MEU AVÔ ME



Olá! Desculpe-me pela clareza, mas sei que isto é necessário, não para você, mas para mim. Há não muito tempo fui internado com princípio de infarto, com parte de meu corpo já travado devido aos sintomas. Fiz todos os exames e não havia nenhuma deformidade física ou seqüela, pois levo uma vida saudável. Forcei todos a acreditarem que era tudo conseqüência de estresse de final-de-ano na Faculdade de Filosofia. Mas só eu sabia que lá dentro estava tudo se esfacelando… Tinha 3 ou 4 anos quando passei a ser cuidado pelo meu avô, que se tornou deficiente físico desde os 45 anos, sendo que desde aquele tempo vivia separado de minha avó, mesmo morando na mesma casa. Não preciso entrar em detalhes, mas passei a ser a “paixão” dele, recebendo vários “ensinamentos” nos longos banhos que tomávamos, além de já ter ido totalmente alfabetizado para a escola, conforme faziam os gregos, de acordo com Platão. Era um aprendizado “completo”. Um pouco antes dele morrer, ele só se lembrava de mim. Mas, sinceramente, não guardo mágoas, não mesmo, apesar de sentir as marcas. Um pouco mais velho, lembro que havia uma favelazinha ao lado de minha casa, e que nela passava minhas tardes, enquanto meus pais trabalhavam. Havia vários garotos entre 5 e 18 anos por lá. Novos “ensinamentos” me foram “ministrados”… A única coisa que minha memória se lembra é de muitos deles assistindo as “aulas” ministradas “em mim”. Não entendia, mas sabia que era algo proibido. Durou um ano. Desde então nunca mais tive nenhuma relação homossexual, apesar de ter sido sempre perseguido pelos outros meninos. Cheguei a achar que carregava as marcas de Romanos 1 no corpo. Não consegui ter mais amizade com meninos, sendo que, neste caso, houve a ajuda de uma “Super-mãe”, presente nas ausências emocionais paternas. Sempre tive facilidade com mulheres, não tendo muitos problemas nos meus quatro namoros (desculpe a “modéstia”, mas é que realmente sou muito sociável e amigo). Mas meus namoros acabavam sempre devido à minha má-vontade em cultivá-los, preferindo sempre terminá-los do que enganar as meninas. Começava a me tornar profundo e misterioso (e extremamente frio…), gerando pretextos para o término dos namoros… Mas dentro de mim continuava a paradoxal presença do masculino e do feminino como sendo uma coisa só. Minha primeira polução noturna ocorreu depois de um sonho onde eu era penetrado por um(a) hermafrodito(a). Meus olhos compulsavam os outros meninos, mas estes eram seletos: entre 8 e 18 anos e com traços andróginos, que me lembravam mulheres (e isto é até hoje, juntamente com os sonhos, também andrógenos). Se pudesse diria isto com a voz mais baixa possível, mas quando cuidava de meu irmão (8 anos de diferença), quando era eu um adolescente ainda o ensinava algumas “brincadeirinhas” também. Mas foram raras vezes. Hoje sei que ele também tem as mesmas pulsões que eu, apesar de namorar meninas. Ele tem um ciúme doentio de mim. Tenho muita vergonha disto, e este seria um dos momentos para os quais eu voltaria no tempo para consertá-lo… conforme vi na sua carta “Sendo Salvo do Passado”, acerca do “Efeito Borboleta”. Com 14 anos comecei a ir à igreja. E com isto toda a minha família se converteu… E este é o meu medo, e o meu maior fardo (ou orgulho): se me abrir e todos souberem será decepcionante, pois, foi por minha ida para a igreja que todos eles também foram. Na igreja me destaquei no “serviço”: me tornei líder da música numa grande igreja. Compunha, tocava, e tal, e tal… Era disciplinado e moralista, e, por isto, atendia aos anseios dos líderes. Então veio a Faculdade: fui morar fora. Entrei numa república só com “irmãos”. Descobri que um pastor licenciado que morava lá era homossexual. Ai começou a minha desmoralização (mas entenda isto no bom sentido). Conheci alguém (o pastor licenciado) que passou pelos mesmos problemas. Só que ele atendia seus instintos; eu