SOU CRENTE, GAY E ESTOU COM AIDS…
Prezado Pr. Caio Fabio,
Espero que esta carta seja lida pelo senhor. Meu desejo é ouvir talvez palavras que confortem meu coração. Talvez sejam palavras que já ouvi, que não consegui aceitar; ou talvez, quem saiba, palavras diferentes, e que me façam entender e aceitar a melhor forma de caminhar nesta terra, próximo da vontade de Deus.
Desde que me entendo por gente, recordo-me de ter atrações homossexuais. Desde criança carrego esse fardo, pois isto se choca com as verdades que encontrei na palavra de Deus.
Já fiz muitas coisas para me ver livre dessa situação.
Sempre procurei ser aberto com os pastores, e já passei por diversas situações constrangedoras. Desde ser exposto na igreja diante de todos, até ficar quase dois anos sem participar da ceia por ter quedas na área sexual.
Passei por um programa de recuperação numa casa de alcoólatras e dependentes químicos, mesmo sem nunca ter experimentado o vício químico, na expectativa de que eu fosse liberto. Não vou dizer que foi em vão, por que tive grande aprendizado com Deus, e pude entender um pouco do que é o quebrantamento diante do Senhor.
Mas a verdade e que aos poucos, por fraqueza
minha, que eu não conseguia estar controlando… Assim, fui me dando ao ato sexual com pessoas desconhecidas.
Depois, fui para um programa nos Estados Unidos, que visa ajudar aos homossexuais; e lá, no final do programa, depois de ser excluso, caí de vez no pecado sexual.
Nada diferente de muitas cartas que o senhor tenha recebido, mas a verdade é que arde um desejo muito grande dentro de mim de entrar no céu.
Quando vejo as palavras do apóstolo Paulo de que os sodomitas ficarão fora, me estremeço. Mas mesmo assim tive dois namoros de aproximadamente dois
anos cada.
Nunca consegui levar em plena paz um relacionamento homossexual e ficava sempre com sentimento de culpa, o que atrapalhava as relações. Fui infiel nas minhas relações, mas aos poucos fui aprendendo que o respeito em um relacionamento é importante.
Apesar de ter feito seminário, viver 10 anos tentando levar uma vida eclesiástica, sempre estive caindo no pecado. Até que entendi que estava me tornando um escândalo dentro da igreja… e saí.
Deixei de freqüentar a igreja e passei a viver uma vida homossexual mais aberta. Nunca encontrei paz plena, pois sempre me cobrei, e sabia que um dia precisava me concertar diante do Senhor.
Há 05 meses perdi minha mãe, que foi embora desse mundo por estar com câncer. Logo depois disso eu estive na suspeita de estar com esta mesma doença. Fiz vários exames e descobri há dois meses que fui contaminado pelo vírus da AIDS.
Um peso veio sobre mim, pastor Caio. Um sentimento de condenação, medo do inferno, e a minha interpretação foi a de que fosse o peso da mão de Deus, para eu poder tomar uma posição no caminho certo.
Fiquei muito mal, e com isso decidi
terminar um relacionamento com a pessoa que eu vivia junto já há quase dois anos. De
forma nenhuma meu parceiro queria terminar o relacionamento. Disse que me amava e que junto poderíamos levar em frente a situação. Mas eu, pelo choque, fiz uma promessa a Deus de que se meu companheiro não estivesse infectado, terminaria o relacionamento; e assim o fiz…
A principio a decisão foi fácil, pois parecia a porta para o perdão de Deus.
Hoje já faz 03 meses e tive outra crise de depressão. A dosagem dos meus medicamentos foi aumentada (a primeira crise de depressão eu tive quando separei do meu primeiro parceiro); e aos poucos parece que estou perdendo as forças para continuar com minha decisão.
Tenho chorado muito, e, às vezes, a dor pela falta do meu companheiro é tão grande que parece que não vou agüentar. Ele me procurou várias vezes, mas me mantive firme na decisão de separar.
