e também: “Pastô, eu sei que é difícil pro senhor, afinal, o senhor tem a idade do meu filho, veio de uma família disfuncional (meus pais são separados) e ainda vem pastorear nesta igreja, sei que não é fácil”.
Nem sei porque eu não respondi: “É, não é fácil mesmo, porque nem você me ajuda!”
Hoje, lendo o jornal da denominação, caí em uma depressão profunda.
Fiquei acabrunhado o dia inteiro. Isso porque eu vi as fotos de aniversários de igrejas no interior de SP, e vi a pastorada toda de toga e estola, parecendo manequins de funerária, pregando não-sei-o-quê lá na frente.
Com esse meu desabafo todo, Caio, chego à minha conclusão: estou de saco cheio!
O pastorado (ao menos nos moldes das igrejas Reformadas) está acabando comigo!
Não tenho amizades com quem me abrir. Não tenho família (ficou a uma distância de 1000 km). Não tenho 100% de saúde. Estou ficando paranóico, desconfiando de tudo e de todos. Não tenho mais “curtido Deus”, numa tradução atualizadíssima de Sl 37.4. Não tenho tempo para curtir a minha família…
O meu relacionamento com minha esposa não está bom, a despeito da terapia que temos feito com um psicólogo. Isso sem contar que minha vida sexual virou obra de ficção científica, coisa de disco voador! Aquela que todo mundo sabe que existe, mas ninguém viu um de verdade!
E acho que também o pastorado não pode e não deve ser essa coisa formal, olhando só pro cadáver do Calvino, coitado.
Se somos uma igreja reformada, devemos entender que a Reforma é um processo contínuo, e não parado no tempo.
Imagine, você pregar de toga, num calor danado, em pleno século XXI, como se estivéssemos na Suíça do século XVI!
Mas estou chegando à conclusão de que a minha denominação não é uma igreja reformada, e sim re-mofada!
Na semana passada, participei de um congresso de igreja em grupos pequenos, onde o preletor disse que, segundo uma pesquisa, 41,5% dos pastores sofre de alguma disfuncionalidade: problema conjugal, sexual, financeiro, de saúde, crise de fé, etc. Isso por causa da estrutura das igrejas que sufoca, mata, tira o tutano do pastor e joga o bagaço fora.
Sabe, Caio, sei que o pastorado é difícil, mas a carga é pesada demais!
Pesada ao ponto de só Jesus suportar, mas é jogada sobre os nossos ombros.
Será que é pedir demais ter um pouco de sanidade neste trabalho tão complicado?
Acho que estou começando a dar razão aos teólogos liberais que negam a existência do diabo. Afinal, dependendo com quem convivemos na igreja, o diabo é perfeitamente dispensável.
Um abraço,
Resposta:
Meu amigo amado: Se ao Mestre chamaram Belzebu, como chamarão aos discípulos?
Este não tinha eu ser um problema seu, pois homem nenhum pode suportá-lo. Foi por isso que Jesus entregou a Sua vida, para que eu não tenha que dar a minha na ilusão de um sacrifício que não carrega mérito, mas apenas doença.
A “profissão oficial” mais desumanizante do mundo é a “sacerdotal” que acontece no ambiente cristão.
Faz anos que eu digo que o “pastor é um ateu emocional”. Lembro que a primeira vez que disse isto foi num evento da Igreja Presbiteriana Independente em Ribeirão Pires. Foi um “escândalo” para alguns, mas não havia como negar tal verdade.
A estrutura toda está montada para desmontar a humanidade e erguer homens de mármore.
As disfunções psicológicas que envolvem o ministério são ricas em deflagrar processos completamente enfermiços.
Não vejo cura para isso!
Não dentro das bolhas invisíveis que aprisionam a vida e negam a Graça: nossa única possibilidade de servir a Deus e aos homens sem perdermos a alma e a humanidade.
A leitura deste site bem expõe o nível de disfuncionalidade não apenas de pastores, mas também de toda a “igreja”.
E mais: minha convicção é que não vale a pena dar a vida por nada que não seja vida… E o que está aí nada tem a ver com aquilo que Jesus chamou de vida e realidade para o Pai.
Sim, abraçar o ministério conforme a proposta que está feita há séculos é aceitar como caminho a vereda da doença.
Minha sugestão a você é que relaxe…
De fato, não dê importância ao que está acontecendo, pois, na realidade, não tem nenhum significado para Deus.
“Sem amor, nada disso me aproveitará…”
O que a “igreja” faz só tem significado para ela mesma, visto que ela raramente pensa em Deus naquilo que faz, mas apenas em si mesma e na manutenção de si mesma como sarcófago de almas desalmadas e de fiéis sem fé e sem compreensão daquilo que dizem professar.
Notei que você está se estressando também com aquilo que não tem valor mesmo; e que quando passa a ter, é mal sinal para a alma que o rejeita como se fosse importante… tanto quanto o é para a alma que o defende e propõe.
Se eu fosse você, faria escolhas pensando em mim e nos meus filhos.
A gente faz escolhas pensando no Reino de Deus quando se trata do Reino de Deus. Mas a “igreja” não é o Reino, nada sabe sobre ele, cuida apenas de seu próprio poder, e não está posicionada estrategicamente como algo para o que valha fazer sacrifícios.
Deixe que os mortos sepultem os seus próprios mortos. Quanto a ti, vai e prega o Reino de Deus.
Torne sua vida leve.
Pense em você como ser humano, não como pastor.
Desprezar os limites de sua humanidade acabará com ela, mesmo que seja em nome do ministério.
Se você tiver uma chance de sair desse viveiro de doenças, e se houver uma comunidade mais leve, não hesite: vá!
Mas não vá iludido…
No mundo sempre tereis colegas pastores, presbíteros, diáconos, e crentes muito mais chatos que demônios renitentes. Mas tende bom ânimo…
Não vale a pena toda essa dor. Os atores-objeto-sujeito de sua preocupação são seres insaciáveis.
Portanto, relaxe.
Faça um programa de saúde humana e familiar para você mesmo.
É fundamental que você recupere o que tem valor: sua mulher, sexo gostoso e freqüente com ela, a amizade de seus filhos, e tempo para lazer e prazer.
Se eu pudesse lhe recomendar um “dever de casa”, ele começaria pela restauração de sua atividade sexual, pois, por ela, nossa humanidade sadia vaza muitas das angústias que não têm outros meios de se esvaírem de nós.
O dom de línguas estranhas e sexo com amor são muito parecidos psicologicamente, pois abrem o inconsciente para as vozes da alma e do espírito.
Você precisa urgentemente integrar o prazer à sua devocionalidade existencial, sob pena de se ferrar todo…e logo.
Quanto a “curtir Deus”, digo-lhe: a única maneira de fazê-lo é esquecendo a “igreja” e suas batalhas mesquinhas. Misturar as coisas inviabiliza o romance espiritual.
É triste, mas a sobrevivência espiritual manda que se separe Deus de “igreja”, visto que, na prática, um não tem nada a ver com o outro.
Quero dizer que estou aqui para o que você precisar. Mas não perca mais tempo, pois, de fato, esse sacrifício não tem que ser feito.
Não às custas de sua alma!
Nele, que é o nosso Pastor,
Caio