CAIO, ACHO QUE VOCÊ NÃO ENTENDEU NIETZSCHE – I e II



—– Original Message —– From: CAIO, ACHO QUE VOCÊ NÃO ENTENDEU NIETZSCHE To: [email protected] Sent: Thursday, October 27, 2005 10:54 PM Subject: Uma análise “Não creio em um deus que não saiba dançar…” · Caro Caio Fábio, antes de colocar a minha reflexão gostaria de elogiar pelos seus escritos, que são permeados de bom gosto, textura e beleza. Li alguns de seus livros e muito gostei. Chamo-me Wellington, sou seminarista católico. O ponto que eu aqui coloco é uma de suas reflexões na qual não concordei de maneira alguma que Nietszche não tinha percebido o dançar de Deus em Cristo, Verbo humanado, por seu condicionamento. Niestszche, filósofo que conhecia por demais a metafísica cristã ao falar isso em sua Obra Magna “Assim falou Zaratustra” quer criticar justamente uma metafísica que oprime o ser humano, que platoniza e encarcera a vida em esquemas teoréticos que não valem a pena viver. Caio, quando Niestszche diz isso, ele quer re-abrir uma possibilidade de ver o nosso Deus de um jeito diferente, ou melhor, resgatar a nobreza do bailado de Deus. Além disso, Nietszche critica a imobilidade como sinônimo de perfeição como os tomistas queriam colocar. Nietszche ao falar que creria em um Deus que soubesse dançar, foi profeta, com tamanha profundidade, que as pessoas ainda não entenderam a densidade da sua proposta libertadora do próprio homem, e assim de todos os nossos ídolos. Percebeu o óbvio ululante e o óbvio ululante é sempre o mais imperceptível. Um abraço. Wellington Santos Pires _____________________________________________ Resposta: Querido amigo Wellington: Graça, Paz e Bailado no Amor do Pai! Eu não conheço Nietzsche apenas de ouvir outros falarem dele, como acontece com a maioria. Li e reli praticamente tudo o que há dele em inglês e português, e um sem número de textos acerca dele, muitos de natureza biográfica também. Na minha maneira de ver, Nietzsche serve para qualquer coisa, isso se se deseja vê-lo de um “dado” modo. Em “Assim falou Zaratustra”, pelo próprio estilo de natureza literária em tom de “escritura sagrada”, ele abre o espaço para que as parábolas e ditos “profético-simbólicos”, muitas vezes abram espaços para muitas compreensões até mesmo distintas entre si, ou da outra qualidade de percepção, às vezes de modo aposto. Ou seja: Nietzsche é pura contradição, e nunca desejou ser entendido como quem “entende” algo. Se Nietzsche se visse como alguém a ser “compreendido”, ele mesmo viraria filósofo, o que ele nunca quis. Além disso, também creio que a “igreja” demonizou tanto o cara, que, com o passar do tempo, e com o reconhecimento de sua “insana-lucidez-insana”, muitos, inclusive cristãos, infantilmente, tentaram e tentam fazer Nietzsche dizer o que ele não disse; parece que ainda angustiados pelas injustiças da religião declaradas contra ele, especialmente como o homem que “decretou” a morte de Deus. Nietzsche não se via como você tenta vê-lo. Ele era apenas Nietzsche. E expressava seu desespero de duas formas: questionando todo esquema idolátrico da filosofia; e também da religião cristã. Ora, em ambas as coisas eu concordo com ele, e, na sua declaração da morte daquele “Deus”, eu assino em baixo. No entanto, há muita tolice também em Nietzsche. Por exemplo, sua analise da fé em Jesus é pobre e pouco culta; e sua acusação de que Paulo era o fundador do Cristianismo, para mim, é produto da mais profunda ignorância, e, sobretudo, em razão de que ele via Paulo ser usado para construir as doutrinas subseqüentes da “Cristandade”. Além disso, se o “Evangelho morreu na cruz”, como ele declarou, que alegria para bailar com Deus é essa que você encontrou? A menos que Nietzsche esteja enganado, e o Evangelho não tenha morrido na cruz, mas viva em você e em mim, visto que dançar com Deus só é possível para quem crê na Dança da Ressurreição. Portanto, para alguém para quem o Evangelho não morreu na cruz. Em o “AntiCristo” ele não é parabólico como em “Assim falou Zaratustra”, e declarou o que cria e pensava a cerca do “Deus” que ele conhecia como defunto… o qual morreu para ele no mesmo dia em que seu pai foi sepultado, sendo ele apenas um menino, e tendo antes disso perdido um irmão. E com relação à possibilidade de haver uma relação real entre o ser humano e Deus — Deus mesmo, não uma abstração ou uma construção religiosa —, ele jamais cogitou, visto que ele estava sim condicionado e traumatizado com a experiência que teve com a “igreja” e com a “cristandade”. “Deus”, para Nietzsche, se esgotou nos abusos da Cristandade. Nietzsche era um gênio. E muito do que ele disse acerca tanto dos sistemas filosóficos, como