SÍNDROME DE DOM JUAN



 

 

 

—– Original Message —–
From: SÍNDROME DE DOM JUAN
To: [email protected]
Sent: Wednesday, April 19, 2006 1:13 PM
Subject: E quando só temos prazer em conquistar?

Querido Caio,
 

Sou um raro caso de ateu que encontrou a conversão através da internet, conforme o link  http://www… (…)  onde deixei um testemunho detalhado sobre o assunto.
 

Conheci seu site através da indicação de alguns queridos irmãos internautas. Embora eu não freqüente igreja alguma, tive o prazer de visitar o seu trabalho em Taguatinga Norte certa feita. Creio que a sua abordagem é a que mais se aproxima das intenções que Jesus tinha quando esteve entre nós: a criação de um Caminho da Graça. 
 

Transcrevo somente os três parágrafos iniciais de meu testemunho, para que eu possa explicar melhor a razão de buscar sua orientação:


“Bom, tudo começou quando depois de 8 anos de casamento, minha mulher sentou no sofá e declarou: -Estou apaixonada por um rapaz que conheci no meu trabalho, e não agüento mais essa situação: quero te dizer que na verdade eu nunca te amei. Se for possível, gostaria que você ficasse com a nossa filha. Eu peguei a minha filha e levei para ficar com minha mãe. Pedi demissão do meu emprego e me mudei para Brasília, pois tudo naquela cidade lembrava minha ex-mulher. Eu era perdidamente apaixonado por ela.”


Tive depressão e uma doença emocional chamada psoríase. Eu passava o dia estudando para concursos, e como sofria de insônia, virava a noite na Internet, especialmente no Orkut, que é uma rede de relacionamentos.
 

Naquele local, eu fora evangelizado por alguns irmãos, que me amaram.
 
Hoje, dois anos depois, já sou razoavelmente estável em todas as outras áreas de minha vida: bem-sucedido profissionalmente, concursado, trabalho somente meio-período, tenho 31 anos de boa saúde, boa aparência e sou dono de meu próprio imóvel – pago minhas contas, enfim.
 

No entanto, enfrento uma problemática séria: o estigma de ser divorciado no meio evangélico. Nesse sentido, por estar me dirigindo a um igual, sinto-me à vontade em expressar o que me aflige.
 

O fato é que, já tendo passado dois anos de minha separação, sou ainda assombrado pelos fantasmas do passado. Não consigo amar nenhuma outra mulher. A cada mulher que conheço, sou muito receptivo, cativante, bem-humorado, carinhoso, fiel e manifesto desejo de compromisso sério. Ajo de maneira apaixonada. Tomando por base os relacionamentos vazios de hoje em dia, as garotas acabam se empolgando bastante comigo. Vêem em mim um verdadeiro achado. E tal mar-de-rosas se desenvolve durante um certo tempo. Eu experimento um verdadeiro prazer no jogo de conquista, no poder de persuadir, no uso de máximas, no romantismo, na manifestação de palavras de afeto, carinho, amor.
 

Até que a mulher me diz: “Eu te amo”. Um arrepio percorre a minha espinha. Tudo perde a graça. Eu já sinto o vislumbre do marasmo nos próximos anos, se eu continuar com tal garota. Eu já começo a ver defeitos na mulher: ela tem mau-hálito, ou suas axilas exalam um cheiro desagradável, ou é gorda demais, ou não é inteligente o bastante para mim. Sempre os defeitos delas parecem maiores depois da frase “Eu te amo”.
 

Assim, eu marco um encontro e digo que, apesar de meus esforços, não consigo amá-la. Que tentei, me esforcei, mas não me senti nada apaixonado.
 

E essa situação se repete ad aeternum. E eu me sinto péssimo. Culpado. Usando outro ser humano. Enganado por mim mesmo. Minha alma clama por alguém que venha me completar; eu conheço uma garota e realmente sinto que finalmente é ela. Até que eu a conquisto. Imediatamente, eu passo a rejeitá-la.
 

E sofro com isso.
 

Eu gostaria de saber como proceder. Como sair dessa situação?
 

Nele, que nos ama incondicionalmente e que nunca acha que perdeu a graça,
 
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Resposta:


Meu querido irmão: Graça e Paz!

