SERÁ QUE POSSO ODIAR A MINHA MÃE? TENHO ESSE DIREITO!
Querido Pr. Caio: Graça e Paz maravilhosas de Cristo! Tenho lido as cartas do site, e lendo, tento entender um pouco os conflitos da alma humana, mas também para tentar entender os meus próprios. Confesso que já fiquei confusa com as suas respostas, pois, as visões são tão REAIS e VERDADEIRAS… que o modo como você trata os males da nossa alma é quase chocante! Porém, nunca vi tão certeiros… Por este motivo então resolvi buscar de ti uma resposta ou talvez direção para as coisas que vivo e sinto na alma, e que afetaram e afetam de modo diário e avassalador a minha vida. É um pouco longo meu relato, mas vou tentar ser sucinta. Afinal têm muitas outras a ler. É uma história, digna de novela mexicana. Mas infelizmente foi e é muito real. Não sei de fato até onde minha história de vida pode me levar, pois por mais que tente, toda as questões que emanaram dela me afetam até hoje. Meus pais são do interior do nordeste, se casaram por lá e vieram morar no interior de outra cidade nordestina, trazidos pelo trabalho do meu pai. Tiveram 3 filhos e uma filha, que sou eu, a mais nova. Tinham uma vida “regular”; não sobrava, mas também nunca faltou. Eu os vi de formas bem diferentes ao longo dos anos, acho que isso é normal. Meu pai sempre trabalhava em prol da família, minha mãe cuidando de nós, enfim… Até quando eu tinha por volta de cinco anos—meu irmão mais velho com cerca de 13 e os demais 10 e 12anos—, e meu pai foi transferido de cidade. Ele era funcionário público. E é claro tivemos de nos mudar apesar de todo o protesto de minha mãe, que de forma alguma queria ir. A cidade para a qual nos mudamos era bem maior, e passamos a morar numa casa que o próprio órgão para o qual ele trabalhava cedeu. O seu local de trabalho era lado a lado com nossa casa. Em pouco tempo nos adaptamos, menos minha mãe que parecia insatisfeita com absolutamente tudo, e assim permaneceu por um bom tempo. Chegaram outros funcionários transferidos como meu pai, entre eles um senhor de cor negra e sua família, esposa e duas filhas. Muito falante e agradável ficou logo, logo muito amigo, freqüentador da nossa “cozinha”, como se costuma chamar a um intimo por aqui. Resumindo toda a história, quando eu estava com cerca de 8 anos minha mãe ficou grávida; e também completamente transtornada. Eu me lembro que durante uns três meses ela passava mal quase todos os dias, chegando a ir algumas vezes para o hospital, e tomava “remédios” pra abortar a criança (na época eu não tinha esse discernimento). De duas frases eu me lembro bem: meu pai dizendo pra ela não fazer aquilo, que deixasse nascer, que seria bem vindo; e ela respondendo que pobres não deveriam ter muitos filhos; pra quê mais? Não sei até onde Deus interferiu, pois meu pai não era uma figura muito presente entre nós… Éramos católicos não praticantes por assim dizer; mas o certo é que a criança nasceu. Minha mãe tentou entregá-la pra adoção, no próprio hospital; mas meu pai a impediu. Advinha? A menina era negra, ou quase! Nada espantoso se meu pai não fosse extremamente branco e ela também. O choque dos que iam visitar a criança era geral: “ Mas é tão diferente dos outros!” Nossa vida mudou completamente! Caio, meu irmão mais velho, que estava com uns 17 anos, começou a beber e hoje é alcoólatra; meu irmão do meio casou-se e espanca a esposa; e o mais novo é solteiro, tem um filho e a alma é uma amargura só—para ele todas as mulheres são “putas”. Eu, bem, aos 14 anos tentei suicídio e quase consegui. Nossa família é um “espanto de horrorosa”. Pense em desunião, desamor, desgraça… Meu pai morreu de Mal de Parkinson há cerca de 10 anos, depois de sofrer muito. Ela, a minha mãe, é um num iceberg ambulante, um pote de fel, cheia de preconceitos, moralismos… etc. Vivia dizendo que esperara a morte todos os dias (mas cuida-se bastante!). Eu só vim descobri toda essa história tenebrosa muito tempo depois. Tempo demais… Aos 18 anos casei-me com um cara que se dizia apaixonado por mim. Casei só a fim de sair daquela casa, daquele clima hostil, sufocante, esquisito, sepulcral. Eu topei. Somente depois que meu pai morreu é que juntando um grande quebra cabeças de ódios e desavenças é que soube de tudo nos mais sórdidos e terríveis detalhes. Não nós falamos há anos, eu e minha mãe. Deixei de freqüentar a casa dela, ela conseguiu que todos os filhos se tornassem inimigos renitentes uns dos outros, mesmo que não houvesse motivos reais para tal. Quando descobri tudo tentei conversar com ela a respeito, de mulher pra mulher; afinal, eu já tinha uns 28 anos, era