O QUE É JUGO DESIGUAL NO CASAMENTO?



Olá, Pr. Caio!


Estamos com uma dúvida que parecia simples, até nos depararmos com a questão.

Minha irmã tem 35 anos, está divorciada há três anos, não tem filhos, e nunca mais teve nenhum relacionamento depois que se separou.

Há algum tempo conheceu um homem que parece ter os predicados que ela desejava. É um cara legal, inteligente, tem idade próxima à dela, e também já teve uma experiência de um casamento.

Eles estão gostando um do outro. Mas se apresentou um impasse: Ele não é crente!

Não sei mais o que pensar sobre isso. Sei que existem homens bons e ruins dentro e fora da Igreja, e é ilusão pensar que uma relação daria certo só pelo fato dos dois serem crentes.

Está difícil dar conselhos a ela sobre a situação. Ela é uma mulher linda, muito sensata, e uma pessoa maravilhosa.

Nós estamos realmente querendo saber o seu ponto de vista sobre isso. Vai ajudar bastante!

Desde já agradeço a atenção e o carinho.
______________________________________________________________________________

Resposta:

Minha querida: Graça e Paz!

Há alguns meses respondi aqui no site uma questão oposta, acerca do chamado “jugo desigual”, que no meio evangélico apenas se aplica ao casamento com alguém que não seja evangélico.

Ou seja: os evangélicos acham que as mulheres da igreja só podem casar com os homens da igreja, pois, supostamente, dentro da igreja, não há jugo desigual entre os membros, pois todos são “crentes” nas mesmas “doutrinas”.

A implicação desse “raciocínio” (difícil é usar a palavra “raciocínio” para descrever qualquer coisa classicamente “evangélica”) é que “fora da igreja” só há incrédulos. Isto porque ser “crente”, para os evangélicos, não é uma questão de ser, mas de estar… e estar em conexão institucional com a igreja e suas doutrinas.

O que escrevi para a moça que estava na dúvida acerca de se casava ou não com um crente teve o seguinte teor:
__________________________________________________________________________________


“Não vos ponhais em jugo desigual com os incrédulos”—disse Paulo. Eu digo a você: “…nem com os crentes também”.

Jugo desigual é todo caminhar onde o amor não se nivela; é toda caminhada conjugal onde não há amor; é o que você está vivendo: ele quer, você não. Será um desgraça dolorida insistir.

Muitas vezes as pessoas casam por causa da família. A pessoa é boa, é crente, é responsável, a família gosta, a gente se acostuma, vê apenas de vez em quando, casa, leva pra casa, começa a comer sal junto, a ter que enfrentar problemas, a conhecer o outro, e, então: BUM! EXPLODE!

Se você não o ama, não case com ele. Não case com ninguém de quem você não goste. Será uma tragédia. Uma prisão horrível. Uma dor escandalosa!

Seus pais e amigos não dormirão com ele, não terão filhos dele, não terão que agüentar nada, mas você sim. A vida ao lado de alguém a quem não se ama de acordo com a proposta de amor dentro da conjugalidade, é um inferno.

Pelo amor de Deus! Não case com ele só porque ele é gente boa e porque você também é gente boa!

Gente boa, quando não ama o outro, faz mal também, mesmo quando tenta evitar. O simples fato de não amar já é o mal, mesmo que a pessoa seja gente boa. Sem amor tudo faz mal. Nada aproveita. Os maiores sacrifícios são em vão. E como tenho dito, casamento não é missão.

Casar-se com alguém a quem se ama já trás seus pesos, imagine com quem não se ama!

Não deixe que as formalidades, as aparências, as opiniões, as conveniências, os ministérios, o IBOPE eclesiástico, e os gostos familiares sejam a sua prisão para o resto da vida; ou quem sabe, a desgraça que se voltará contra você em pouco tempo; pois você casará, será infeliz, desejará se separar, e todos a JULGARÃO LEVINA!

