SURTANDO BUSCANDO A VONTADE DE DEUS
Olá querido pastor: Paz!
Recebi um chamado ao ministério pastoral já faz alguns anos. Fiz algumas missões no interior do meu estado, na minha cidade, dei o máximo de mim em muitos projetos de minha igreja, cheguei a passar um mês na sua querida terra natal; isto mesmo, em Manaus, desenvolvendo projetos missionários (Bendita terra; de fato já relaxei nos igarapés do Rio Negro), etc….
Isso tudo aconteceu a partir do ano de 1997, mas quando chegamos a 2001, Deus fez uma limpeza geral em minha vida. Tirou tudo que para mim era importante. Perdi a presença de minha mãe, o meu emprego, minha noiva, por conta da pressão os cargos na igreja; e também não pude retornar ao seminário.
Fiquei literalmente SÓ. E todo aquele peso de solidão arrastou parte de minha fé. Já parecia viver o drama de Sansão, que viu sua força ir embora.
Um mundo de dúvida me permeava a mente. Cheguei a um conflito psicológico tão grande que para eu até comprar um pão era um drama para saber se comprava grande ou pequeno, de massa fina ou grossa, se na esquina ou no comércio de um conhecido.
Tudo com mais de uma opção me gerava na mente um drama!
Hoje, como fruto disso tudo, não tenho o mesmo desenvolvimento nas minhas leituras e não consigo estabelecer propósitos firmes na minha vida.
Todas aquelas perdas me tiraram o vigor psico-espiritual. Digo isso em meio a lágrimas. Gostaria de tomar novamente o caminho… Gostaria de receber de volta a minha força—que de fato nunca foi minha mais de Deus—, para prosseguir.
Hoje pastor estou de volta ao seminário, já no 3º ano, mas os abalos do ano de 2001 ainda me perturbam o sono e tiram a minha paz involuntariamente.
Realmente, como já ouvi você dizer, nada nos separa do amor de Deus, mas o passado tem o poder de impedir que se desfrute desse amor.
Por onde começar? O que fazer? De que modo fazer?
Repito, não quero fórmulas prontas senão um luz.
Obrigado pela atenção, Deus o recompensará.
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Resposta:
Meu querido amigo: Graça e Paz!
Noto desde há muito tempo que há várias síndromes de natureza religiosa. Em Jerusalém, ou mais amplamente, na “Terra Santa”, há o fenômeno comum, e que acontece muito com turistas solitários que por lá vagueiam, e que se chama de “Síndrome de Jerusalém”. Os sintomas são “visões”, “vozes”, ou mera incapacidade de “auto-determinação”; ou seja: perda da capacidade de escolha mental.
Creio que o impacto psicológico daquela geografia tão intensa de histórias divinas e de milagres, gera na mente de alguns um desejo de ser “conduzido”, de ser “levado”, de entrar num “portal”, de ser “guiado” por Deus, como se ali tivesse um “campo magnético-espiritual” da vontade de Deus, ou uma espécie de “rádio-freqüência” da voz de Deus. E parece que alguns julgam que se conseguissem “sintonizar” essa “freqüência” seriam capazes de ser “guiados” por Deus. Alguns desses acabam tendo que ser internados e medicados.
Portanto, gostaria que você pensasse no seguinte:
1. No ardor missionário, especialmente na “missão” com a qual você trabalhou no Amazonas, há um treinamento de sobrevivência na “dependência de Deus”. Ora, isto significa que a pessoa tem que ir sem saber o que vai acontecer, mais ou menos conforme a “missão dos 70”, em Lucas 10. O fato é que para alguns isto não gera nada, exceto um sentido de “alerta” para os “sinais” de Deus na estrada, a fim de que não se deixe de aproveitar as “indicações” da “direção divina”. Você sabe do que estou falando. Em outros, todavia, isso gera uma atitude nervosa ao extremo, levando alguns a colapsarem de ansiedade. Há também aqueles que ficam neuróticos com a idéia de serem “guiados” por Deus nos mínimos detalhes; e, nesse caso, cria-se uma observação adoecidade dos “sinais de Deus”, o que leva o indivíduo a não saber mais decidir nada por ele mesmo; tudo depende de indicação e sinal; tudo tem que ser teleguiado; e muitos surtam; sim, surtam mesmo sem saber. Mas o fato é que perdem a capacidade de escolher e decidir, tão fixada que fica a mente deles acerca da idéia de que serão guiados por Deus até na escolha do caminho para a padaria.
2. O que acho que aconteceu é que você misturou isto com o fato de haver se deprimido com as “perdas”, e julgou que “seu poder de Sansão” havia se esgotado (depressão natural); e, assim, associou o “poder” ao seu “passado” de “teleguiado de Deus”, passando, desse modo, a “testar o poder” como “direção de Deus”, buscando ser “dirigido” até na padaria. Ora, isto fez você imergir cada vez mais profundamente na angustia que, de um lado, lhe falava de fraqueza (a depressão; fruto das perdas; normal!), e de outro lado na angustia de sua “distancia” das atividades missionárias (onde Deus “falava” com você; e também o fazia “forte”).
