POR QUÊ AS PESSOAS PARECEM GOSTAR DE APANHAR…



 

 


From: POR QUÊ AS PESSOAS PARECEM GOSTAR DE APANHAR NA IGREJA?
To: [email protected]
Subject: Sobre a submissão das pessoas à tirania…
Date: Fri, 28 Apr 2006 13:04:25


Fonseca, querido amigo e amado irmão, a quem eu desejo muita paz, graça e todo o bem,


Muito obrigado pelo seu carinho e amor, e saiba que a recíproca é verdadeira!

Aperta-me o coração de ver a crueldade que se faz às pessoas, em nome de Jesus! Tal sentimento desemboca em indignação, como uma força motriz, assim como Jesus arrasou com a feira dentro do templo. Até Jesus ficava puto com esse povo!

Por que isso, Fonseca? Por que muitos fazem essas crueldades, destroem vidas, enchem de sentimento de culpa, prisionam, amendrontam, fazem o outro se sentir um lixo, tudo em nome de Deus, como se Ele quisesse isso?

E o pior: por que os que sofrem tais coisas se deixam levar por elas, aceitam, aplaudem, defendem, para, depois, serem “mortos” pelas mesmas?

Ah, meu Deus! Dê visão aos que estão cegos e só apalpam onde a víbora pode morder e o urso despedaçar!

Abraços,

Alysson
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Resposta do Fonseca:


Meu querido amigo Alysson.

Eu poderia tentar responder essa pergunta, que é a mesma pergunta que eu
faço para mim mesmo, sempre.

Porém eu acho que o Caio Fábio saberia responder com mais propriedade do que
eu, já que a quilometragem dele é maior do que a minha; e que nele eu descobri alguém que ama ao próximo mais ainda do que eu julgava eu mesmo amar; e que eu descobri nele alguém que ama mais a Jesus Cristo do que eu julgava eu mesmo amar.

Darei, pois, a ele, ao Caio, a bênção para nós dois de responder essa sua
pergunta tão pertinente, que é a mesma pergunta do meu coração.

Seu amigo e amado irmão em Cristo.

Fonseca
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Amadíssimos Alysson e Fonseca: irmãos, amigos e confiantes companheiros de jornada: toda Graça e toda Paz!


Poderíamos fazer uma longa, longa viagem, a fim de responder essa questão; indo da psicologia à história dos povos; indo da construção pagã que se instalou na alma humana, pela queda e pelo pecado, até aos surtos de magalomania que acomente aos tão inseguros, que seguram tudo e todos; aos que de tão inseguros, se entregam a tudo e a todo aquele que os poupar de assumirem responsabilidades próprias.

Entretanto, como o tempo não dá, e nem é esta a ocasião — sendo algo melhor para um papo com a moçada do “Caminho Jovem”, como um todo; ou ainda, quem sabe, algo que fosse uma conversa de nós três, aqui em casa, comendo uma carninha —, me limitarei a trazer as seguintes ilustrações retiradas da História Bíblica: a escolha de um rei (Saul) e a construção de um Templo Fixo. Ambas as coisas ilustram bem esse espírito, já que a questão não é universal, mas se volta para o que se faz em nome do Deus de Jesus; ou em nome de Jesus mesmo.


1. A Escolha de Saul: Vocês lembram que Israel era um povo nômade e que deveria ser “hebreu” (caminhante), a fim de ser uma luz para os povos. A dádiva da terra sobre a qual Abraão peregrinou nunca teria sido um problema se o coração deles não tivesse se fixado naquela geografia como “santa”, o que neles gerou muito mais arrogância do que louvor a Deus. No entanto, numa terra santa, e para um povo santo, Deus não propunha um rei, mas apenas juízes generacionais. Ou seja: cada um servindo a sua própria geração. Samuel foi o último daquela estação da jornada histórica deles. Entretanto, mesmo tendo a Samuel que falava e julgava da parte de Deus com justiça, eles, olhando os outros povos, desejaram ter também um rei. A resposta de Deus através de Samuel foi que, tendo um rei, eles se tornariam escravos do próprio rei, sendo obrigados a pagar impostos a ele; e, além disso, concedendo-lhe o melhor de tudo, incluindo as suas mulheres e virgens mais formosas. Também, com tal escolha, eles fixavam uma dinastia real em Israel. Assim, a palavra de Deus pelo profeta era que aquilo não era o ideal de Deus para eles. Como porém insistiram, Deus disse a Samuel: “Não é a ti que eles estão rejeitando, mas a mim”; para que Deus não reinasse sobre eles. Eles, todavia, optaram pela fixidez e não pela liberdade de serem conduzidos geração após geração por quem Deus mesmo levantasse.
 

