A CRISE DE UMA MULHER: ENTRE O SER E A PERFORMANCE



—– Original Message —– From: A CRISE DE UMA MULHER: ENTRE O SER E A PERFORMANCE To: [email protected] Sent: Tuesday, October 12, 2004 9:46 AM Subject: Me ajude! Oi Caio, Gostaria de trocar uma idéia contigo a respeito de algo que chamo de “complexo de sabotagem feminina”. Com a emancipação da mulher no mercado de trabalho,com todas as conquistas que ela vem obtendo no campo profissional,vemos que muitas delas estão super bem profissional e financeiramente, e sozinhas sentimentalmente. Este fenômeno vem crescendo e parece não ter volta. Com isso,a posição do homem no papel de “cabeça” foi profundamente abalada e em muitos casos trocada por essa mulher de hoje. Fica difícil ter como nosso cabeça alguém que é menos do que a gente. Alguém que não tem ambição de crescer profissionalmente e de chegar longe na vida. Pois bem, diante desse quadro, comecei a namorar há 1 ano e meio um rapaz super legal, solteiro, sem filhos, honesto, trabalhador, fiel, etc. E ficamos noivos. Eu estava morando sozinha, num bairro de classe média alta, tinha um lindo escritório lá também, tinha o carro dos meus sonhos (uma Mercedes Classe A, zerinho) e tal… Foi só eu começar a namorar com ele, e pronto. Aos poucos fui perdendo toda essa estabilidade financeira, mudei minha vida profissional da água para o vinho, passei a ganhar 10% do que eu ganhava; e resultado: estou quebrada, sem carro, celular, escritório, funcionários, dura, com o nome sujo, e voltei a morar na casa da minha mãe (meu pai morreu). A família dele é muito tradicional (como a minha); e quando voltei a morar com a minha mãe, e fui ficando cada vez mais dependente dele, percebi que houve um certo “equilíbrio” na nossa relação, e que todos ficaram mais felizes assim. Fiquei com muita culpa de ter e ser mais do que ele, e foi aí que entrou o tal complexo de sabotagem. Fui deixando que todas as minhas conquistas profissionais e financeiras se fossem pelos meus dedos para eu ter paz no relacionamento e ele não se sentir inferior a mim. Resultado: hoje acordei disposta a desmanchar meu noivado, pois estou cheia de viver nessa vidinha de pobre que estou vivendo; só para agradá-lo. Desde que o conheci, ele diz que quer ministrar treinamentos motivacionais, ser terapeuta. Já fez várias formações dessas, mas não se lança no mercado. O seu ganha-pão é uma lojinha de acessórios para carro, que ele tem há dez anos; e de lá não consegue sair por nada nesse mundo.Tem medo do novo e um certo pavor de ficar duro. Por um lado acho sensato, mas por outro, os anos estão passando, e ele sem realizar seus sonhos. Tem medo de dar errado. Também tem outro agravante: não tem fé nenhuma. Nem nele e muito menos em Deus. E agora Caio,o que fazer? Me ajude ___________________________________________________________ Resposta: Minha querida amiga: Graça e Paz! Sem dúvida existe o tal do “complexo de sabotagem feminina”. E eu creio que ele se manifesta muito mais de uma outra forma: boicotar uma relação legal apenas porque o cara não tem o “nível” da mulher; seja social, econômico, financeiro, intelectual, cultural, profissional, ou mesmo, relacional. Então, muitas vezes, em razão da idiotice dessas “separações” e “desníveis”, muitas mulheres deixam o homem bom, e saem à procura do bem sucedido. E, ao final, casam-se com um panaca rico, bem relacionado, bem informado e culto, embora também sem coração, superficial, leviano, e que trata a mulher como um troféu. Ou seja: o cara diz, tacitamente: “Ela está comigo porque sabe que eu sou mais bem sucedido do que ela”. O que eu acho interessante é que as mulheres reclamam que só tem homem galinha no marcado. No entanto, eu também vejo as mulheres privilegiarem os “bem-sucedidos” achando que sucesso gera fidelidade e espírito monástico. Em geral é como amar a Deus e as riquezas: quem diz que ama um, não ama o outro; e quem se dedicar a um, acabará por se tornar parecido com aquilo a que se dedica. Também acho estranho que as mulheres escolham um homem baseado em tais “valores e importâncias”, e que queiram como resultado dessa escolha encontrar o homem de seus sonhos. Ora, homens assim, adoram possuir tudo aquilo com o que sonham, pois homens-de-poder odeiam sonhar e não possuir. Daí, quanto mais poder, mais posse; e, indubitavelmente, isto também leva à variedade de mulheres e conquistas. No seu caso, por