DITADO CONTRA A GRAÇA
Uma Reflexão acerca da Graça Texto: Mc 10.46-52 Refletindo sobre a Graça de Deus, me lembrei de um ditado popular que diz: “Quando a esmola é grande, o cego desconfia!” Eu não sei se está certo fazer esta correlação, mas fiquei pensando naquele cego que estava sentado à beira do caminho e, ouvindo falar que Jesus estava passando por ali, começou a gritar, chamar, clamar … Seja lá como for … o cego viu! Ele “viu” a sua única esperança; creu que Aquele que vinha era o Filho de Davi; que Ele podia, de fato, libertá-lo! O cego viu, mesmo antes de ser curado da sua cegueira! É Graça! — eu pensei. A Graça de Deus vindo ao seu encontro. Ele não se conteve; não desconfiou; antes creu! Ele não caiu na conversa de que “quem espera sempre alcança”. Ele não se deixou levar pela multidão! Ele se deixou tomar pela Palavra; ele a ouviu … ela estava passando por ali; ela o alcançou na sua miséria; ele se abriu para a sua ação. Eu não consigo imaginar o que se passou na cabeça daquele homem; eu só consigo pensar que ele viu — o cego viu! — o que muitos, talvez, naquela multidão, não viram … Graça! Deus agindo soberana e graciosamente no caminho! Então, de volta ao ditado, comecei a me questionar: Será que muitos de nós não nos tornamos como cegos, sentados, na beira do caminho, porque preferimos ouvir a voz da multidão que diz “cala-te”, “nada é de graça”, “tudo tem um preço”!? Até que ponto pode, um ditado popular, ditar a nossa relação com Deus, de tal modo a tornar-nos cegos à ação da sua Palavra? É possível que esta lei da recompensa tão impregnada em nós, pelo mundo, influencie e comprometa a nossa percepção e aceitação da Graça, de graça?! Ou, ao contrário, este ditado já é, em si, fruto ou reflexo de nossa disposição natural de resistir à incondicionalidade do amor de Deus; em sua Graça ? Gláucia C. de Santana _______________________________________________ Resposta: Querida Gláucia: Graça e Paz! O ditado já expressa o que está ditado no coração endurecido dos homens! A teologia natural existente no coração de todos os homens é semelhante às leis da natureza, e que são leis de sobrevivência dos mais aptos, e dos mais capazes; portanto, baseia-se no mérito, não moral, mas de adaptabilidade, força e capacidade de combate. O que eu chamo de “teologia moral de causa e efeito”—e que está bem explicitada em meu livro sobre Jó, “O Enigma da Graça”—, é a teologia que existe naturalmente na alma humana, incluindo os cristãos, que, apesar da confissão da Graça, são existencial e psicologicamente pagãos, posto que mesmo tendo a Graça como doutrina, não a têm, todavia, como experiência de amor e confiança. As nossas “justiças próprias” são o equivalente moral às leis de adaptabilidade e força do mundo natural, conforme a evolução ateia. A moral é o meio pelo qual o paganismo espiritual “seleciona os mais aptos” entre dos da espécie humana. O texto em questão diz que o homem, “sabendo que era Jesus”, clamou. Ora, o que ele sabia não era algo como um pacote doutrinário, mas apenas algo acerca do modo misericordioso de Jesus. Ou seja: a certeza de que Aquele que passava amava e curava, foi o que o levou a gritar sem medo e sem censura. Confiança no amor de Deus é o bem maior que pode se instalar no ser de um homem. Confiar é, portanto, o maior desafio do ser humano. A natureza animal desconfia, examina, observa quando se trata de encontrar um outro ente, seja caça, seja predador. No entanto, em relação ao ciclo natural das coisas—que no nível do puro instinto animal corresponderia à fé para os humanos—, todas as criaturas parecem andar descansadas. Elas se estudam no chão, no plano dos enfrentamentos, mas carregam em si a confiança da vida-não-consciente quando se trata de simplesmente existir. Nós, humanos, todavia, nos tornamos seres plenos de desconfiança. A inteligência pode se tornar em armadilha, e a sabedoria em astúcia; de modo que ser inteligente e sábio permite ver que a antítese de tais virtudes pode ser laço e armadilha. Nossa desconfiança é fruto de nossa “inteligência possessa da certeza” que o conhecimento do bem é também conhecimento do mal. No fruto da Árvore do Conhecimento do Bem e do Mal só há dúvida e desconfiança! Essa é a única certeza que dela provém! Confiança, portanto, é algo que para existir num homem precisa se impor contra todos os seus instintos de inteligência-caída, e programada para desconfiar. No homem até o instinto da vida se tornou desconfiança! Além do quê, para os humanos, confia-se apenas como entrega na impotência, pois, se ainda se crê que nosso próprio braço pode mover alguma coisa, será ele que usaremos, visto que os humanos parecem pensar em confiança apenas como o recurso a ser buscado quando nenhum poder humano se faz disponível. Confiança assim não é confiança, mas apenas resignação de natureza psicológica. A verdadeira confiança é um estado da fé, quando se transforma em entendimento espiritual, o que torna a confiança não apenas em algo como um ato, mas sim como a realidade de um estado permanente, no qual os atos em si são feitos da matéria prima da própria confiança. Mas como e por que alguém confiaria no invisível? Ora, a questão é que todas as coisas que são, são como são. Portanto, sem confiança e fé, na muda na Terra, posto que somente a fé projeta o que é bom, mesmo que ainda não exista como fato concreto. Somente a confiança muda o mundo que nos cerca; mas para que isto aconteça, ela antes tem que ter mudado o mundo interior do homem que diz experimenta-la. Na falta de confiança, todavia, subsiste apenas a desconfiança da sobrevivência, e que é infinitamente mais aflita que a luta de uma fera pela vida, posto que nossa inteligência caída nos remete sempre para as piores conclusões da inteligência inclinada para o mal, pois que o mal existe em nós; daí ele ser projetado como imagem de nosso interior sobre o mundo, e como todos fazem assim, nos defendemos uns dos outros, e nos matamos em desconfiança. Somente a fé que permanece confiante é que carrega consigo as certezas de coisas que se esperam e a firme convicção de fatos que se não vêem. Confiança, portanto, não se entrega pela metade, nem nos provê com suas bênçãos se a entrega a ela não for total. E o “total” nesse caso é apenas aquilo que se transforma em descanso. De tal modo que a confiança é medida pelo descanso que a alma experimente enquanto confia. Confiança deve ser o estado do ser pacificado com Deus. Por outro lado, ninguém é pacificado em Deus se não se entregar em confiança ao amor e à fidelidade de Deus. Confiança é fruto de alguém saber que nada pode separa-lo do amor de Deus! Quem assim crê, assim vive! Nele, Caio