—– Original Message —–
From: CONSELHOS A UM JOVEM PASTOR!
To: [email protected]
Sent: Friday, October 01, 2004 12:11 AM
Subject: DESÂNIMO E PORNOGRAFIA…
Mensagem:
Caio,
Obrigado por existir e poder eu poder te conhecer via site.
Bem, tenho 27 anos, sou pastor de jovens e co-pastor de uma igreja que se diz “renovada”. Atualmente sou professor num seminário onde cursei o bacharelado e, paralelamente, fiz licenciatura em outra coisa. Hoje estou concluindo uma pós-graduação. Vou me casar com uma mulher maravilhosa, a quem amo.
Diante do exposto tenho descoberto que não sou feliz, estou desmotivado…
Tenho visitado sites eróticos e estou me tornando um viciado em pornografia.
Tenho seriamente pensado em abandonar tudo, pois parece que meu chamado está um pouco sem convicção.
É engraçado, pois em apenas poucos anos de ministério já ocupo posições que muitos gostariam de ocupar, sou admirado por muita gente, só que pareço estar no lugar errado, e por isso não sou feliz.
Estou pensando em me casar e tomar outro rumo na vida…embora tenha um lugar pra morar, um salário, uma posição social, uma mulher linda, e também quando penso em servir a Jesus, me sinto infeliz.
Caio sei lá!…
Se puder opinar, estarei agradecido.
Até em breve,
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Resposta:
Meu querido irmão: Que a Graça do desconforto lhe faça muito bem!
Você me responda as seguintes questões:
1. Como fica a alma de um homem que tem que viver num ambiente no qual quase tudo o que ele sente, não pode ser confessado, pois é visto como pecado?
2. Como fica a alma de um homem para quem a realidade não é o que é, mas o que se diz que deve ser?
3. Como fica a alma de um homem que se alimenta de formas e letras, de doutrinas e de escritos, de condutas e de comportamentos, de performances e de realizações, todas, supostamente, sendo consideradas obras de Deus?
4. Como fica a alma de um homem que pensa que Deus pertence ao ambiente das doutrinas certas e das declarações de fé que são apenas credos construídos pelo intelecto?
5. Como fica a alma de um homem para quem todo instinto é mal, e todo virtude só existe como negação do belo, do prazeroso, e do que seja liberdade?
6. Como fica a alma de um homem que crê que a Obra de Deus é feita por um monte de gente que acredita que se eles não realizarem certas programações Deus não terá agido no mundo?
7. Como fica a alma de um homem que chega em casa, pega a Bíblia, a lê, e diz: Puxa, hoje eu tenho que ter a Palavra de Deus para o povo?
8. Como fica a alma de um homem que não vive conforme pensa e não pensa conforme vive?
9. Como fica a alma de um homem que em todo lugar se pergunta se ele está “próprio” para o lugar e a ocasião, e que privilegia muito mais as etiqueta-da-alma (conforme a religião), que a espontaneidade do existir?
10. Como fica a alma de um homem que não pode simplesmente ser de Deus, mas tem que fazer para Deus?
Pense, e re-leia a sua carta. Eu lhe digo: o tal homem fica como você!
Esse ser-pastor é a receita certa para a petrificação da alma!
Ora, o que tenho eu a lhe dizer?
Que os pastores sejam como se não fossem; e que os que ministram como se não ministrassem; que os que pregam, como se não pregassem; os que ensinam, como se nada soubessem; que os que aprendem, como se eles mesmos fossem os únicos a aprender; que os que servem, como se não servissem; que os que dirigem, como se nada dirigissem; que os que anunciam a Boa Nova sejam os mais carentes dela; que os que ensinam a Graça, não se tratem a si mesmos na Lei; que os que sobem ao púlpito considerem aquele o lugar mais baixo da reunião; que aqueles que estudam, percebam-se como aqueles que saberão para sempre que nada sabem; e que os que amam a Jesus sejam como aqueles que não amam nada mais…mesmo que seja um “tudo” feito em nome Dele.
Meu amigo, somente quando isto acontece é que a pessoa fica livre da “possessão pastoral-de-si-mesmo”, que é uma das castas mais difíceis de se expulsar.
“Pastores que a si mesmos se apascentam”—conforme Judas, é, antes de tudo, ser aquele indivíduo que é para si, não para os outros.
A ironia é que uma pessoa como você se sente dando tudo pelos outros, quando, na realidade, está é dando tudo a si mesmo; ou ao seu “si-mesmo”.
E por que? Porque a pessoa só é para os outros quando deixa de ser para o “si-mesmo”.
Ora, o tal “modelo pastoral” é a própria gestão do “si-mesmo” como marketing para o próximo.
Neste ponto institui-se a contradição maligna. O sujeito não é ele mesmo na intenção de produzir um “si-mesmo” que seja para o “bem do povo”.
Esta é a forma mais perversa de dissolução. Sim, é pura dis-solução. É a total perda de solução interior, enquanto a própria pessoa pensa que está construindo um “caráter”.
Caráter, no meio cristão, em geral, é a própria expressão da fabricação de um ser formal e formol, e que existe como aparência rochosa para a percepção dos outros.
Na Palavra, entretanto, caráter equivale a consciência. Assim, um homem de caráter é um homem de consciência. E um homem de consciência não é duro, mas fluido como a água.
O que há mais forte na Terra do que a água? E o que há na Terra mais mole que a água? No entanto, quem pode vencê-la? Água mole em pedra dura, tanto bate até que fura!