não. Éramos grandes amigos. Até que ele descobriu ser soropositivo. Fiquei ao seu lado. Lutei contra tudo e todos. Então, sem nunca ter acontecido algo (pois, não sentia nenhuma atração por ele, por ser mais velho e não entrar no meu “padrão”), passei a também ser “considerado” soropositivo e homossexual praticante, apesar de não o ser na realidade. Neste grupo dos que me consideram gay incluem-se meus pais, que me forçavam a admitir o homossexualismo, apesar de não declararem isso. Foi o caos. E, para ajudar, o amigo pastor licenciado falou para todos que eu tinha uma vida homossexual ativa sim, depois me confessando que sempre teve atração por mim e não admitia ter sido rejeitado por mim, resolvendo me puxar para o fundo do poço também. Hoje moro sozinho e AMO viver assim, sem ter amigos íntimos, apesar de ser bem sociável, como já afirmei. Isto me distanciou de qualquer relacionamento afetivo. O que aumenta ainda mais as suspeitas de todos sobre eu ser gay. Tenho vícios, como o de ficar horas olhando pela janela esperando determinado menino passar, me escondendo depois para não ser visto, ou entrar na net procurando “young boys”. Isto está me matando. Às vezes penso que procurar uma mulher e transar com ela seria uma boa saída, pois quando namoro consigo esquecer um pouco estes desejos. Ah, nunca transei com mulheres! Mas não sei se isto é ser mascarado e hipócrita, ou ainda não entendo o processo de Deus em mim, pois nestes dois últimos anos Ele me transformou num outro ser. Neste ano, quando descobri o seu site, Caio, percebi que minhas idéias existiam também na mente de outra pessoa e fiquei muito feliz. Estou em outra igreja, cuido de grupos de estudo para jovens, dou aula para iniciantes, e participo do grupo de música. O meu trabalho tem sido satisfatório, sendo que muitos me incentivam a prosseguir na obra, pois tenho facilidade em falar, além do grande prazer que me é pregar a Palavra, principalmente para os que são marginalizados. E tenho certeza do meu chamado, desde os 14 anos. Quero isto pra minha vida. Mas preciso acertar o meu interior. Sei que Deus assim o fará, apesar de a fumaça estar encobrindo meus olhos. É isto que ele prometeu pela boca de profetas para a minha vida. E eu creio e recebo. Sonho em ter mulher e ter filhos, mas acho que prefiro viver sozinho. Quando na carta “Sendo Salvo do Passado” você falou sobre encontrar a peça que “caotiza todas as combinações”, pensei o seguinte: Estou procurando sarar meu interior tentando fugir da minha vocação: ser eunuco pelo evangelho. Será isto? Mas me dói a idéia de viver só. E me perguntei, como você também pediu ao moço da carta em questão: “Será que tudo isto é apenas fruto do passado? Ou terá isto acontecido no passado apenas por que isso também já existia em mim?” Sou homossexual e tenho que aceitar isso? Será que é isto? Quanto mais eu tento arrumar tudo em mim, mais desejos tenho; quanto mais cavo o poço, mais distante o céu fica. Mas eu quero ser tratado. Minha mente está explodindo, oscilando entre os mais variados sentimentos. Não agüento mais a vontade de me jogar do meu prédio e encontrar logo a Deus. Quero sair disto… quero deixar de viver procurando causas remotas para o Hoje, e fugir desta deplorável nostalgia, que, de tão infantil, faz-me sentir um animal por não conseguir controlar os próprios impulsos. Quero receber do amor de Deus, pois hoje entendo que é este o Único caminho. Isto é de modo resumido o que está me acontecendo. Mas sei que basta para você entender. Meu desejo é um dia te encontrar pelo Caminho e poder te abraçar dizendo: Caio, Hoje me encontrei, e a Graça se encontrou em mim. Nada foi em vão. E Deus fez a sua vontade. Por enquanto, faço como a música do Oásis, do final do filme o Efeito Borboleta: “Stop crying your heart out”. Deus, deleite os sedentos com as muitas águas que jorram da boca deste teu servo, Caio! Paz seja sobre a sua