PECAR DÁ PRAZER?



PECAR DÁ PRAZER?

 

 

—– Original Message —–

From: Bento Souto

To: [email protected]

Sent: Saturday, January 22, 2005 3:11 PM

Subject: PECAR DÁ PRAZER?

 

Querido Caio,

 

Muitas saudades, meu querido amigo e irmão!

Espero e oro para que estejas bem e com saúde!

 

Recebi um desses “e-mails convite” pra visitar site pornográfico (que são enviados ao borbotões, todos os dias, para nossas caixas postais, sem que a gente peça!) com uma frase que me chamou a atenção: “porque pecar dá prazer”.

 

Peguei o anúncio e reenviei-o para várias pessoas da minha lista de contatos com a seguinte pergunta: “Pecar dá prazer?”

 

Pessoalmente, eu acho que “pecar, dá prazer”, especialmente esses pecados associados ao sexo. Só que é um prazer fugaz, passageiro, adoecido, e, muitas vezes, escravizador. Costumo fazer uma analogia entre esse “pecado que dá prazer” e as iscas que nós, humanos, usamos para atrair os peixes. As iscas, naturais ou artificiais, parecem ser o alimento que os peixes necessitam, só que por trás deles há anzóis que fisgam e aprisionam.

 

No entanto, dada a sua reconhecida capacidade de discernimento e experiência nessa área, eu gostaria que você pudesse analisar essa questão, a qual, acho, será edificante pra muitos freqüentadores do seu site, eu incluso.

 

Um beijão saudoso

 

Bento Souto

P.S, Abaixo o tal e-mail convite — com xxx no lugar do link pra não tentar ninguém a pecar! rsrsrsr

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Olá,

um amigo achou interessante nosso site

e sugeriu que você nos faça uma visita.

http://www.xxxx.xxx.xx/

Sinz – porque pecar dá prazer!

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>>> CONTEÚDO IMPRÓPRIO PARA MENORES <<<

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Resposta:

 

 

Amado amigo Bento: Gozo e Alegria!

 

 

A grande mudança de paradigma psicológico que houve na sociedade universal foi promovido pela imposição do valor do objeto do desejo (que agora deve ser virtuoso), contra a pulsão do desejo pelo objeto, ou, pelo desejo em si mesmo.

 

Explicando: os antigos, quase que universalmente, não tinham nenhum problema com a pulsão do desejo; ao contrário, a estimulavam, a buscavam, concediam a ela, e a tornavam uma virtude em si. Ou seja: desejar era a virtude em si.

 

Assim viveram os antigos!

 

Especialmente com o advento cristão (não que não se ache traços de morais coibitivas em outras sociedades pré-cristãs), inverteu-se o paradigma. Agora, as pulsões são, em-si, más; sendo apenas tornadas boas ou toleráveis dependendo do objeto do desejo, se ele é aceitável moralmente ou não.

 

Ora, essa mudança é radical, e gera coisa completamente diferente em relação à primeira.

 

Na primeira visão—a dos antigos—o culto ao desejo e sua total permissão de manifestação, gerou decadência licenciosa, e incapacidade de experimentar um amor focado num único objeto de desejo, ou, quando o conseguia, a loucura da pulsão do desejo já carregava consigo a própria validação da pulsão. Isso gerou uma imensa confusão entre amor e tara na Antiguidade, vide os mitos gregos, entre outros, nos quais pais e filhas se apaixonavam; irmãos e irmãs se possuíam; mãe e filho de desejavam; e era normal um homem velho possuir um menino mais novo, e até educa-lo.

 

Já na visão cristã o resultado é diferente. Com a supressão da pulsão, que foi quase que totalmente transformada em pecado—a qual Paulo chama de “paixões da carne”, quando não se foca num objeto de desejo legal e aceitável—, idealizou-se o amor, e se o pôs sob o manto da santidade sem pulsão, baseada na escolha de virtudes. Ora, tal situação gera outras coisas, como: neurose sexual obsessiva e ou histeria, criando quadros de pulsão sexual adoecida pela repressão total. À semelhança do que aconteceu com os antigos, isto também gera decadência, e, a prova incontestável disso é a História da Igreja, bem como a História Cristã do Mundo Ocidental.

 

Eu creio que prazer é prazer, isto para começar. E, com isto, não estou validando toda e qualquer forma de prazer, mas apenas admitindo que quem não resiste a uma pulsão, mesmo que seja masoquista, entregou-se ao prazer, ainda que seja uma forma perversa e adoecida de experimentar prazer.

 

Como tenho dito aqui no site, creio que há os bons prazeres e os maus prazeres. Sendo que os bons prazeres são aqueles que acontecem no equilíbrio entre a pulsão e a escolha amorosa do objeto do prazer, que, nesse caso, deixa de ser objeto, e passa à categoria de sujeito de troca de afeição; ou, como Pedro disse: “…herdeiros da mesma graça de vida”.