2. O Templo de Salomão e o de Herodes, o Grande: A segunda manifestação de troca do espírito hebreu (andarilho e leve) pela fixidez de um projeto, aconteceu quando, além do rei, eles também desejaram um Templo fixo. Aliás, foi Davi quem veio com tal proposta, sendo, todavia, “vetado” por Deus; ficando o projeto para ser executado por Salomão, como uma espécie de “concessão”. Ora, a própria história de Davi como rei é a história de uma tragédia humana. Tudo o que de ruim poderia ter acontecido a Davi não aconteceu enquanto ele era um foragido do rei, mas sim quando ele se fixou em Jerusalém como rei, chamando também o lugar de cidade de Davi. Foi nesse periodo que tudo de mal lhe aconteceu. E o processo de sua sucessão foi marcado por mortes fraticidas e muita disputa de poder. Sim, trata-se de algo feio. Entretanto, a construção do Templo estabeleceu um centro fixo de poder para um povo que antes adorava a Deus numa tenda móvel e sem nenhum papel estatal ou real. O Templo, todavia, virou um Palácio Religioso, um lugar de Poder Político, e também de arrecadação oficial de tudo o que dizia respeito a Deus. Era também a tal “casa do tesouro”, uma espécie de Receita Federal. Alguns séculos depois Deus mesmo trouxe Nabucodonozor a fim de destruir o lugar, não deixando dele praticamente nada em pé. Depois do exílio eles construíram outro templo, mas já havia uma outra instituição exercendo também poder de natureza política e religiosa: a sinagoga, nascida no exílio em Babilônia. Após o exílio, por mais de três séculos aquele povo esteve sob o domínio de outras nações (Persas e Medos; Gregos; e depois os Romanos). Então apareceu Herodes, o Grande, cerca de 60 anos antes de Cristo, e construiu o Templo que existia nos dias de Jesus, o qual era uma das maravilhas do mundo antigo. Jesus, entretanto, não apenas se insurgiu contra a fixidez perversa do lugar e de seus líderes, mas também anunciou que o “lugar” que se deveria adorar não-era-um-lugar, mas uma dimensão no interior; pois os que o Pai procura são adoradores que carregam o templo no coração. Além disso, Jesus olhou para o Templo e disse que ali não ficaria pedra sobre pedra que não fosse derrubada. O que veio a acontecer no ano 70 de nossa Era. 


Assim, olhando apenas para esses dois acontecimentos de fixidez religiosa, vemos que Deus se insurgiu contra tais iniciativas o tempo todo; sendo que por fim Ele anunciou que Seu Rei seria da descendencia de Davi, mas que seria Esperança dos gentios; ou seja: para todos os povos; o que, em si, já implicava na não-fixação do messiado de Jesus em qualquer que fosse a “geografia”. Já os Templos, a ambos Deus mesmo derrubou; e tudo com fortes profecias, tanto as antigas, dos profetas (que viviam em permanente estado de luta contra a fixidez real, bem como contra a fixação de “Deus” no templo), como também de vaticínios feitos por Jesus; todas predições feitas com enorme vêemencia.

Paulo, escrevando aos Gálatas, no capítulo 4, diz que a Jerusalém terrestre somente gerava para a escravidão; e, alegoricamente, diz que o espírito da fixidez religiosa que ali se instalara era filho da alma da Escrava Hagar. Daí, espirtualmente, gerar para a escravidão e para a amargura.

Os profetas, especialmente Isaías, Jeremias e Ezequiel, todos anunciavam a chegada do dia no qual o povo de Deus já não o serviria em geografias e nem tampouco mediante as exterioridades da religião, mas sim em razão de que a palavra de Deus se existencializaria neles, sendo gravada nos seus corações.