Aos poucos descubro que ele está conhecendo outras pessoas, e tenho crises
constantes.
Às vezes acho que não vou conseguir suportar. Penso que estou enlouquecendo, tenho crise de choros, sustos de pânico, e o pastor que me acompanha me dá palavras de encorajamento para continuar firme na decisão de ficar separado.
Não pensei que fosse sentir tanto a falta dele!
O meu maior medo, pastor Caio, é de não conseguir levar adiante esta decisão, me arrepender, e depois não ficar com a fé nem com meu parceiro.
É tão difícil encontrar alguém que nos ame e queira algo sério no relacionamento homossexual.
Sou uma pessoa só. Perdi meus pais, avós, etc… Tenho 34 anos e moro sozinho.
A solidão tem comido meus dias. Procuro estar com os irmãos, mas quando estou só em casa, as crises voltam.
Pastor, o que eu devo fazer? Continuar a crer que isso vai passar?
Deus parece distante neste momento. A compulsão passou. Não estou no submundo do sexo anônimo, como eu vivia; mas parece que meu sentimento por esse rapaz está me matando por dentro.
Quero servir a Deus, entrar na glória, mas parece que vou perder a sanidade na ausência desse rapaz.
O senhor acredita que se eu tentar voltar com ele, e viver uma vida junto, perderei a aceitação de Deus?
E palavra de que os sodomitas não entrarão reino?
Será que vou conseguir superar isto pastor?
_______________________________________________________________________________
Resposta:
Meu querido amigo e irmão: Que o amor de Deus pacifique o seu coração!
Quando me chega uma carta para responder, faço sempre muitas leituras. Leio tudo quanto eu possa discernir como comunicação naquela carta; então, para não ter que escrever livros em resposta, assumo algumas pressuposições. A primeira é que eu não tenho que dizer tudo, pois a pessoa tem o site, cheio de conteúdos semelhantes. A segunda coisa que faço é tentar discernir a engenharia psicológica da comunicação em questão. A terceira diz respeito ao perfil da pessoa. A quarta é sobre a natureza do conteúdo e das dinâmicas em processo na alma da pessoa. A quinta é sobre como a pessoa deve estar se sentindo naquela situação; e, assim, elejo o tema central da situação exposta na carta. A sexta é colocar-me no lugar da pessoa. E a sétima é tentar discernir o espírito do Evangelho para aquela situação.
Foi por isto que não respondi de imediato a sua carta, mesmo após ter lido o seu conteúdo. Quis orar por você antes de tudo. E orei, meu irmão. Pedi a Deus que o ilumine e pacifique a alma. Que lhe dê bom senso. Que lhe conceda a paz para viver e para morrer.
Vejo que sua questão é de natureza moral-escatológica. É moral porque se trata da questão “homossexual”. É escatológica porque é ou ser gay ou o céu; ou é o aqui ou é o além; é o hoje contra o amanhã; é moral-escatológica.
Moral e escatologia sempre andaram de mãos dadas em nossas concepções da vida e da morte. A Teologia Moral de Causa e Efeito é assim: se você andar conforme a moral, você será salvo; se não andar conforme a moral, você será condenado.
A questão, no entanto, é que você é gay, é crente, ama a Jesus, e não consegue viver conforme o que você creia seja a vontade de Deus para a vida humana. E já tentou de tudo a fim de ficar livre dessa propensão. Acabando por vir a sair da igreja para não ser escândalo para os demais crentes. Além disso, você está com Aids e solitário, embora haja o seu ex-companheiro oferecendo-se para ficar com você. Mas você não quer isto, pois teme que em aceitando a proposta dele, vocês fiquem juntos; e, assim, você morra como homossexual; e acabe por ir direto para o inferno, segundo as crenças que lhe foram ensinadas. A solidão, todavia, está comendo você. E não somente a solidão, mas a insegurança de passar por tudo isso sem ninguém ao lado, sem companhia e sem amor. Acontece que sua insegurança lhe é transmitida como devassidão, pois, você pensa de modo a se ver como um gay que não se endireita nem para morrer.
