SEM BARGANHAS COM CAIO – “SOLA GRATIA”
Acabo de ler – aliás, de ler pela segunda vez consecutiva e ininterrupta – o seu livro “Sem barganhas com Deus” e, se as lágrimas deixarem, espero concluir esse meu incipiente raciocínio.
Faz dez anos que “levantei minha mão e aceitei Jesus” como se padronizou nos guetos evangélicos o “ser salvo”. Nessa pequena trajetória já vi de tudo um pouco (e ainda bem que foi um pouco). Aceitei Jesus numa denominação Batista, um ano depois fui parar numa igreja pentecostal (aliás brinco, dizendo que essa igreja já era “hexacostal” de tanto “poder” que havia), lá eu era professor da pequena escola bíblica, era tesoureiro e também diácono, fui “gedozista” (G12), fui Representante de Campo da Adhonep, enfim, como disse: vi de tudo um pouco.
Foi quando (em 2005) caí de um “cavalo” chamado Teologia da Prosperidade. Diga-se de passagem, que cavalo bonito! Um “quarto de milha” pra ninguém botar defeito. Suas crinas mais se pareciam com uma fina lã onde eu deslizava minhas mãos enquanto cavalgava na estrada do sucesso, suas pernas eram tão robustas que me davam a impressão de estar fincado na terra firme do triunfo eterno. Bem montado, com uma cela muito confortável, com os arreios e estribos prateados. Tudo muito “lindo” de se ver. Pois foi desse “lindo” cavalo que despenquei. E depois da queda, ainda no chão, o danado ainda me deu um célebre e sublime “coice” que fui parar na coxia da dúvida. De lá pra cá tenho procurado discernir melhor a minha existência, à luz da Palavra (“dita” e não necessariamente “escrita”). Contei com a colaboração de homens valorosos como Phillip Yancey (Decepcionado com Deus) e Fernando M. F. Oliveira (Quando a benção não vem) além de uma dose “cavalar” da voz opositora e contundente de Paulo Romeiro.
Mas “o buraco era mais em baixo” (e eu que nem sabia se tinha furo, quanto mais um buraco?!) .Eu tinha que despencar não somente da teologia da prosperidade, mas também da TMCE (cuja sigla significa: Teologia da Moral da Causa e Efeito, que também poderia ser: Tenho Medo de Crente Ensimesmado – eheh). Isso mesmo, depois de alguns anos exposto a toda sorte de ensino do “evangelho dos evangélicos”, vindos a mim em pacotes sistêmicos tão bem embalados quanto um sanduíche do McDonalds, aprouve a Deus ter misericórdia de mim e me mostrar o Evangelho da GRAÇA, onde se “come” com as mãos uma comida simples e suficientemente nutritiva: a seiva da GRAÇA.
Tanto tempo barganhando com Deus e me afundando em minhas culpas (sem desculpas) e medos, que perdi (aliás, acho que nunca havia encontrado, antes) o mais básico dos conceitos do cristianismo: A GRAÇA. Conclusão: eu era um desgraçado (sem o discernimento da graça) e não sabia. Achava que apenas em conhecer alguns daqueles ensinos pré-fabricados e aplicá-los habilmente como ferramenta de barganha com Deus, eu já tinha o que precisava para a minha sobrevivência nessa selva pragmática (e automática) do mundo “gospel”.