teológicos, como também acerca da “igreja”, são verdade de Deus. Todavia, no coração de Nietzsche, havia acima de tudo o derrame de seu pensar psicologicamente desesperado, certo de que o “Deus” estava morto pelo Homem, e que o Super-Homem — o homem livre de “Deus”, sendo ele próprio deus — haveria de abolir toda virtude “cristã”, obra da fraqueza, e alçar vôos para a suprema nobreza de ser sujeito e diretor de sua própria história. O problema é que no bojo das “virtudes cristãs” que ele desejava abolir da Terra, havia muita coisa que não era “cristã”, mas coisa de Jesus mesmo; ou seja: do próprio Evangelho. Ele, porém, não tinham meios de saber a diferença. Assim, sem psicologia não dá para ler Nietzsche. Pela filosofia e pela teologia Nietzsche não é nada além de um caleidoscópio de coisas lindas, e, outras loucas. Perfeita e linda insanidade! Portanto, nem Nietzsche está no inferno, pois Deus compreendia Nietzsche e o amava, como ama a todos os homens; e, nem tampouco, precisamos fazer Nietzsche dizer, crer, pensar e sentir, o que ele não disse, não creu, não sentiu, e nem desejou que tentassem, em seu nome, fazer ou pensar. O melhor modo de entender a alma de Nietzsche é através de Kierkegaard. Em “O Desespero Humano” e em “Conceito de Angustia”, pode-se ver o perfil de um gênio angustiado como Nietzsche. Sim, desse modo pode-se entende-lo. Isto porque, para mim, Nietzsche foi um ser tão “psicológico”, que a tentativa de entende-lo de modo “descolado” de sua história, é algo antinietzschiano. Digo “Bravo!”, em aplauso, ao grito de Nietzsche contra a falência das metafísicas sistêmicas, contra a virtude imóvel; e contra a religião que pratica necrofilia, num “caso” com um “Deus morto”. E me alegro que sua angustia tenha gerado brado tão audível. Todavia, eu sei que Nietzsche não carregava uma proposta, e nem sequer qualquer esperança de que houvesse um Deus real com quem se poderia bailar. Mas é só até aí que vou. E, como disse, não se precisa fazer esse hercúleo exercício para tornar Nietzsche um crente oculto. Na realidade ele até era. Apenas não sabia disto. No entanto, cada negação de Nietzsche chegou a Deus como clamor de um amor angustiado, e que foi tão verdadeiro nas conseqüências de seu pensar por si mesmo e sem Deus como referencia, que enlouqueceu, sendo essa a sua mais veemente confissão de fé: a sua loucura! Nietzsche estará à mesa com Abraão, Isaque e Jacó, no Banquete Eterno, na Festa que não tem fim, nas Bodas Universais, pela mesma razão que eu e você também estaremos lá: Pela Graça, que não vem de nós, e que é dom de Deus, e que alcança até quem não a entendeu. Afinal, é Deus quem entende o homem. Não é o homem quem entende de Deus. Nietzsche não disse isto, porém, seria uma das implicações decorrentes da desconstrução filosófica e religiosa que ele pôs em movimento. No entanto, partindo de Nietzsche, tanto se pode fazer poesia sobre um bailar metafísico ou até suprametafísico, ou mesmo poesia, como muitos autores cristãos e não cristãos fazem acontecer; como também ele pode ser entendido por um maluco como Hitler como um propositor do reino dos Homens Superiores. Pra mim é melhor Nietzsche ser apenas Nietzsche. Um grande abraço! Nele, que não é abstração, e que não precisou de Nietzsche para provar que dança, já que Ele mesmo mata o novilho cevado, contrata a banda da cidade, e faz começar a festa, dizendo: “Era preciso que nos regozijássemos e nos alegrássemos; pois, este meu filho, estava morto e reviveu; estava perdido e foi achado. E todos começaram a dançar”, Caio ___________________________________________________________ —– Original Message —– From: UM ELOGIO To: Sent: Saturday, October 29, 2005 4:01 AM Subject: Um elogio …Usa dez vezes mais as tuas forças para re-tornar àquele que te ama…” Br 4 Olá Caio? Eu fiquei muito feliz com a sua resposta e até lisonjeado por colocar a minha carta lá no lugar de correspondências. Agradeço pela disponibilidade mesmo de escrever. Percebi de maneira tampada e estampada que você conhece com densidade a obra de Nietszche. Discordo de ti em alguns aspectos: A obra de Nietszche não deva jamais ser percebida a partir de um único prisma, com ele temos que fazer aquilo que Hussel nos propõe em seu método fenomenológico, que é a redução fenomenológica, a suspensão de todo juízo, pre-conceito, pré-análise, para enfim, perceber a partir de outra matiz, de outro ângulo, saber e sabor. São multifocais as leituras sobre Nietszche, sou da linha que propõe que ele foi o verdadeiro quebranto da metafísica tradicional. Já a linha Heideggeriana vê o cara como o último dos metafísicos, se utilizou de uma linguagem, às vezes categorias