MINHA IRMÃ NÃO QUER VIVER…

—– Original Message —– From: MINHA IRMÃ NÃO QUER VIVER… To: [email protected] Sent: Thursday, September 30, 2004 10:37 PM Subject: ME AJUDE A AJUDÁ-LA! Mensagem: Pastor, Ajude-me a ajudar minha irmã. O que fazer? Ou melhor, o que não fazer? Ela há uns meses atrás ateou fogo em seu corpo após banhá-lo em álcool. Um dia, ela me disse que não mais suportava as dores de sua alma, e que iria atenuá-las recorrendo às dores físicas…Hoje, sofre (e como!) com as conseqüências e com as suas razões insondáveis. Minha irmã está em profundo desespero, Pastor! É uma mulher inteligente, sensível, generosa, amiga, mas se descobriu há muitos anos atrás, existindo com um sentimento vilipendiado por todos… Quando posso, leio os Salmos, Gálatas, Leornado Boff, muitas de suas Cartas, Artigos, enfim, o que é pertinente. Oro. Mas ela precisa de mais. Sinto-me incapaz… Ela tem 53 anos. Tenho, através de seu site, lhe apresentado a Graça que não discrimina. No entanto, gostaria de algo mais específico. Deus o iluminará! Escreva-lhe. Com certeza, Deus falará por intermédio de sua vida. Um grande abraço. ___________________________________________________________ Resposta: Minha querida amiga: Confiança e Paz! O sentimento de impotência que me acomete quando leio uma carta como a sua, é total e esmagador. Primeiro, porque eu mesmo não posso nada; especialmente quando quero poder. Todas as ajudas que por meu intermédio alguém possa receber, em geral, acontecem sem minha participação direta, mas apenas indireta. Ou seja: eu prego, digo, escrevo ou faço algo, e essa coisa ajuda os outros. Mas eu nunca sei quais serão os “outros” que serão ajudados. Segundo, porque somente Deus pode saber o que um ser precisa mesmo. Eu posso apenas tentar dizer algo que me pareça possa vir a ser útil. Quando acontece de ser, é uma maravilha. Mas a maioria das vezes eu ajudo muito mais quando não sei que estou ajudando. Terceiro, porque ninguém é ajudado na alma se não quiser, por si mesmo, ser ajudado. Enquanto a pessoa não decide se ajudar, a única ajuda que se pode oferecer é oração, carinho, presença, solidariedade, e muita misericórdia ativa. No entanto, a pessoa tem que desejar se ajudar. Quando o nível do problema é de natureza físico-material, você pode exercer uma ajuda que pode ter a ver apenas com você mesmo, agindo em favor do outro. Exemplo: eu posso pegar um cego e guiá-lo pela mão, mas não posso dar a ele luz para o espírito. Posso atravessá-lo na rua em frente de minha casa, mas não posso ajudá-lo a ver com os olhos do coração, e nem tampouco eu consigo fazê-lo beneficiar-se de minhas luzes interiores, ajudando-o a caminhar o caminho da paz, a menos que ele queira; e disponha-se não apenas a si deixar guiar de um lado para o outro da rua, mas também a aceitar o que eu possa lhe dizer acerca do caminho de dentro. No entanto, mesmo que eu possa guiar tal pessoa para o outro lado da rua, não posso, todavia, guiá-la no caminho interior. No caminho interior ninguém guia ninguém, a gente apenas se acompanha na jornada. Uma pessoa com as agonias de alma de sua irmã, precisa querer se ajudar; do contrário, não há ajuda que lhe possa ser útil. A única ajuda que se pode dar efetivamente a alguém com tais aflições, é abrir a nossa própria alma com ela, que, conforme Isaías, está faminta em si mesma (Is 58). E como é isto? Trata-se da alma amiga se abrindo em verdade, dores, esperanças, pecados, vitórias, perdas, ganhos, e todas as coisas concernentes à vida, com aquele (a) que sofre. Isto é abrir a alma ao faminto. É dar a própria alma à alma que se sente sem alma. Ora, isto acontece como fenômeno de identificação com a dor do outro, e como declaração da verdade de nossas próprias dores. Por esta razão gente sofrida, e que sobreviveu à dor, tem muito mais chance de ajudar aqueles que sofrem, do que aquele que nunca sofreu tem de fazê-lo. Assim, abra a sua alma com ela. Deixe-a ver que você não é um caso de sucesso, mas de sobrevivência. Declare a ela sua igual dificuldade de existir. Torne-se amiga de dor humana dela. E mostre a ela que esse caldo de agonias pode se transformar, logo de saída, numa canja de convalescença, e, depois, num banquete de experiências que se transformam em esperança. No entanto, nada haveria, hoje, de mais sintomático quanto a expressar um real desejo de ajuda, do que ela própria me escrever, ou procurar, por ela mesma, e com sua própria vontade, a ajuda que ela julgue ser necessária; ou, pelo menos, aquilo que ela aceite como possível ajuda, ainda que a indicação seja sua. Continue a ler coisas boas para ela e a orar com ela. Todavia, jamais diga a ela que a vontade dela se matar vem do diabo, pois, nesse caso, o diabo se tornará, na mente dela, o patrocinador de tudo o que ela sente. E, saiba, isto apenas atrapalha. O melhor para ela é saber a verdade. De fato, ela sofre o dês-significado da presente existência; e ela é do tipo de alma que não se satisfaz com os enganos do “momento”. No entanto, ela só sairá disso se deixar de tentar buscar fora dela o significado para a sua própria existência. O que de melhor lhe poderá acontecer é descobrir que o sofrimento dela é exatamente proporcional à capacidade que ela tem de encontrar o contentamento. Sofrimento intenso sempre equivale à capacidade de experimentar contentamento igualmente intenso. Isto, todavia, só acontece quando o eixo da percepção da existência muda da auto-piedade pela dor que se sente, e passa para a percepção de que a dor é uma catapulta para alavancar o espírito. Ou seja: somente quando a dor vira devoção—não como culto à dor—, é que o espírito prevalece. A dor que se volta sobres si mesma e se vicia em si própria, gera a insuportabilidade da vida. Mas quando tal dor é aproveitada como alicerce espiritual, então, estranhamente, ela se converte de contentamento. Quando a dor se converte em verdade, e quando o que se sente passa a ser visto como parte da realidade do existir, então, a própria dor começa deixar de saber de si como dor; e passa a tratar a vida com aquela serenidade de quem sabe que dói viver. Assim, paradoxalmente, o que era dor se converte em consciência; e a consciência que sabe que existir “é assim”, deixa de demandar da vida o que a vida não tem para oferecer. Nesse caso, começa a surgir a prevalência do espírito sobre as frustrações da alma; e, quanto mais assim for, o que hoje é dor, se converterá em serenidade. O passo seguinte é o nascimento do contentamento. Todas essas coisas, no entanto, só acontecem quando a pessoa consegue olhar para Deus com confiança, e também deixa de ter pena de si mesma. Onde existe auto-piedade, nenhuma cura é possível. Também onde existe auto-piedade, nenhuma felicidade é possível; e, também, nenhuma forma de contentamento é possível. Conte com meu coração irmão e amigo. E sugira a ela que me escreva, e me conte o que ela sente. Que ela sente dor, eu já sei. Só gostaria que ela me descrevesse sua própria dor, e me contasse como isto começou a crescer nela. Recebe todo meu carinho, e minhas orações. Nele, que levou nossas dores, e que pode se compadecer de nossos sofrimentos, Caio