vida! _______________________________________________________________________________ Resposta: Meu amado amigo: Graça e Paz sejam sobre você! Um pai ausente, uma mãe superprotetora, e um avô doente e sexualmente perturbado e agindo como o seu avô agiu sobre a sua vidinha, é a própria explicação para o que você sente. E não é preciso complicar nada a fim de tentar melhor explicar o que você sofre e experimenta. Daqui de onde estou, e levando em consideração anos de observação—incluindo as empíricas, como menino, quando vi vários quadros de homossexualidade se manifestarem entre os meus amigos—, ousaria dizer que você não é gay, mas sofre de desejos homossexuais. Nem todas as pessoas que sofrem desejos homossexuais são gays, posto que o desejo pode se desenvolver também em razão de experiências tanto traumáticas quanto também viciantes, e que se instalam na estrutura psíquica da pessoa. No entanto, nesse caso, esse desejo não é todo o potencial do indivíduo, sendo, ao contrário, uma diminuição e um condicionamento da própria capacidade sexual, e que ficou restrita em razão do “condicionamento” recebido pela ação perversa perpetrada contra ela na infância, numa idade em que a sexualidade ainda buscava encontrar suas vinculações com objetos eróticos. Nessa ocasião da existência, algumas experiências de natureza sexualmente invertida podem marcar de modo erótico e viciante a alma, fixando em determinadas formas de relação sexual, bem como em certas partes do corpo, um certo condicionamento de prazer. Quando acontece como aconteceu a você, duas, em geral, são as vias escolhidas pela alma: ou ela se deixa marcar de modo a desejar a realização daquela forma de se sentir “pulsionado”, ou então se retrai em quase todas as formas de pulsão sexual, ficando a pessoa sexualmente amortecida pelo trauma. Também não é de admirar que surja uma busca de meninos por esse que carrega em si a pulsão do desejo homossexual, pois, tais coisas se irradiam. Desse modo, mesmo os meninos que não são homossexuais, mas não têm oportunidade de transar com meninas, acabam por usar como objeto de despejo do desejo sexual, o garoto que se excita diante de tais experiências. Portanto, nada do que você narrou sobre os outros meninos “procurarem” você, é em nada algo que vá além do que acontece mesmo, especialmente em ambientes socialmente mais pobres, conforme aconteceu com você na favelazinha (nas regiões do interior do país isso é muito comum). Vi desde menino aqueles que nasceram homossexuais, e que nunca foram outra coisa além de homossexuais. Alguns, inclusive, manifestando sinais de efeminamento desde a mais tenra idade. Outros, todavia, não nasceram assim; ao contrário, os vi sendo “feitos assim”, exatamente como aconteceu com você. Ou seja: lembro de amiguinhos que se deixarem usar ou foram usados sexualmente por meninos mais velhos e que ficaram viciados naquilo, no entregarem-se de “modo passivo”. A maioria desses, eram meninos mais ingênuos que o normal, e também tímidos e carentes. Ora, quando já se vem de casa com esse vício tendo se feito instalar pela ação contínua de uma figura como a do avô, não é de admirar que a garotada mais velha, na vizinhança, tire todo o proveito que puder desse pobre viciado. A figura da “super-mãe” também teve o seu papel quanto a fragilizar você, de um lado; assim como também, pelo afeto concedido, gerou em você o desejo de realizar o que ela aparentemente não teve: uma família feliz. Daí seus sonhos de realização familiar. Daí também seus sonhos noturnos serem de natureza hermafrodita, pois, sua alma por eles expressa a você mesmo seu estado de divisão interior, visto que existem ambas as pulsões em você, ainda que em estado de ambivalência. Você teme ser gay, mas nunca deu uma chance às mulheres. É obvio que aquilo que um dia aconteceu de modo tão traumático, e que instalou-se como vício, sempre terá prevalência imediata sobre aquilo