mãe como ela, gostaria tanto de entendê-la, entender toda a situação. Quando tentei conversar a resposta foi: não tenho nada do que me arrepender, não devo nada a ninguém, e se você por acaso acha alguma coisa ruim não precisa me considerar mais como mãe, nem precisa falar mais comigo, me esqueça. Fiquei arrasada, eu a amava, tinha por ela muito respeito e consideração, gostaria de alguma forma ajudá-la, pois a minha meia irmã a trazia num verdadeiro cativeiro… Mas diante da sua posição não me restou outra coisa a fazer senão seguir o que ela própria me propôs. Há cerca de 9 anos não tenho um relacionamento com ela, não entrei mais na casa. Em contrapartida ela tornou-se minha inimiga; aliás, ela fez e faz isso com todos que descobrem a história. Creio que seja auto-defesa, talvez. Mas o pior de tudo foi perceber que ela simplesmente não tem nenhum sentimento com relação aos filhos que teve com o meu pai. Ela nos ignora totalmente. Digo com relação a nossa vida, problemas, sentimentos… Ela se alia a qualquer pessoa contra nós, contra mim principalmente. É como se nos odiasse. Caio, ela teve a coragem de se aliar ao meu ex-marido contra mim para eu perder a guarda da minha filha. E da história toda do adultério, da filha dela (a outra) com o outro homem… são tantas coisas terríveis que não dá pra contar por carta. Com relação a essa filha, meu pai mesmo sabendo de tudo registrou como filha dele, criou como a qualquer um de nós, e hoje elas vivem da pensão que ele deixou. Ela não trabalha, não estuda e deve estar hoje com uns 28 anos, e é uma completa parasita dessa pensão do meu pai. Detalhe: ela sabe, sempre soube de toda a história, e tem um caráter bastante parecido com o dos pais. O pai dela foi assassinado uns 2 anos depois que ela nasceu. Parece que envolver-se com outras mulheres casadas era uma prática comum para ele; e um marido vingativo ( que não foi o meu pai), resolveu fazer justiça com as próprias mãos: matou o Dom Juan, crime pelo qual até hoje ninguém foi punido. Caio, a minha questão é: por tudo no que a minha família se transformou, por eu não ter conhecido a bondade do coração do meu pai, a forma humilhante como ele viveu, por ter perdido todo o referencial de família, por ter feito um casamento desastroso, por ser até hoje “perseguida” por elas, não tenho eu o direito de despreza-las profundamente? No entanto quando falo disso para meus pastores eles dizem: “Perdoe, esqueça” . Sinto que falam como frases feitas, de pessoas que não conseguem entender a minha dor, minhas razões. É como se fosse um simples “perdoe” automático. Tudo que aconteceu a mim e a meus irmãos, em nossas vidas, não sendo um simples caso de folhetim, é trágico! Tenho me questionado há anos sobre isso e não consigo em mim, por meio do que conheço do Senhor, encontrar solução ou resposta. Tenho que perdoar pura e simplesmente por ser cristã ou tenho o direito de odiá-las, e desprezá-las por tudo que nos fazem até hoje, e de caso pensado? E com um completo descaso com as nossas vidas? Refiz minha vida, casei-me novamente, tenho criado minha filha do primeiro casamento tentando dar a ela um referencial de família, e parece que isso as incomoda muito, pois tentam, sempre que podem, denegrir minha imagem diante da minha filha. Me ajude, preciso parar de me achar uma pecadora sem merecimentos do favor do Senhor por odiar minha mãe. Aguardo, se você puder, a sua resposta. No amor do Senhor ___________________________________________________________________________________ Resposta: Querida irmã: No Perdão está a sua libertação! Sua mãe é sua inimiga, à semelhança de sua meio-irmã, coisas essas que Jesus disse que não deveriam nunca nos escandalizar, visto que os inimigos do homem, muitas vezes, são os da sua própria casa. Existe muito romantismo no meio cristão acerca do que acontece em família, diferentemente da Escritura, que nos apresenta, desde o Gênesis, um quadro de homicídio, fraticidio, predileção de pais por certos filhos, inveja de irmãos, filhos tramando contra os pais, pais mandando matar os próprios filhos, e um monte de coisas do gênero, sem falar na descrença dos familiares em relação à missão de muitos de seus membros. Vir para o que é seu, e os seus não receberem, não é novidade no Evangelho! Por outro lado, quando Jesus mandou amar o inimigo, Ele não estava falando de nada romântico, e nem tampouco excluía a possibilidade de que o inimigo pudesse ser de dentro de nossa própria casa. Portanto, não importando de onde venha o inimigo, o mandamento é o mesmo: amá-lo. Ora, esse amor é feito de ações boas e justas, e