 

Muito obrigado pela confiança!

Sua carta me pareceu conter um problema e alguns “problemas”. O problema tem a ver com seu trauma de casamento e com o amor que não morreu… (!?) Os “problemas” têm a ver com suas confusões normais. Afinal, quem não as tem?


Responderei, portanto, não apenas o que você me perguntou, mas, se possível, ao todo de sua carta; especialmente naqueles aspectos que apenas latejam em seu texto, porém que falam um pouco… pelo menos… de você.


Primeiro comecemos por seus “problemas”. Ora, você disse que não freqüenta igreja alguma, mas que sofre “o estigma do divorciado” no meio evangélico. Daí você sentir liberdade para se dirigir a um “igual”, aludindo ao fato de eu ser divorciado e casado pela segunda vez.

Este é o primeiro “problema”. Sim, como pode ser que um homem que não freqüenta uma “igreja evangélica” sofra o estigma de ser divorciado? Na Internet? Como? E que significado teria, mesmo que acontecesse em chats na Net? Para você sofrer de tal estigma, você teria que estar dentro da igreja evangélica. E você não está. Portanto, de onde vem tal estigma?


Um outro de seus “problemas” é ter se convertido via internet, dizendo que vinha do ateísmo, porém já “sabendo” o que é o Evangelho; e, além disso, com capacidade de julgar que “sua [minha] abordagem é a que mais se aproxima das intenções que Jesus tinha quando esteve entre nós: a criação de um Caminho da Graça.”


Meu amigo querido:

Para você poder ter uma idéia do que é mais próximo ou distante do que Jesus intencionava fazer ou criar, você tem que sair da virtualidade e mergulhar no mundo de gente de carne, sangue, suor, mal cheiro, aflições, carregadas de vícios, de tristezas e depressões… e de tudo o mais que é Evangelho em vida.


Sim, porque sem a dimensão do “uns aos outros” ensinada por Jesus e mais de 35 vezes corroborada por Paulo, não dá nem para se ter idéia do significado do que seja viver a igreja como um “dos do Caminho”. 

Ficar em sua situação, uma espécie de “evangélico virtual”, é a receita para a doença de alma. Afinal, um evangélico real já é um problema, quanto maior não seria a doença de decidir seguir a Jesus apenas via internet, como um seguidor virtual? 

Veja: você nem freqüenta uma igreja ou grupo, e pensa que já sabe o que é ser “evangélico”; ou que sabe qual é o preconceito que se sofre em tal meio.

E mais: você pensa que sabe o que é mais próximo ou não do que Jesus intencionava criar.

Impossível!

Sabe por quê?  Porque para se saber isto tem-se que viver não de leituras apenas, mas sobretudo de duas coisas: um profundo mergulho em confiança no amor de Deus; e a vivência desse amor nas relações de convívio horizontal, com todos os iguais; especialmente com os iguais-bem-diferentes.

Também me pereceu que o seu ateísmo era aquele de filho de crente evangélico (nesse caso você teria tido um background evangélico ou católico), sendo muito provavelmente um ateísmo revoltado contra a instituição religiosa (nesse caso eu sou ateu também, não pela revolta, mas pela total descrença).

Ou então você creu que a troca de informações sobre a “igreja evangélica” deu a você duas coisas: uma identificação de fé com os “amados que o acolheram” via internet, sendo que, como eles são evangélicos, teria sido natural você se sentir um evangélico virtual; e a quase certeza de que é possível viver para sempre na virtualidade sem que se esteja “preso numa solitária” ou sozinho numa ilha deserta.

A experiência do Evangelho, todavia, não nos deixa na virtualidade; mas nos empurra para toda sorte de vínculos humanos, especialmente com os que crêem, sem que isto jamais implique em “alienação” em relação ao mundo e ao todo da existência.

Portanto, morando aqui do lado, recomendo a você que além de toda ajuda que pode dispor via internet, também nos visite; pois, com certeza, se a jornada já foi boa até aqui, saiba: ela ainda pode ficar muito melhor para você.

Sobre seu Problema: a falta de capacidade de se apaixonar.

Ora, esse não deveria ser o problema apenas em razão de que você disse que ainda ama a sua ex-mulher. Afinal, como poderia você se apaixonar por outra mulher se ainda ama a sua ex-esposa?