que nunca foi estimulado: o seu contato sexual com mulheres. Eu ousaria dizer que você não é gay, mas apenas um rapaz que somente relaciona o desejo sexual aos objetos eróticos e às circunstancias eróticas nas quais aconteceram os atos sexuais que você conheceu. Eu também creio que a verdade liberta, e que uma vez que a gente sabe de onde certas pulsões vêm, elas perdem muito da força que antes possuíam, quando se revestiam de total mistério. Portanto, o simples fato de você identificar a engenharia dessa pulsão, fará com que algo de aliviador já encha o seu coração. Uma vez que a luz é acesa os morcegos põem-se em retirada! Agora, meu amigo, vem aquela hora de lutar no espírito a fim de determinar a nossa inclinação. De fato, segundo Paulo, essa “luta” é apenas um “entregar-se”, coisa essa que ele chama de “ser guiado pelo Espírito”, isso a fim de alcançar um novo “pendor” (Rm 8). A fim de se entregar, a pessoa tem que confiar que em Cristo “não há mais nenhuma condenação”. Somente certo disso é que alguém pode descansar, e, assim, começar a desarmar a pulsão, posto que ela (a pulsão) se alimenta de culpa. Você mesmo disse que, mesmo na infância, associava aquilo a algo “errado ou proibido”. Portanto, somente quando o “errado e proibido” são cancelados como culpa, é que, estranhamente, seu poder vão diminuindo em nós. E é assim porque foi retirada a força da qual a pulsão se alimentava: a culpa, o errado e o proibido. Ora, uma vez que você chega aí nesse ponto do entendimento em fé, então, surge a liberdade não culpada e não aflita para você estar com as meninas, e conhece-las. Portanto, sugiro que você reabra seu coração, e considere a possibilidade de voltar a namorar, dando a si mesmo a chance de saber como um homem pode se sentir em relação a uma mulher. Por isso, não pode ser algo fortuito, mas sim algo que venha como resultado de encontro, afinidade, amizade e confiança. “Não é bom que o homem esteja só” vale para você também, e para o ambiente no qual você se sente bem “à vontade” para nutrir seu vício infantil de ver os meninos passarem na frente de sua janela. Ao invés de você ficar pensando como será escandaloso ser gay, o que deve encher a sua mente é a alegria de em Cristo poder sondar a verdade de seu coração, e, poder fazer isso sem necessariamente se entregar ao pensamento que esse mal não tem cura. É mal ser gay quando não se é gay. Um gay que é gay, é gay. E esta é uma outra questão. Mas alguém que apenas se entregou a um vício que foi imposto de modo perverso sobre ela na infância, não está na categoria daqueles que “são” alguma coisa, mas sim na daqueles que não tiveram a coragem de buscar seu próprio ser. Busque quem você é, e faça isto sinceramente diante de Deus. Em paz e sem culpa! Nesse caso, procurar ajuda psico-terapêutica será muito bom, e pode ajudar imensamente no processo de auto-descoberta. Agora, ajoelhe-se aí onde você está e ore: “Jesus, eu sei que tu retiras-te todas as minhas culpas, as conscientes e as inconscientes, e que todo escrito de dívida que havia contra mim foi removido por ti e encravado na Cruz. Eu creio, e aceito a paz com Deus que tu realizaste para mim”. Creia que está feito. E não tema crer, pois, sem fé, ninguém agrada a Deus. Além disso, o justo vive pela fé. Portanto, creia e descanse. Agora você já não sentirá desejo de pular do alto de seu prédio, pois, Deus está com você. Então, meu amigo, comece a mudar os seus pendores, sem desespero, mas conversando com sua própria alma na presença de Deus. Se você andar esse caminho com confiança, eu sei que você se encontrará, e que nesse encontro você achará alegria. Não é hora de pensar no que os outros pensarão ou pensariam. É hora de você se concentrar em seu coração, e na “verdade no intimo”. Faça isto e depois me escreva. Eu sei que sua carta já será uma outra carta. Receba meu carinho e minhas orações! Nele, que sabe quem somos, Caio