Ora, em II Coríntios 3 Paulo faz a comparação entre os espírito da fixidez escravizante, e a liberdade que em Cristo se pode e deve ter a fim de que a Graça de Deus não seja vã em nossas vidas.

Nada foi mais ofensivo à Paulo do que ver o povo chamado para a liberdade se colocar outra vez sobre jugo de fixação escravizante, sob o “aio” da Lei; a qual, em Cristo, já havia sido morta e sepultada; não tendo ressuscitado com Jesus ao terceiro dia. Daí ele mesmo, Paulo, dizer em Romanos 7, que em razão de “Tal Feito” (Está Consumado), agora todos nós ficamos viúvos da Lei a fim de podermos contrair “novas núpcias” na aliança eterna da Graça; e isto conforme as profecias antigas, todas encarnadas em Jesus.

Ora, o que se tem, a fim de que não se prolongue muito essa resposta, é que há uma necessidade intriseca e de natureza pagã em toda alma que não se ponha sob a Graça de Deus. Paulo garante que somente com consciência da Graça não se retrocede à Lei, como também, somente mediante ela, a Graça, não se descamba para a liberdade que escraviza: a libertinagem.

Assim, estamos diante de uma Síndrome de duas faces: aquela que possui os que, pela insegurança que se casa com a perversidade, querem mandar, dirigir, governar, e representar “Deus” na terra; ao mesmo tempo em que se tem o povo; sim, o povo! — o qual, na maioria das vezes, diz desejar e amar a liberdade, embora, de fato, a tema muito mais do que a escravidão.

No primeiro caso o surto é uma Síndrome de Lucifer. Afinal, foi na Assembleia Celestial que o querubim da guarda surtou de narcisismo. Foi a luz que não foi vista como tal na Luz de Deus, aquilo que enebriou e cegou até o arcanjo. Assim, o lugar onde as maiores perversidades acontecem é aquele onde se diz que Deus está. Sim, porque a fusão da idéia de um Deus-de-lugar + a exaltação narcisística de Seus supostos “representantes”, produz o que de pior pode surgir na alma, que é uma perversa síndrome de onipotência. E o pior é que ninguém que se exponha a tal realidade jamais consegue escapar dela.

Já aqueles que seguem e se submetem, seja pela ignorância ou seja pela insegurança, preferem um “rei” tirano do que apenas serem conduzidos pelo juizo de Deus em suas consciências e corações; por mais que isto lhes seja a pior coisa desta vida.

Isto porque o povo não quer liberdade mesmo. Não! Ninguém se engane! O povo gosta de “rei”, de “senhores”, de “paipóstolos”, e de toda sorte de figura de pagé ou xamã que tire dele a responsabilidade de viver Deus em suas próprias consciências; mas antes preferindo entregar a condução de suas existências aos que se arvoram a representantes de Deus na terra.

Daí, apesar da Palavra da Graça ser um chamado à liberdade em Cristo, com o surgimento de uma consciência que cresça conforme o Evangelho; e ainda com a liberdade de ver tudo como lícito, cabendo agora ao homem usar a consciência a fim de ver o que convém ou não, e o que edifica ou não —, a maioria não quer isto; seja pelo vício pagão da condução do pagé, do xamã ou da figura totêmica; ou seja pela falta de vontade de andar com as próprias pernas; posto que liberdade é algo que não é fixo; mas que demanda sua apropriação todos os dias; e sempre conforme a chamada “renovação da mente”, de acordo com Paulo.

Desse modo, o Caminho Largo é justamente esse no qual vai tudo… No contexto do Evangelho, segundo Jesus, os poucos que estavam “acertando” o caminho estreito e que conduz a vida, não eram os da religiosidade fixa, dos quais os fariseus e outros daquela época, serviam de perfeita e desgraçada ilustração. Para Jesus o Caminho Largo era feito de líderes religiosos que tiranizavam o povo; bem como era feito de todo aquele que não cria na “coisa única” que importa, que é apenas seguir a Jesus no caminho da existência, à semelhança de Abraão, que seguia sem saber para onde ia…

Na realidade o espírito pagão é prevalente dentro do cristianismo desde quase sempre. As lutas apostólicas do primeiro século todas se concentravam na angustia em relação a essa atração pagã-existencial que habita a todo coração que não encontrou a Deus como amor, e que não se deixou ser uma carta viva de mandamentos de amor, inscritos no coração.