 

Existem, todavia, muitas manifestações de prazer, sendo que algumas delas são adoecidas, posto que geram escravidão.

 

Ou seja: todo prazer que se torna algo incontido e delirante acabará por fazer mal. Todo prazer que desqualifica a individualidade, ou que, para acontecer, descaracteriza completamente o indivíduo, tornando-o irreconhecível, em minha opinião, é mau prazer.

 

O que eu acho é que os cristãos do ocidente estão agora experimentando uma volta do pendulo-histórico-sexual para o extremo anterior—os dos antigos—, só que carregando consigo a culpa desses dois mil anos de repressão e supressão da pulsão, o que, agora, descarrilhou o trem… e fez com que as pessoas se entregassem às pulsões… até porque já não suportam mais a repressão… mas o fazem carregadas da culpa que ensinou que uma pulsão só é válida se o objeto do desejo for oficialmente aceitável, conforme a igreja e a moral.

 

Ora, a crescente atração por sexo fora da oficialidade é a manifestação dessa busca da pulsão pela pulsão; e as angustias que se seguem são fruto do fato que ninguém rompe com tais padrões uma vez que eles tenham se instalado em nós.

 

Desse modo, vê-se duas coisas: a oferta de sexo-objético como sendo o pecado que dá prazer ( e dá pelo simples fato de que quem a ele responde já está tomado pela pulsão; portanto, terá “prazer” independe do objeto, mas sim em razão da pulsão anterior); e também gera culpa neurótica, e que decorre de sua prática, posto que se está cometendo uma violação contra um substrato de dois mil anos de repressão e supressão que se cristalizaram na consciência e até no inconsciente.

 

Ora, quando falo de dois mil anos de repressão e supressão, não estou falando de nada equilibrado. Ao contrário, refiro-me ao fato de que a sexualidade humana no ocidente foi esmagada pelo cristianismo (não pelo Evangelho).

 

O livro “Eunucos Por Amor ao Reino de Deus” faz o mais minucioso relato que já li acerca desses dois mil anos de doença sexual cristã infligida sobre a humanidade. É de deixar perplexo que até o ato de sentir prazer com o marido já foi objeto de punições eclesiásticas, sendo toda forma de prazer considerada pecado.

 

De fato, não é possível violentar a natureza humana de tal modo e por tanto tempo, sem que isto implique numa desconstrução completa da normalidade do aparelho psíquico humano, e, também, contra as pulsões sadias e normais relacionadas à sexualidade.

 

Pecar dá Prazer?

 

Prazer pode dar em pecado e pode dar em não-pecado!

 

Ora, nem todo pecar dá prazer, posto que muitos se sentem muito mal depois dos atos a que chamam de pecaminosos. Há uns até que o praticam sem vontade, e por mera ação masoquista, e que lhe dá o que se poderia chamar de anti-prazer-pulsional.

 

O cara que sobe na prostituta pode até estar tendo algum prazer, mas ela, dificilmente o estará.

 

O prazer que advêm do “pecado” é muito mais a aflição compulsiva pela realização do proibido. Portanto, trata-se de um prazer angustiado.

 

Se considerarmos prazer aquilo que é prazer antes, durante e depois, eu diria que nenhuma relação sexual que acontece em flagrante contradição contra a consciência pessoal pode dá prazer verdadeiro, embora as partes possam ter orgasmos. Mas não terão jamais gozo e êxtase.

 

O verdadeiro prazer se faz acompanhar de gozo e êxtase, e, ambos, não cabem na cama das angustias e do medo do flagrante ou da certeza da contradição.

 

O que, todavia, existe entre nós, é uma vocação ao total desequilíbrio. Isto porque há aqueles para quem nada é pecado; e há aqueles para quem tudo é pecado. Para os primeiros a experiência é de dissolução do ser, pela insistência na obediência a todas as pulsões. Já para aqueles para quem tudo é pecado, a experiência é marcada pela angustia pré-tarada, e que é combatida em nome de Deus contra o diabo, diuturnamente. O resultado é neurose ou a histeria. Mas de qualquer forma, cria-se o espaço para uma sexualidade com contornos patológicos.

 

Como disse Paulo aos Colossenses, ambos os pólos levam ao mesmo lugar. Pois tanto a libertinagem mergulha o indivíduo na sujeição às “paixões da carne”—e que aqui designa a entrega do ser ao impulso de todas as pulsões—, como o “ascetismo”—não pegues isto, não toques aquilo, não proves aquilo outro…—, que tem aparência de sabedoria e até se apresenta como uma falsa humildade, mas, efetivamente, empurra a alma para o mesmo lugar, posto que o apóstolo e a vida nos ensinam que “não tem nenhum valor contra a sensualidade”.