mais que você tenha disparado um mecanismo inconsciente de “sabotagem” de sua própria vida, acho difícil que a “sabotagem”, sozinha, tenha conseguido tal façanha com tanta rapidez, a menos que você tenha tomado a atitude que as mulheres também tomam, muitas vezes, num caso desses, que é deixar “a coisa ir sozinha…” porque agora existe um “provedor” na parada. Também é possível que como ele é um cara legal, trabalhador, bem intencionado, e que também falava em realizar outras coisas, como o dedicar-se à “ministrar treinamentos motivacionais, ser terapeuta”, etc… e você tenha se frustrado. “Já fez várias formações dessas, mas não se lança no mercado”, foi o que você disse. Ora, pode ser que tais “anúncios” tenham dado muito estimulo a você quanto a ir descansando, e a não realização dele, de seu noivo, esteja gerando profunda frustração em você. Afinal, do ponto de vista dos pueris valores da materialidade, você antes era maior do que ele, e, agora, está nivelada no patamar dele. Assim, me custa crer que ele seja o responsável pelo que lhe aconteceu; assim como também me custa crer que um mecanismo inconsciente tenha desconstruido tudo de modo tão rápido. De longe, de onde estou, me parece que tudo não passa de uma soma de fatores, e que teve no seu namorado e na atitude dele—e da família—, um vértice para o qual convergiram, simbolicamente, todas as coisas que se somaram produzindo o presente resultado. Me preocupei também com sua lista de importâncias: “Eu estava morando sozinha, num bairro de classe média alta, tinha um lindo escritório lá também, tinha o carro dos meus sonhos (uma Mercedes Classe A, zerinho) e tal…” Ora, tais importâncias não combinam com felicidade afetiva. Isto porque, muito, muito raramente, o pacote vem completo: um cara rico, humano, legal, amigo, companheiro, humilde, solidário, apaixonado, fiel, amigo, amante monogâmico, e consciente dos valores do espírito. Nem no Evangelho você encontra esse pacote em “perfeita encarnação”. Meu medo é que você esteja cansada do cara, cansada de sua vida com ele, cansada de suas perdas, e, mergulhada na frustração, atribui a ele a razão de suas perdas; e de seu auto-boicote. Primeiro, assuma que se houve boicote, foi de você a você mesma. Ele não lhe pediu sacrifícios nem renuncias. Pediu? Segundo, assuma que provavelmente você tenha se frustrado muito com ele, e, agora, esteja misturando suas perdas pessoais com suas frustrações; e colocando nele a responsabilidade pela sua própria desmobilização psicológica para o trabalho. As mudanças no mercado de trabalho, associadas a outras mudanças, realmente produziram grandes mudanças de natureza social, relacional, psicológica; e, sobretudo, produziu um “status” pelo qual as mulheres estão pagando um alto preço. Os homens também. Mas, a médio prazo, eu lhe digo que a infelicidade feminina será muito grande. E a meu ver isto não terá nada a ver com o “mercado de trabalho”, mas sim com o “mercado de ilusões” que governa o atual surto de importâncias advindo desse irreal status do sucesso profissional. O que mais vejo hoje em dia é um monte de mulheres bonitas e bem-sucedidas, vivendo cheias de glamour e solitárias; saindo com homens que encontram na internet; entrando em listas e sites especializados em encontros; oferecendo o curriculum como parte do encanto; e desejando encontrar um cara que seja um “parceiro de potenciais”. Para mim, sinceramente, tudo isto é doença! O que está acontecendo é que assim como um dia os homens tiveram uma mulher ideal para casar—boa dona de casa, boa mãe, fiel e pacata—, hoje as mulheres “bem-sucedidas” têm o cara ideal para casar também. E, em geral, precisa ser um cara que provou ser bom de guerra no mercado de trabalho. Ora, desse jeito, o melhor a fazer é se acampar na porta da Fiesp. Minha sugestão é que você assuma que não está mais a fim do cara, mas não atribua a ela qualquer culpa pelo que lhe aconteceu. E, se porventura eu estiver errado, e você de fato gostar dele, então, acabe com outra tolice, que é terminar com ele porque os seus negócios não vem bem. De qualquer modo, se eu fosse ele, e soubesse que meu noivado esteve sob tal escrutínio, eu é que não ficaria mais com tal noiva por nada nesse mundo. Seria amigo, conselheiro, e até enfermeiro dela, mas nunca mais ela me teria como homem. Pense no que lhe falei. E depois me escreva. Com todo amor e carinho! Caio