Ora, o “modelo pastoral” propõe o tornar o ser algo rochoso, e isto em nome do caráter. E tentativa aquilo que mais promove a própria dissolução do ser. Trata-se de uma “solução rochosa”; e é ela que apascenta a alma para campos de pederneira.
A alma não é como pedra. A alma é como água. E sua solução é assim, metaforicamente falando.
O ser humano perde a solução interior quando vai para qualquer pólo da existência que não seja ele mesmo. Assim, o promiscuo se torna dissoluto em razão de que seus excessos tiram-lhe a solução interior. Já o religioso (e entre esses os chefes da religião, os pastores) perde a solução interior na medida em que ele teme o interior com a consistência da água; e, assim, por achar a água mole, ele se pedra.
Só que não há pedra na Terra que suporte a força da água.
A consciência é como a água. Ela sempre encontra o caminho para a vida, e se adapta a tudo, sem perder em nada a si mesma.
O caráter como pedra, entretanto, ou esmaga ou se estilhaça. É assim o caráter pastoral: quando não esmaga, se estilhaça. E, muitas vezes, enquanto esmaga ele mesmo se estilhaça.
Então, você me diz: Mas o que isto tem a ver com minha falta de motivação para ser pastor e meus impulsos na direção da pornografia?
Meu amigo, é justamente disso que eu estive falando até agora. E se você não entendeu, eu tentarei ser mais simples ainda.
Experimente ser você mesmo. Sim, experimente falar do que existe em você de modo verdadeiro—sem entregar pérolas aos porcos, é claro!—; experimente expressar sua compreensão do Evangelho com liberdade, sem ficar se perguntando o que os seus superiores hierárquicos e o povo possam pensar; e experimente olhar para si mesmo tratando essa coisa de ser “pastor” como pura bobagem; e dando importância não ao seu título e nem à sua formação “teológica”, mas sim, priorizando o seu coração como lugar no qual a Palavra quer se estabelecer como bem; e não como uma informação intelectual, ou como uma capacitação profissional e performática.
Experimente ser água, e você será sempre próprio. Será pesado sendo leve; será visível sendo transparente; será poderoso e sendo inofensivo; será tudo sendo in-a-palpável; será essencial sendo simples; será imprescindível sendo despretensioso.
Experimente deixar de estudar para pregar, e experimente se esvaziar para pregar. Sim, experimente desconsiderar as importâncias da religião e simplesmente acolher com amor a mensagem da Graça. Experimente desconfiar de todas as coisas que todos dizem que são importantes, posto que as verdadeiras importâncias quase nunca são percebidas pela maioria.
Então você insiste: E a pornografia?
Ora, a pornografia é o maldito refugio de uma alma intoxicada pelas negações de todos os instintos, e da própria realidade.
Esqueça a pornografia, e ela se esquecerá de você. Lute contra a pornografia, e ela vencerá você.
Trate a tudo isto como um espirro. Sua pornografia é um espirro. Dê atenção moral a ela e ela crescerá. Sim, crescerá como um espirro que se transforma numa gripe, e depois numa pneumonia, e depois numa grave crise respiratória.
Um rapaz de 27 anos—e é isto que você é, pois pastor não é o que você é; é no máximo como você é—, que não transa, e é um ser normal, sente as coisas que você sente.
Ora, o fato de além de jovem você também ser um pastor promissor, conforme a religião, acentua ainda mais a sua aflição. É o choque da tal qualificação pastoral contra a essência da natureza humana. No entanto, isso só ficará pior se você achar que você é um anormal, apenas porque é homem.
A tendência da sexualidade pastoral é tornar-se “espiadora”, do verbo espiar. E por que? Ora, é que um cara que está com sede, em geral, bebe água; mas o pastor tem que exorcizar a sede, e, assim, ele diz que não bebe água, mas vive para adorar os copos. E baba de desejo ao contemplá-los, mas não bebe. Assim, cumpre-se a adágio presidencial: “Fumei, mas não traguei”.
Portanto, apenas admita que você está com sede; e se não há o que beber, seja paciente, posto que ter sede não é pecado. Mas beba a água tão logo lhe seja possível.
Gente saciada não tem sede!
Quanto ao mais, no que concerne ao fenômeno psicológico do está lhe acontecendo, este site está lotado de Cartas que podem lhe ser úteis. Aconselho-as a lê-las. Afinal, tanto faz de quem é o conflito, se de um pastor ou de um bicheiro, pois a alma não se deixa “ordenar” ao ministério.
Respeite seu coração, e você respeitará o dos outros. Trate aos outros com carinho, e você mesmo aprenderá a se tratar com carinho. Então, meu amigo, o ser pastor, para você, será tão leve como respirar; e a sua vida não realizará a obra de Deus, mas será o lugar no qual Deus mesmo realizará a Sua obra.
No dia em que os pastores pararem de ambicionar por poder, e passarem a buscar pacificação interior, então, de fato, pastores nascerão na Terra.
Por enquanto, tem-se apenas uns nervosos e aflitos, e que compartilham com o povo suas próprias incapacidades e infelicidades existenciais na forma de mandamento divino.
Esqueça essa coisa de se fica ou sai do ministério. Um ministério do qual se sai, nunca entrou em nós. Assim, seja você, e será muito bom.
Receba meu beijo e carinho.
Nele, em Quem todos somos apenas umas ovelhinhas carentes,
Caio