CARTA ABERTA DE MEU PAI À MAÇONARIA

 

 

 

 

 

 

 

A carta que segue é uma resposta de meu pai (Caio Fábio D’Araújo) ao Dr. Athos Vieira de Andrade, que dele pedia apoio para contestar a medida do Supremo Concílio da Igreja Presbiteriana do Brasil acerca da Maçonaria.

 

Ora, conquanto meu pai tenha muitas coisas a dizer ao Supremo da IPB, no caso em questão, sendo co-beligerante com a verdade do Evangelho, independentemente dele concordar ou não por inteiro com as medidas conciliares de qualquer tempo, pois, sendo um homem do Evangelho nunca negociou a sua fé (o que com ele aprendi; e não tenho como esquecer) — aqui expressa sua convicção sobre a Maçonaria e acerca da decisão do Supremo Concílio da IPB.

 

 

Caio Fábio Filho

 

Filho desse verdadeiro apóstolo da simplicidade do Evangelho, e que nada mais quer se não ser servo de Deus e dos homens — conforme sua vida grita até hoje!

 

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Manaus, dezembro de 2006.
 
 
Carta-aberta ao Dr. Athos Vieira de Andrade
 
Querido irmão:
 
Preliminarmente, explico porque me dirijo ao irmão em carta-aberta.
 
Recebi o “Manifesto Presbiteriano” que me foi encaminhado e, de pronto, me veio à mente conversar um pouco sobre o assunto, não só pelo meu amado irmão, mas em razão de muitos outros que, ou pensam na mesma linha de exposição do Manifesto ou estão interessados na permanência da decisão do Supremo Concílio.
 
Já completei 80 anos. Enxergo pouco, mas devagar li o Manifesto todo. Depois de lê-lo, enchi-me de recordações dos ambientes conciliares, mormente o de 1970, quando o Supremo se reuniu em Garanhuns – PE, sendo eu “marinheiro de primeira viagem”, novo no ofício de presbítero e um dos representantes do Presbitério de Niterói àquela reunião ordinária.
 
Lembro-me claramente da figura simpática do meu irmão Athos naquele e em outros momentos, preenchendo os espaços de tempo ociosos da reunião, relatando histórias espirituosas oriundas de ambientes domésticos de igrejas nos interiores do País.
 
E então me veio a idéia de conversar com o irmão sobre o assunto do “Manifesto”, na presença de muitos outros, como se estivéssemos numa grande sala, respeitosamente, tratando de assuntos de interesse espiritual da Igreja do Senhor Jesus.
 
Conversar com humildade, transparência e total dependência do Espírito, para aproveitamento de todos; isto é, do Corpo, em unidade de espírito, e consciência em fé; e jamais em espírito de divisão ou contendas que arrastam invariavelmente para o clima de impiedade. E como quero conversar com o meu irmão e também com muitos outros irmãos, e estando nós fisicamente tão distantes e em vários lugares, confirma-se a razão desta carta-aberta.
    
Não quero ater-me ao bem elaborado Manifesto, fruto de sua reconhecida capacidade cultural, para sobre ele lançar diretamente qualquer contraditório.
 
No temor do Senhor Jesus, quero que o Manifesto esteja aí e eu aqui como seu humilde irmão, que o preza e ama, desejoso de ver o Espírito Santo esclarecendo os corações de todos os filhos de Deus na Sua Igreja.
 
Está escrito que a revelação da Palavra esclarece e dá entendimento aos simples. Para quem recebe esclarecimento espiritual, certos assuntos se tornam em plena luz. Entretanto, com certeza, a revelação é obra exclusiva do Espírito de Deus. Quando Ele revela, o convencimento do tornar-se natural e independente de conteúdo ou cabedal humano, por mais enriquecido e profundo que seja.
 
Muitas vezes tenho visto pessoas em dificuldades para exercitarem uma fé simples, exatamente por causa de “saberes contraditórios”.
 
O que é do homem vai passando… não fica. O que é do Espírito é eterno. Jesus disse que fora Dele tudo o que se vai fazendo – a alma do homem tem capacidade para realizar muitas coisas – é NADA. Pensamentos profundos, filosofias socráticas ou o que for; tudo sem Ele NADA é!
 
 
Agora, quero falar de coisas do meu coração. Pensamentos que ficaram girando dentro de mim, como se eu fosse tirando do “meu bom tesouro coisas novas e coisas velhas”, na noite que se seguiu à leitura do Manifesto.
 
Como leio devagar, pareceu-me que o mastigava, sentia sabores variados mesclados com lembranças dos tempos em que advogava. Sentia também a alegria dos dias iniciais da minha conversão a Cristo, gostosura do meu primeiro amor, revolucionador suave, porém firme, dos meus valores de então.
 