O que dizer a você? Meu Deus, o quê?
Não sei o que lhe dizer!
Se eu lhe disser o mesmo que o pastor que lhe tem ajudado a manter a distancia do seu ex-parceiro lhe tem dito, eu devo, como conseqüência disto, me oferecer imediatamente para ir cuidar de você; e, sinceramente, eu não posso ir cuidar de você. É por isto que não posso dizer como ele diz. Pois, se eu não for cuidar de você, que tenho eu a lhe dizer?
Além disso, vem a questão mais sincera que existe em você; e que é: “Eu sou gay. Por que, então, não morar com outro homem, mesmo morrendo? Me privar de companhia me torna melhor para Deus?”
Respondendo a sua questão, eu, sinceramente, não posso dizer que Sim, que sua vida ficaria “melhor para Deus”.
Cada um é quem é. E somente sob a consciência da Graça um ser humano pode se pacificar diante de Deus. Do contrário, toda abstinência é apenas abstinência; e nada mais que isso.
Sinceramente, o que acho é que você não precisa despender toda essa energia no conflito, pois, você precisa de toda a sua energia a fim de poder enfrentar o tratamento. Além do quê, nós estamos falando de Aids, e que é algo que demanda toda a força, equilíbrio, paz e pacificação possíveis, a fim de que você não sofra baixa de imunidade em razão da angustia e do estresse, e, assim, em muito prejudique o seu tratamento.
O que vou dizer a você tem a ver com o fato-em-si (você é gay desde sempre), e, também, com passado e o presente.
Você é a mais trágica ilustração do que a moral cristã pode fazer a uma alma que não consegue cumpri-la (e não há quem o consiga, exceto nas exterioridades), em razão de que na alma existem pulsões que realizam, muitas vezes à revelia da consciência moral, um modo de ser e sentir que é contrário à natureza humana em geral, no que respeita ao “comportamento exterior”.
Assim, pela moral, a fim de “curar” um gay, se o mata!
Impede-se o indivíduo de ser quem é, e com moderação; e se o abisma numa luta inglória contra algo que está fundado em suas essências. Desse modo, ele sempre perde—e perde culpado; enquanto contrai, além do conflito em si, coisas muito piores, pois, sem paz para poder se encarar sem ser como um “filho do inferno”, a pessoa mergulha cada vez mais fundo naquilo do que foge.
Assim, meu amigo, evita-se que um cara pratique sexo homossexual, mas cria-se nele um vulcão—e que se abre em derrames de promiscuidade de vez em quando—, o que faz com que o derramar de sua pulsões reprimidas, aconteçam sempre com volumes e pesos calamitosos.
O exemplo trágico é esse: Na tentativa de deixar de ser gay, você se reprimiu profundamente. E o que aconteceu? Você deixou de ser e de se sentir gay? Não! Você apenas evitou a pratica por períodos, e sempre retornou a ela como um leão no cio, e, nesse estado, o que decorre como fluxo inevitável é a promiscuidade e o sexo casual, que não apenas aumentam as pulsões contra as quais se luta, como também põem a pessoa num lugar perigoso, que é o mundo das sombras, onde ninguém é de ninguém; e também onde pela pressa, pelo medo, pela sombra, e pela fortuidade dos encontros, acaba-se sempre no ambiente no qual a Aids prolifera: a ignorância, a culpa, o medo, a sombra, o escondido, o variado, o descontinuo, o pulsivo, e o promiscuo. Em outras palavras: Côa-se o mosquito e engole-se o camelo.
Na minha maneira de ver a situação, o que encontro em você é um homem carregado de culpa, e que interpreta a Aids como punição recebida por seus pecados gays. Ou seja: vejo um filho da Teologia Moral de Causa e Efeito sofrendo um mal maior que a Aids, que é a culpa de ser.