Isto porque à semelhança de um rei-tótem e também à semelhança de um lugar de adoração fixa e fetichizada, o coração humano em geral, e, sem escapatória a alma “cristã” também —, troca qualquer risco de liberdade pelas cebolas do Egito.

A alma pagã prefere uma opressão conhecida do que a liberdade aberta à vida e à surpresa do Novo em Deus!

Desse modo, o que sempre se tem é um grupo de inseguros-surtados sofrendo da fascinação da síndrome de Lúcifer; ou, então, tem-se a multidão dos que trocam a própria-consciência-própria, pela tutela de alguém que seja o responsável por conduzí-la a “Deus” por meio de mecânicas rituais, morais, legais ou mágicas.

Além disso, tal espírito é carregado de justiça-própria, visto que procede da oferta de Caim, e não do sangue simples trazido por Abel, apenas com fé. Por esta razão, quanto mais se oferecer mecânicas, campanhas, sacrifícios, e grandes rigores e controles exercidos em nome de Deus, mais gente haverá de se deixar levar por algo que não chama as vísceras da consciência para a luz do dia, mas que carrega em si a promessa de ser algo que apenas trará resultados se os ritos e despachos forem realizados.

Assim, os que lideram se tornam sádicos; e os que são liderados se tornam masoquistas!

Sim, sado-masoquismo é o espírito prevalente na religião, seja ela qual for; mas será tão mais desse modo quanto mais a lei e o moralismo foram o caminho de auto-justificação.

Afinal, desse modo, os que lideram, orgasmam em si mesmos pela realidade do poder de controlar as almas humanas; e os controlados se sentem seguros mediante a transferência de responsabilidades que fazem, jogando sobre a religião e seus senhores a responsabilidade pela condução de sua vidas.

Portanto, como não poderia deixar de ser, volta-se aos mesmos paradigmas do início: o rei reinará e o povo pagará a conta de sua insegurança chamando-a de segurança e fixidez.

E mais que isto: também quanto mais pompa de horário marcado para a visita de Deus, mais gente ali se achegará; pois, sendo a alma pagã, o que ela mais ambiciona é ter um “Deus” que venha em horas marcadas; o que é idolatria de natureza invisível; porém igualmente feita de gesso e pau psicológicos.

Assim, meus amigos, podemos dizer que quanto mais dura a coisa for, e quanto mais exploração houver, mais gente haverá interessada em fazer a trasnferência de responsabilidade para os líderes ou para a “igreja”.

Foi uma situação deste gênero que fez Paulo, escrevendo aos Gálatas, no capítulo 5, dizer que gostaria que os legalista-sado-masoquistas (e que tinham a fixação no rito da circuncisão), no ato compulsivo de cortar o prepúcio dos outros, numa fimose religiosa —acabassem por castrar a si mesmos!

Portanto, podemos dizer que tudo aquilo que, em nome de “Deus”, oferece muitas e muitas dificuldades, produz sempre interesse muito maior do que a oferta da salvação gratuita e simples. Sim, à semelhança do general Naamã, quase todos desejam uma boa mandinga, um movimento de mãos, um passe, uma oferenda, uma performance feita de gestos mágicos; mas não desejam a simplicidade de uma palavra simples que salva e cura.

Assim, infelizmente, há os loucos que se orgasmam na tirania; e há os milhares de fracos e tolos, os quais preferem uma existência sob controle dos outros (em nome de “Deus”), do que a simplicidade da Palavra da Graça. Afinal, quanto mais difícil, mais a alma pagã pensa que agradará ao “Deus das dificuldades”.

Vou parar por aqui por ter que sair para dar conta de alguns deveres de casa, como pegar a filha no trabalho, e coisas do gênero…

Espero ter sido de alguma utilidade, ainda que reconheça, conforme disse no início, que a complexidade do fenômeno não poderia ser esgotada com simplismo destas minhas palavras.

Um beijão pra vocês dois; e para todos os amigos “do Caminho”.


Nele, e em nada mais…

 

Caio

 

2004

 

 Academia de Tênis

Brasília

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