As recordações me fizeram mais moço.
 
Senti-me na década dos meus 40 anos!
 
Então, Athos, ouça o meu coração e dê-me licença para que eu fale alto, na figurada sala em que estamos reunidos com outros irmãos em Cristo.
 
Voltemos ao ano de 1970: o Presbitério de Niterói houve por bem fazer-me um dos seus representantes à reunião do Supremo, em julho daquele ano.
 
No início fiquei hesitante, mas logo depois disse comigo mesmo: “Que beleza. Estou tendo oportunidade de conhecer centenas de irmãos espalhados pelo Brasil, que têm as rédeas institucionais da IPB para fazê-la mais atuante, mais espiritual e mais evangelística”.
 
E fui!…
 
Fui alegre, sorridente, na companhia de dois outros irmãos representantes, um deles o meu querido e meigo pr. João Gomes Neto. Garanhuns, cidade simpática, clima bom! Estava animado… aproximamo-nos do local da reunião… Que susto para mim!
 
Extensas faixas atravessavam a rua de um lado para o outro. Nelas estava escrito: “A Maçonaria saúda o Supremo Concílio na sua reunião ordinária”.
 
Eu estava no ônibus ao lado do pr. João Gomes e, surpreso, perguntei-lhe: – “Escute, a nossa igreja tem alguma coisa com a Maçonaria?” Ele, calmamente, bastante exercitado no ministério, me respondeu: “Infelizmente tem e, nesta mesma ocasião há irmãos candidatos a cargos no Concílio com entusiasmado apoio de irmãos maçons, em concorrência de acentuado critério político”.
 
Eu quis voltar da porta, mas ele me disse: “Dr. Caio, ajude-nos na Caminhada!”
 
Eu sosseguei e disse comigo mesmo: – “O Senhor esclarecerá!”
 
Irmão Athos, eu estou hoje vendo a realização de esperança acalentada há mais de 36 anos e ficaria triste se por qualquer forma houvesse algum recuo do Supremo na decisão amorosa, prudente e notoriamente subordinada à ação do Espírito Santo, com evidente manifestação cristã do Plenário.
 
Prossigo mais um pouco: na minha infância sempre ouvia conversas de adultos com meu pai, que registravam no meu espírito não ser conveniente ao católico-romano tornar-se maçom. Não tinha nem como entender qualquer coisa, mas o registro ficou. Mais tarde, já Promotor de Justiça no interior do Estado do Amazonas, por alguns dias, recebi a visita de meu velho padrinho de 85 anos, seringalista, sem quase escolaridade, mas detentor de boa cultura, inclusive de um alemão-coloquial invejável, segundo entendidos.
 
O velho homem estava entusiasmado porque o afilhado também oriundo dos seringais, era agora autoridade no município de seu nascimento. Coisas do passado!
    
 
Houve uma hora em que meu cioso padrinho me perguntou de choque: – “Já lhe convidaram a ser maçom?”
 
Respondi-lhe que houve uma sondagem do escrivão (só tinha um na cidade), mas o assunto parou.
 
Minha resposta negativa refletia decisão.
 
Ele então me disse: – “Você faz bem. Sabia que eu fui maçom grau máximo e que deixei tudo de lado por um simples raciocínio que me inquietava”?
 
Ele continuou: – “Há muitos maçons honestos, mas, contrariamente, meu filho…”
 
Aquele velho companheiro de meu pai na extração do leite de seringa, continuou com um rosário de instrutivas histórias…
 
Eu morava perto da Maçonaria.
 
A cidade encravada nas barrancas alagadiças do rio Purus era cercada da Floresta, obviamente com suas casas construídas de madeira. Assim, facilmente se ouvia sons, ruídos, gritos e palavras do interior do recinto da Loja Maçônica, nas programações variadas.
 
Um dia alguém me disse que um iniciante com olhos vendados fora levado à presença de um “venerável” declarando que vinha das trevas em busca de luz.
 
Imediatamente, cruzaram-se-me indagações: trevas, busca de luz, templos (ou lojas), filosofias, batismo, irmandade, segredos a “sete chaves”…!
 
E eu ainda não era crente!
 
Naquele tempo, meus pensamentos eram apenas pensamentos de uma curiosidade sem respostas.
 
Hoje não!
 
O Evangelho, na revelação do Espírito, me deu certezas. O Espírito quando opera deixa marcas bem impressivas na alma. Um crente em Cristo Jesus que saiu das trevas para a Sua maravilhosa luz, “nunca – jamais”, em tempo algum, em qualquer circunstância e em qualquer ambiente, pode dizer que está “em trevas em busca de luz”; na tentativa de recebê-la mediante proclamação de um homem feito venerável.
 