3. A “Síndrome de Sansão” não é espiritual, mas psicológica, visto que o poder não habita armazenado como em uma bateria em nenhum de nós, mas vem de Deus: é Graça. No entanto, o indivíduo com a “Síndrome de Sansão” pensa que o poder hoje-não-sentido é fruto da desobediência à missão que lhe foi dada, e que tal afastamento da missão foi resultado de “distração” (o fator Dalila… ainda que não seja uma mulher); e que, por tal distração, ele, o indivíduo, pensa que “perdeu o poder”. Sansão não tinha nos cabelos o poder, mas penas sua simbolização. Sansão perdeu o poder em razão da culpa, e foi restaurado em seu poder pela via do perdão. Ou seja: Sansão é um fenômeno não de força física, mas de força psicologia e espiritual, transformadas em energia física, e que tinham nos cabelos seu símbolo.
4. Seu “abatimento”, portanto, é fruto de sua “Síndrome de Sansão”, que nada tem a ver com Deus, mas com seus padrões de “vontade de Deus”. É, por esta razão, um fenômeno psicológico, e não de natureza espiritual. Não foi Deus quem abandonou você (Imagine?), mas sim você que “se sentiu” abandonando a Deus (Creia!). E como sua mente—como a da maioria dos cristãos—pensa com categorias de “causa e efeito”; então, com as perdas, você imaginou que elas eram o efeito de você ter deixado a “vontade de Deus”. Ora, perdas a gente tem na vida, e não é necessário que se esteja longe da vontade de Deus. Leia meu livro o “Enigma da Graça”, acerca de Jô, e você entenderá o que lhe digo.
5. Nesse caso, o “passado missionário” não apenas incutiu em você a idéia de que andar com Deus é ser “teleguiado” até no caminho para a padaria, como também infiltrou em você a idéia de que “perdas” podem ser fruto de pecado ou afastamento de Deus. Portanto, com as “perdas” você se culpou; e em razão da culpa, você mergulhou nesse mundo de “testes” com Deus, buscando ser, mais uma vez, “guiado nos mínimos detalhes”. Ora, isto parece tolice, porém, tem um poder horrível sobre a mente; e não são poucos os que surtam.
A sua pergunta é: O que fazer?
1. Eu já estive neste barco. No meu primeiro ano de conversão, a experiência foi tão forte e traumática, que eu entrei de cabeça num mundo muito parecido com esse que eu descrevi a pouco. Jejuns e jejuns. Queria ser “levado pelo Espírito” como o diácono Felipe (Atos 8); e muitas outras coisas. No final daquele ano eu me vi andando pela cidade de Manaus sem saber para onde iria. “E agora, Senhor?”—era a questão obsessiva que vinha; e isto até em relação a em qual rua eu deveria entrar. Tinha que haver propósito em tudo; em cada detalhe; em cada ato; em cada esquina. De súbito que vi, ainda que sozinho, que havia algo muito errado. E parei com aquilo, posto que temi pela minha saúde mental. Portanto, não lhe falo de nada que eu não tenha visto muitas vezes, como também não lhe falo de algo que eu mesmo não tenha também experimentado na pela.
2. O caminho para fora disto é a volta à natureza das coisas. É poder saber que Deus não teleguia a gente; e que Seu dirigir é imperceptível; e que acontece nos fatos da vida, e que não tem indicações prévias. Sim, o caminho para fora disto é voltar a pensar por si mesmo, sem medo; e ter a coragem em fé de escolher. O justo anda pela fé, mas o caminho mais comum da fé é o bom senso.
3. Por último, é bom que você pratique esportes. Essas síndromes religiosas fazem a pessoa viver na total subjetividade, perdendo o contato com o mundo exterior. A Natureza e o Corpo são fundamentais na reversão desse processo. A pessoa não apenas precisa relaxar, mas também se equilibrar. E é parte fundamental desse equilíbrio mental que a pessoa volte a ter contato sensorial e prazeroso com o lado de fora da vida; e que busque gozar a mundo natural com alegria e gratidão; e sem viver da fixação de que na praia Deus pode ter algo misterioso para me revelar, ou alguém desesperado para eu atender. Do contrário, se não houver um “propósito”, parece que tudo é profano. Ora, isto põe o indivíduo na sensação de que até respirar, se não for no “serviço de Deus”, é pecado e atitude relapsa. Rompa com esse padrão. E mergulhe em água gelada; e curta o sol; e recobre a liberdade de viver. “Tudo é vosso”—disse Paulo.
4. O exercício que você tem que fazer agora é de volta ao mundo do pensamento próprio, com o retorno ao mundo natural. Você tem que usar a mente sem culpa; tem que pensar sem medo; tem que decidir como privilégio; e tem que saber que Deus não trata a ninguém de modo a excluir a vontade, a responsabilidade, a liberdade, o bom senso, e o poder de escolher e decidir.
5. Quanto a Vontade de Deus, não se preocupe. A Vontade “é” de Deus, não sua. Portanto, a Vontade de Deus é coisa de Deus, e Ele a faz. A sua parte é andar com fé e bom senso.
6. Também é fundamental deixar de pensar no passado como tempo de glória. O passado foi só o passado. A Glória está por vir. E o Hoje tanto tem seu mal, como também tem seu bem. Viva com gratidão o dia chamado Hoje.
Pense no que lhe disse e me escreva.
Receba meu carinho!
Nele, que nos deu mente para pensar e liberdade para escolher sem medo,
Caio