A questão é que sua culpa e sua pulsão sexual são do mesmo tamanho, por isso é que às vezes você está sob o domínio de uma, às vezes sob o domínio da outra.
Esse é o inferno: viver preso entre a culpa que condena e a pulsão que pede liberdade!
O que lhe direi é o que creio, e quem não crer como eu, que creia como crer. Eu, porém, creio, por isso é falo.
Saiba: Você não vai para o inferno se morrer hoje. Deus não é o diabo. E não farei um estudo bíblico, cheio de referencias, a fim de lhe assegurar isto (seria fácil para mim, mas não tenho esse tempo). Você é de Jesus se crê em Jesus, ainda que a “igreja” diga que você não é. Está Consumado! Você crê nisto?
Meu irmão, se você não vai para o céu, eu também não vou—e não sou gay. Sim, eu não vou e ninguém mais vai, especialmente aqueles que o condenam ao inferno já aqui neste inferno da Terra.
Viver sob a Lei é insuportável!
Chegar ao “monte Sinai”, conforme Hebreus 12, é chegar ao fogo ardente e palpável, à escuridade do ser, aos terremotos da alma, ao vento contrário no interior, à sombra aterrorizante, ao clangor de trombetas de medo na consciência, e a palavras que dizem: Até um animal se pisar o monte será apedrejado! A tal ponto, que diante do “espetáculo”, Moisés disse: Sinto-me aterrado e tremulo!
Quem pode suportar viver no monte Sinai? O cenário que ele cria na alma é esse. De fato, a Lei gera o Apocalipse da alma, e mergulha o indivíduo no Fim do Mundo.
A Lei gera medo e morte. E João diz que o “medo produz tormento” (a palavra grega para tormento é “condenação”). Assim, ninguém que se alimente de medo jamais terá paz, posto que o medo carrega uma sentença de morte consigo.
Aquele, porém, que se aperfeiçoou no amor de Deus—do qual nada e nem ninguém pode nos separar—, esse já não teme nenhuma condenação (já não há condenação para os que estão em Cristo), pois, estando confiante no verdadeiro amor (amor de Deus), ele terá de seu coração todo medo lançado fora.
Essa expectação de “inferno e fogo vingador” que você está experimentando, é fruto de você ser uma alma presa às condenações da Lei. E, pela Lei, nem você, nem eu, e nem ninguém, jamais será justificado diante de Deus.
“Sinto-me aterrado e tremulo!”—digo eu com Moisés.
Assim, meu querido, o que tenho a dizer a você é simples e imutável: Creia em Jesus e confie Nele, com ou sem Aids, sendo gay ou o que for… e você jamais será envergonhado diante de Deus. E quem disser o contrário, haverá de ver você no “seio de Abraão”; e eu espero que para esses não “haja um grande abismo” separando-os de você, para o mal deles.
Quanto ao mais—o que você fará—, eu não me sinto em condições de lhe dizer qualquer coisa. Sinto que minha contribuição é ajudar você a ficar livre da pior de todas as Aids, que é essa doença da culpa, e que tira do ser toda imunidade para experimentar a saúde da paz.
Para quem está em Cristo já não existe nem morte e nem inferno. E você não está ou deixa de estar em Cristo conforme os humores das morais evangélicas—graças a Deus. Você está em Cristo porque Jesus inclui você Nele, e não há ninguém que tenha o poder de incluir você fora da Graça.
Ora, se Jesus inclui, quem terá o poder de excluir?
Minha contribuição a você é ajuda-lo a ficar salvo da culpa de ser quem você é. E sei que se você assumir pela fé o que Jesus já fez por você, a maior parte dessa agonia que hoje o perturba desaparecerá.
No “particular” estou lhe mandando instrução de como você tem que fazer pra gente poder conversar mais diretamente.
Receba meu carinho e minhas orações!
Nele, em Quem ninguém fica abandonado,
Caio