metafísicas para derrubá-la… São leituras que nos permitem ampliar o nosso leque sobre o mesmo. A corrente teológica da Morte de Deus, e encabeçada por Bonhoeffer, o vê como figura profética. Caio. Um braço! Sempre procurarei me corresponder contigo. Um abraço. ____________________________________________________________ Resposta: Para mim a questão é bem mais simples do que para você, pois, pra você, existe evolução espiritual em tais reflexões, enquanto, para mim, há apenas exercícios abstratos de modos de ver a vida, os quais, em sendo pontos de vista ou filosofias humanas, são tão variados de prismas quantos olhares existirem reflexivamene na terra. Além disso, não consigo ver em tais pensadores, ou na maioria deles, quase nada, se não interessantíssimos jogos de percepção, e de construções de arquiteturas abstratas, mas que são muito semelhantes a qualquer outra construção ou sistema. Até arte da implosão é fruto da ciência da implosão. Assim como qualquer desconstrução de natureza filosófica é também a uma ciência: a ciência da anti-ciência. Pois até a desconstrução segue um sistema, uma ciência. Quando se trata de filosofia, trata-se também de um ato de confissão, e que organiza o ser pessoal (psicológico) na forma de um sistema supostamente impessoal (filosofia). Todavia, essa é a suposição. Pois não é assim jamais. Por exemplo: a partir de qual absoluta isenção digo eu o que digo? Eu? Não! Não eu! “Eu creio, por isto é que falei”, conforme Paulo, é a dec;aração que determina o significado das confissões de fé de cada homem, ainda que sejam as confissões de fé na não-fé. De fato, toda essa conversa sobre quem decidiu o quê, e quem determinou como ler quem quer que seja, e quem fez a suspensão e a separação entre o homem e o seu pensar no caso de Nietzsche, é a coisas mais engraçada para mim. Isto porque, meu amigo, só uma coisa interessa, que é conhecer ou não conhecer a Deus para si, em si mesmo, e de modo pessoal, e que gere um ser pacificado. Do contrário, no meu modo de ver, essas brigas filosóficas, são apenas jogos de meninos grandes, e que se deleitam na tentativa de encurralar o pensamento do outro, no ringue no qual a verdade está sob a presunção da prova. Veja que os evangelhos não falam de modo metafísico, exceto o de João. Os demais, porém, tratam apenas da história, Hoje; e do eterno, Hoje. A metafísica do Evangelho é o Hoje. Assim, aparentemente temos interesses próximos. A diferença é que você crê que Deus pode ser acessado pelas sabedorias deste mundo, as quais em Jesus e em Paulo, são vistas como loucura. Para mim, todavia, são apenas exercícios do pensar, mas nada além disso, e não têm o poder de levar a Deus, e não geram a experiência de Deus como bem existencial e como patada de amor; com muito poucas exceções. Por último, não é possível separar a produção de um homem de sua vida. Não há nada e nem ninguém nesta vista que não seja um ser sobretudo psicológico, mesmo os que se apresentam como os mais isentos; pois, de fato, a própria “isenção”, ou sua presunção, já é, em si mesma, confissão de uma certeza: a certeza da isenção. Sim, porque você acredita que se pode discutir filosoficamente a verdade. Eu, todavia, não creio nisto, pois creio que a verdade só pode ser experimentada, e nunca plenamente explicada. Assim, em minha maneira de ver, os filósofos são as filosofias, e não as filosofias os filósofos. Portanto, o ser-Nietzsche precede o Nietzsche que escreveu; pois, em suas muitas dores e percepções, e que também retro-alimentavam o seu pensar-sentir, é que procedeu o seu pensar. As alegrias emudecem o pensar. Mas a dor o produz em grande profusão! Por que você acha que Jesus não respondeu a Pilatos o que era a Verdade? Porque se Ele proclamasse uma filosofia da Verdade, ou se fizesse um discurso, diria tudo, menos o que é a Verdade. Ele dissera que Ele, um homem, era a Verdade. Assim, para Ele, explicar a Verdade seria tanto auto-explicação quanto também a morte da Verdade; o que é pior que a morte de “Deus”. Desse modo, Jesus apenas olha para Pilatos. A Verdade é a Vida. E isto determina o caminhar. Desse modo, Ele olha, apenas olha, como quem diz: “Se não vês diante de ti, onde a verás?” Portanto, não se trata de olhar Nietzsche de apenas um “prisma”. Mas sim de olhá-lo de modo não departamentalizado, não esquartejado e não exumado para fins de anatomia filosófica. Nietzsche só pode ser entendido psicologicamente, e, por psicologicamente, não me refiro a um “primas”, mas sim à vida, à psique, à sede de sua produção: a alma, antes de qualquer coisa! Um abração pra você! Nele, em Quem estão todos os tesouros da sabedoria e do conhecimento, Caio