não se deixa contaminar pelo ódio ou desprezo recebidos, na mesma medida em que não é forçado a conviver com o inimigo, buscando de modo irreal um “love” inexistente. Sim, esse inimigo deve ser amado não porque nos inspira, mas porque nós nos negamos a dar a ele o poder de, pelo seu ódio, destruir ou afetar a nossa vida. Amar o inimigo é o caminho da liberdade e da vida. Assim, não é questão de ter ou não o “direito” de odiar. É questão de ter a sabedoria de não odiar. Além disso, Jesus ensina que perdoar é aquilo que demonstra a nossa consciência da Graça de Deus sobre nós. Somos chamados a perdoar os outros assim como Deus nos perdoa. Pois se perdoarmos, seremos perdoados; se, porém, não perdoarmos as ofensas dos outros contra nós, tampouco nosso Pai celeste perdoará as nossas ofensas contra os outros e contra Ele. Desse modo Jesus ensina que perdão é perdão; e que sem perdão não há perdão. É por isso também que somente os misericordiosos alcançarão misericórdia. Como se não bastasse, perdoar é também essencial para que o estado psicológico e espiritual da pessoa não fique entrega às trevas do diabo. Jesus disse que o espírito de ódio e homicídio é o próprio motor do diabo na vida humana. Por isso, se alguém se ira, que não durma sobre tal sentimento, a fim de também não vir a dar lugar ao diabo. E mais que isto: permanecer no ódio significa que se está declarando que não se conhece a Deus, pois, todo aquele que odeia jamais conheceu o amor de Deus, pois, Deus é amor; e os que Dele são nascidos, esses amam, e não têm como se entregar ao ódio em seus próprios corações. Sendo simples e pratico, eu também diria que não odiar é condição sine qua non para que se prospere na vida. É verdade que os poderes do ódio e da inveja podem até produzir riquezas materiais, mas, jamais farão o individuo prosperar no todo de seu ser. Você é chamada a honrar pai e mãe, não é chamada para ser fã de sua mãe. E, de fato, pela sua narrativa, dá para amar a sua mãe, conforme Jesus ensinou, mas não é possível gostar dela, nem da companhia dela, nem mesmo da presença dela. Ora, para amar a sua mãe conforme Jesus ensinou, você não tem que “gostar” dela, nem tampouco ter prazer em estar com ela. Aliás, você deveria proteger a sua filha do tipo de veneno que sua mãe derrama… Honrar sua mãe significa, para você, melhora-la em você mesma, de modo que você seja tudo aquilo que nela falta, não para provar que você é melhor do que ela, mas apenas por saber que ser melhor, é melhor para você. Não se sinta obrigada a entrar em nenhum jogo da sua mãe, e nem mesmo a ser “próxima” apenas para provar que você é uma boa filha. Entrar no jogo dela e de sua meio-irmã, é se tornar co-dependente delas; e isso adoecerá você. Também pare de se vitimar, de contabilizar as calamidades de sua vida, as ausências que você sentiu… etc. Insistir nisso apenas amargurará você e a desmobilizará para qualquer coisa positiva e criativa em sua própria vida. Quando Abraão saiu de sua terra e de sua parentela, no caso dele, significou uma ruptura profunda e praticamente completa. Jesus disse que o discípulo Dele tem que ter essa liberdade de até “aborrecer” o pai e a mãe. Com isto Ele não está semeando amarguras parentais, mas dando a liberdade da pessoa quebrar os vínculos com aquilo que mesmo sendo parental é morte e vício. Entregue sua mãe a Deus. Ela não é sua missão. Você a ajudará na medida em que não ficar presa a nada dela, especialmente ao ódio que ela tem o poder de fazer suscitar em você. Ame-a como quem ama o inimigo… É assim que você tem que amá-la. Leia Mateus 5 e você entenderá. No entanto, veja como Jesus mesmo fez questão de deixar claro que havia um “limite para as intervenções da mamãe” (Mc 3 e 6). E olhe que a mãe Dele era gente muito boa! Portanto, você pode odiar se quiser, porém, todo o seu ódio será o seu próprio juiz e juízo. Se você quiser fazer a vontade de Deus, então ame. E ame com lucidez e com realismo, sem romantismo e sem inocência. Ame com sabedoria, e até por sabedoria. Afinal, a maior beneficiária do perdão concedido e do amor praticado será sempre você. Se você se ama, então ame e perdoe. E eu espero que você tenha entendido de que tipo de amor estou falando. Lembre-se: existe uma boa chance de que a sua pobre mãe seja uma pessoa perversa, visto que o perverso é aquele que faz o mal e nunca consegue reconhecer que o praticou. Provavelmente seja com esse tipo de natureza que você esteja lidando. Portanto, seja simples como as pombas, e prudente como as serpentes! Receba meu carinho! Nele, que perdoou a quem não sabe o que faz, Caio