 

Portanto, ambas as coisas, e ambos os pólos, conduzem ao mesmo lugar: à dissolução do ser, seja pela via da entrega sem resistência, seja pela via de uma resistência que acaba por se tornar tarada e compulsiva, gerando a entrega à revelia.

 

Na realidade o chamado da Vida em Cristo é para o caminho do meio, do equilíbrio, onde todas as coisas são lícitas, embora nem todas nos convenham; e onde todas as coisas são permitidas, embora nem todas edifiquem.

 

Ora, quando Paulo diz que “todas as coisas são lícitas”, ele desfaz a força das pulsões que tendem a virar “compulsões”, pois, em as fazendo “livres”, ele tira o seu poder, que é a ilicitude. Porém, ao nos chamar para vermos a “conveniência” da liberação ou mesmo a possibilidade de que aquela liberação gere ou não “edificação”, o apóstolo no deixa no meio, em pé na linha da consciência, sem repressão e sem necessidade de obedecer a nenhuma pulsão, ensinando-nos que o caminho da liberdade não está em liberar pulsões, bem como que o caminho da saúde não está em exilar todas as pulsões, mas sim, em discernir, com a consciência, o que “convém” a nós, e o que nos “edifica” o ser.

 

Eu também creio que nós estamos sendo atingidos terrivelmente pelas conseqüências de nosso tempo e geração. E isto é de tal modo forte que muitos cristãos estão completamente perdidos entre a liberdade e a culpa neurótica.

 

Ora, o que foi semeado como culpa durante milênios não será limpado de nosso inconsciente do dia para noite. Por outro lado, o que está associado ao prazer como pecado, também não será dissociado em nós também do dia para a noite.

 

Portanto, tem-se um caminho de equilíbrio a ser buscado, e o primeiro passo é entender essa mudança de paradigma acerca da qual eu falei no início.

 

Além disso, eu acho que um bom exercício a ser praticado é estimular os maridos a olharem as suas mulheres como se elas fossem aquela sedutora de Provérbios 6. E, as esposas, a se oferecerem sem pudor aos seus maridos como se elas fossem “a outra”, também conforme a mesma passagem bíblica.

 

Digo isto porque, em geral, é o excesso de pudor no casamento aquilo que abre espaço para a explosão de pulsões fora do casamento; bem como, em geral, é a falta de pudor e de trava nas relações extra-conjugais, justamente aquilo que, entre outras coisas, a torna tão excitante.

 

Hoje pela manhã minha mulher me deu esse texto do latim, e que foi encontrado casualmente por ela numa revista.

 

Inspirado nele decidi escrever para ela o Meu Cântico dos Cânticos, com as liberdades amazônicas, e com as ternuras dos igarapés!

 

Está no site sob o título “UBI TU CAIUS, IBI EGO CAIA”—do Latim

 

Leia e observe, meu irmão, como o texto retirado dos Cantares de Salomão, apresenta todos os elementos de uma relação apaixonada, sadia, e altamente provocativa e excitante.

 

Eles se comem, literalmente; e degustam um ao outro sem pudor algum. Além disso, há nudez a ser observada pelas “frestas da casa”; há nudez a ser contemplada lentamente, enquanto a mulher e o homem se despem; há sexo no bosque, há noites nas aldeias; há uma transa no quarto da mãe; há uma cama de folhas no prado; e há sedução: jóias, perfumes, penteados, vinho bebido no cálice genital (a palavra hebraica se associa à genitália), muito beijo na boca, e total liberdade para usufruir o que é bom, sem culpa e sem pudor.

 

Recuperar essa noção do Cantares será uma tarefa urgente para todos nós que estivemos sob o reino da culpa, da neurose e da repressão por tanto tempo.

 

E sadio será se isso acontecer no âmbito de vínculos sadios e livres na consciência do pertencimento mútuo.

 

Eu sei que o auge do prazer e do gozo só acontecem quando não há pecado ou culpa entre os amantes. Mas sei que há uma forte compulsão “chamada de prazer” que se apresenta apenas quando o sexo é nervoso, aflito, culpado e proibido. Isto pode até gerar orgasmos, mas jamais gerará o genuíno prazer. Só sabe a diferença quem já experimentou o bom prazer, posto que esse sim, trás gozo, e não faz ninguém rolar de angustia depois.

 

 

Bento, você tem sido um grande amigo, e tenho grande alegria em sua amizade.

 

Receba meu beijo, e o transmita a toda a moçada de amigos aí do Recife.

 

Saudades!!!!

 

 

Nele, que nos deu meios de sentirmos prazer para que O glorifiquemos em tais alegrias,

 

 

Caio