O real problema é outro, e é em razão dele que você se sente culpado. E isto tem a ver com a sedução que insinua e promete, mas que jamais entrega depois que se serviu.

O problema, portanto, não começa quando as mulheres dizem “eu te amo”, mas sim quando você insinua o fato de que elas podem se entregar a você.

Ora, enquanto elas se dão sem “eu te amo” não há problema algum para você porque seu coração diz: “Está sendo apenas uma troca gostosa e nada mais…”

Porém, quando a pobre da mulher, farta de alegrias, confiante, diz “eu te amo”, então, acaba o “tesão” psicológico em você, posto que agora seu senso de justiça e verdade clamam em sua alma acerca de sua não-correspondência em relação ao sentimento da mulher.

Os defeitos e feiúras… ou aparecem apenas porque sempre estiveram lá… mas que para o seu propósito relacional não prejudicavam em nada…; ou surgem como uma espécie de “projeção negativa”; ou seja: nesse caso, você cria o que não existe apenas para ter um álibi para sair da situação (primeiro dentro de você); e, em seguida, termina… “sendo muito honesto e sincero” (embora a menina se arrebente)… pois teve a coragem de dizer: “Pensei que amava… estou confuso… não quero enganar você!”

Entretanto, você também precisa ver se ainda ama mesmo sua ex-mulher… ou se apenas, inconscientemente, usa isto a fim de se manter solteiro nas bases atuais!

Enquanto isto, sugiro a você que seja honesta não depois, mas antes de tudo. E isto deixando claro que você não está em condições de ter nada sério demais com ninguém… porque ainda está se “recuperando” do trauma do divórcio.


Assim, conforme o nome de um antigo time de futebol das areias de Copacabana, “Vai quem quer”. Ora, é muito mais honesto jogar no “Vai quem quer” do que ser meio de campo do “Vem que tem”… quando não tem nada.

O grande problema é que existe esse vício, ou melhor, esse “Complexo de Dom Juan de Marco”. E mais: isto “pega” geralmente em homem que levou um “toco” de quem amava. É a famosa “dor de cotovêlo”; e que tanto leva à raiva e à depressão, como também pode gerar esse outro pólo, que é a tentativa inconsciente de dizer para si mesmo que “uma” disse “eu amo outro” (a sua ex-mulher), embora “muitas” digam “eu te amo”… enquanto você “não quer nada” com ninguém.

Ou seja: é mais uma camuflagem da alma a fim de impedir você de se enxergar como homem ferido de morte… ou não!

O problema é que a alma pode até brincar disso, mas, depois de um tempo, ela quer comer verdade. E nessa hora a pessoa tem de se encarar.

No seu caso são duas as tarefas a serem levadas a cabo: a primeira é saber realmente se você ainda ama a sua ex-mulher; e a segunda é ver se o que está acontecendo hoje em relação ao “eu te amo” das mulheres, não é sua forma de auto-afirmação, ao mesmo tempo em que é também sua vingança difusa contra o amor.

O problema é que vingar-se do amor é vingar-se de si mesmo!

Sugiro que você pense em tudo o que lhe disse com o coração bem aberto. Afinal, gostando você ou não, tudo o que escrevi o fiz em verdade e em amor. Desamor seria fazer de conta que não senti o que senti.

Por último, tente pensar e me dizer qual foi a real razão de sua “ex-mulher” ter se apaixonado por outro. Isto porque tal coisa pode acontecer a qualquer um. Porém, se o casamento está bem e foi fruto de amor e carinho, havendo manutenção do amor pelo respeito, pela presença, pelo desejo, e pela vontade de amar mais do que de ser amado, em geral, tal coisa jamais acontece.

Pense com verdade e carinho e me responda com sinceridade. Então começaremos a conversar de fato.

Enquanto isto, leia o site (www.caiofabio.com), assista aos programas na TV Brasília e na Band (aos domingos), e, se possível, venha à reunião dos “do Caminho”. No nosso caso acontece aos domingos no La Salle. No site você terá todas as informações.

“Vem e vê”, digo eu a você; pois sei que você não se desapontará.

 

Nele, em Quem o Evangelho além de ser-começar-existencial, é também algo que produz um ser-relacional,

 

Caio