Jesus é a Luz. Quem Nele está, não anda em trevas mas, contrariamente a isto tudo, tem a luz da vida.
 
Disse mais, que aqueles que estão Nele, são luz; evidenciando o lindo ensino de que os que cremos somos Corpo de Cristo manifestando a Sua vida no mundo em trevas.
 
Esta convicção que temos, é fruto da própria luz de Cristo e da iluminação do Espírito regenerador e renovador, no sentido profundo e sublime de purificar corpo, alma e espírito, criando o homem à imagem do Senhor.
 
Eu sei que estou falando de coisas em degraus de uma carreira longa. E sei que nem todos nós, estamos agora, pisando em alguns deles. Sei ainda, que o Senhor ama os Seus filhos e está atento aos passos de cada um, nesta nossa escalada presente, cheia de lutas e aflições, sei também que a revelação precede à fé que a ela segue espontaneamente; e que apenas através do Espírito é que temos o entendimento plenamente aberto às Escrituras, conduzindo-nos em toda a verdade.
 
O evangelista João nos fala deste ensino de Jesus.
 
As energias do homem são muitas. A capacidade da alma do homem é grande. Podemos fazer e pensar em muitas coisas portentosas, mas o salmista pede ao Senhor que lhe sonde o coração e analise os seus caminhos…
 
Muitos dos nossos problemas não são tanto o estarmos errados, e sim, passarmos tanto tempo sem reconhecermos o erro!
    
Meu irmão Athos: falaram-me em segredos; etc. Para nós, em Cristo não pode existir algo desse jaez. Se são coisas más, não devem estar conosco; se são coisas boas, devem estar ao alcance de todos. Em Jesus, não cabe egoísmo fisiologista ou classe ou categoria. Há sim, espírito de humildade, de cooperação, de compartilhar em edificação, para alegria, santidade e crescimento do Corpo no qual todos devem ser um, estando em UM só.
 
Sinceridade, autenticidade e franqueza, são atitudes desejáveis; e, por que não dizer essenciais!?
 
Jesus ordenou que seja o nosso sim, SIM; e o nosso não, NÃO. Disse mais: “O que disto passar vem do maligno”.
    
Irmão querido! Esta carta-aberta já se vai longa e não sei se há condições para ter espaço no nosso Jornal (Brasil Presbiteriano), em meio a muitas outras matérias que devem ser necessariamente insertas no seu bojo. Entretanto, teria outras informações salpicadas em “bate-papos” que com certeza são suficientes para dizer-se que “poderiam até me ser lícitas, mas não me convém” tratar delas, pois, em nada edificaria alguém.
 
Para terminar, sei de um fato relatado por pessoa crente, simples, autêntica, que me impressionou, dizendo eu acerca disso: “Deus é bom e ainda fala”. Não havia no relato da pessoa nem um espírito contraditório; era puro e simples relato.
 
O irmão foi convidado a ir à casa de um presbítero que estava bastante doente, dizendo a esposa do mesmo que tanto ela como o marido, estavam inquietos e desejosos de que objetos como capas, túnicas, paletós e livros trancados na estante – “fossem retirados do local”. E continuou: – “Meu marido se sente inquieto quando olha para eles”. O resultado foi o sumiço de tudo. Tiraram de lá tais coisas… Segundo a conclusão do relato, o irmão presbítero ficou alegre; e alguns dias depois partiu bem tranqüilo para estar com o Senhor.
 
Eu sei que quando nós somos muito analíticos, pé-no-chão, objetivos, somos um pouco “Tomé”; “se eu não vir …” Mas eu gosto muito mesmo é de Samuel: “… fala Senhor, que o teu servo ouve!”
 
Eu, pessoalmente, estou satisfeito com a decisão do Supremo sobre o assunto Maçonaria. Era uma esperança de décadas. Veio em tempo!
 
A igreja de Cristo precisa sempre lutar pela verdade do Evangelho, na sua sã doutrina e pureza de vida. Não vejo nela espaço para movimentos quaisquer, e tantas coisas por aí chamadas “novas”; e algumas sutis.
 
Vivo o desejo de estarmos todos em unidade de espírito, fazendo com que o mundo sinta o aroma da nossa fé, para a riqueza de bons frutos e a glória de Deus em Cristo Jesus.
 
O meu abraço, Athos, para você e para todos os nossos irmãos companheiros na nossa “sala imaginária”.
 
Que Jesus o abençoe rica e abundantemente.
 
 
Nele, escreve este irmão humilde, sincero, quase cego, mas sempre alegre com a luz de Cristo.
                                        
 
 
Caio Fábio D’Araújo
Pastor jubilado da IPB
Manaus – Amazonas
Dezembro de 2006