Minha querida irmã, não se entregue a ninguém contra o seu coração. Você não vive numa Republica Islâmica. Você vive na Liberdade da Graça de Deus, no Reino de Deus. E se no Reino de Deus a gente não tiver a liberdade de decidir com quem casa, então, que Boa Nova é essa? Não é Boa Nova, mas sim a Velha Prisão!
____________________________________________________________________________________

Ora, isso foi o que eu disse a quem era crente e estava na iminência de casar com um outro crente, só que a moça não o amava, mas estava dando uma chance ao casamento apenas porque o cara era crente e “ministro de louvor”.

No caso de sua irmã, digo o seguinte:


1. Quando Paulo falou de não se prender ao jugo desigual com os “incrédulos” (Primeira Carta aos Coríntios), ele se referia a um espírito, não a uma “membresia de igreja” — nada disso existia naqueles dias! Sim, ele fazia referencia a um “modo de ser”. A prova disso aparece na carta seguinte dele aos Coríntios, quando o apóstolo diz que o “incrédulo” ao qual não se deve associar sob hipótese alguma é justamente aquele que se diz “crente”. Portanto, ele fala de um espírito, de um modo de ser, e não de uma filiação religiosa.

2. Quando Paulo disse isso, havia um contexto bem diferente do nosso à volta dele. Corinto era uma cidade “riodejaneirizada” do ponto de vista do comportamento frouxo. Os cultos aos deuses lá grassavam de modo extremo. Afrodite era a deusa por excelência no alto da Acrópole de Corinto. O culto a Afrodite também envolvia a prática da “prostituição cultual e dos sacrifícios” à deusa. Além disso, dentro da cidade, ao lado do lugar onde os discípulos se reuniam, havia o templo de Apolo, imenso, e no qual oferendas eram feitas ao deus todos os dias. Esse era o contexto.


3. Assim, Paulo não quer saber de “membresia cristã” para validar o casamento — posto que alguém pode ser “da igreja” e ser um incrédulo existencial, vivendo sem Deus no ser, e sem atitudes e modos bondosos —, e também não acha que seja bom alguém se casar com a total disparidade de espírito e consciência, conforme poderia acontecer no caso de uma mulher (ou homem) discípula de Jesus vir a se casar com um adorador de Afrodite ou Apolo. Portanto, tratava-se de algo ostensivo e explicito, e equivaleria a dizer: “Não se prenda a desníveis relacionais com aqueles que andam conforme outra consciência pessoal, posto que isto jamais permitirá que haja um caminho de harmonia entre as partes”. Esse é o espírito do jugo desigual, e não se prende apenas ao casamento, mas a toda forma de vinculo que pretenda ser contínuo e estável.

4. Se o cara é gente boa e sua irmã gosta dele e ele dela, sugiro que namorem, e que se conheçam bem. E se após isto ela ainda julgar que ele é gente boa e um homem de verdade, que se case com ele, e que busque viver em paz. Aliás, se esse for o caso, é praticamente certo que ela o santificará nesse convívio; e, ele mesmo, logo estará confessando a fé juntamente com ela. Aliás, se ele é brasileiro, a incredulidade dele deve ser apenas aquela de não ser “evangélico”, mas duvido que haja nele qualquer outra forma de rejeição à fé; exceto aquela razoável rejeição de olhar para a jactância dos evangélicos e não gostar do resultado. No entanto, mesmo sem nada saber, acredito que ele nem tais avaliações pertinentes está fazendo. Certo?


5. Casamento é a profissão de fé do amor. E onde duas pessoas se amam, o caminho da comunhão é certo. No mais, o justo também casa pela fé. Mas a precondição é amor.

Esta é a minha opinião. É nesse espírito que compreendo a Palavra nessa questão. E é assim que penso há pelo menos 26 anos.

Receba meu carinho!


Nele,


Caio


(Respondido em 2004)