Aí eu me pergunto (já respondendo): é possível alguém passar 10 anos orando e lendo a bíblia e ainda assim não ter o discernimento da GRAÇA? Sim, quando ele utiliza isso como instrumento de pressão a Deus! É possível alguém gastar 10 anos “trabalhando” na obra (ensino na EBD, tesouraria, diaconato, jantares evangelísticos, pregações, etc.) e ainda assim não ser sensível a GRAÇA de Deus? Sim, quando se pensa, tão somente, nos “galardões” por Ele prometido. Sim! É possível! É muito possível que possamos passar a vida inteira (e não apenas 10 anos) pregando o “evangelho” com um carisma fantástico, construindo e super-povoando santuários com facilidade, passando seguidas madrugadas em vigília e mesmo assim não tomar “conhecimento” da GRAÇA. (e conhecimento aqui envolve muito mais que neurônios, córtex e sinapses). É possível que grandes ativistas midiáticos, “incensados” pela massa “geral” superlotem ginásios, estádios de futebol em espetáculos de “poder”, “sinais” e “maravilhas” e ao chegarem em casa se sentirem encurralados no beco do medo e da culpa por não terem sido “agraciados” por Deus com o discernimento da Sua GRAÇA.
“Sola Gratia” me arremeteu para dentro de mim mesmo e me fez contemplar a minha total incapacidade de ser justificado pelos meus próprios méritos. Eu sei que isso a gente “aprende” como pacote nas salas das escolas bíblicas. Mas eu falo de uma introspecção dessa realidade. Falo de uma mudança de paradigma.
“Sola Gratia” me mostrou o quão culpável (e indesculpável) eu sou pelas minhas falhas. Não há nada que eu faça para desfazer o que já foi feito (nem que eu faça muito bem feito), a não ser render-me a GRAÇA. Não há nenhum antídoto para esse veneno que percorre minhas veias diuturnamente (pecado) a não ser A GRAÇA.
“Sola Gratia” me desafiou a entregar-me nos braços do Deus da GRAÇA e descansar (que os “desgraçados” da TMCE interpretam como “irresponsabilidade”) na única e efetiva solução para o conflito existencial de se existir pecador (irremediável) e incapaz de redimir-se, e ao mesmo tempo querer gozar do privilégio de “ser de Deus”.
“Sola Gratia” me constrangeu a mover-me em sentido contrário ao mal, não por medo ou opressão religiosa, mas por um profundo senso de reconhecimento da bondade, misericórdia e perdão de Deus.
“Sola Gratia” suscitou em mim um incontido desejo de bradar aos quatro ventos que há uma saída (e só há uma saída – um caminho, uma verdade, uma vida) para todos os que se desesperaram com esse nosso mundo (e essa nossa carne) repletos de falhas e paradoxos. E a saída é entrar no paradoxo da GRAÇA.
“Sola Gratia” foi capaz de me fazer olhar para aqueles rapazes que mutilaram aquela criança no Rio de Janeiro ao deixá-la pendurada pelo lado de fora do carro, e dizer: ainda tem conserto, pra eles.
“Sola Gratia” me fez entender aquela frase secular que diz: “fulano está vivendo um estado de graça” pois esse é o estado que, estando nele, e NELE estando, tudo mais se relativiza (e porque não dizer, se minimiza). E agora também entendo porque alguns segmentos dos “evangélicos” se cumprimentam (como fazia o apóstolo Paulo) com a expressão “GRAÇA E PAZ”. Talvez nem eles mesmos saibam, mas a GRAÇA promove uma PAZ inconfundível, indizível, incomparável, inenarrável.
Caio, talvez essa seja mais uma das muitas cartas que você recebe e que enfatiza o seu ministério. Mas eu não tenho a preocupação em fazer massagem no seu ego, pois não tenho barganhas a fazer com você (daí o título: SEM BARGANHAS COM CAIO) e nós dois já não temos barganhas a fazer com Ele. Quero somente dizer que a sua mensagem em “Sem barganhas com Deus” encontrou eco no coração de um cearense sofrido e marcado pela pressão inquisidora da cenográfica Santa Igreja Evangélica ao longo de 10 anos em que vivi sob a forte influencia dos dogmas “gospel”. Há um tabu no nosso meio “evangélico” onde não se pode dizer que determinada mensagem (fora da escritura) nos libertou de alguns de nossos grilos (e porque não dizer sapos, cobras, serpentes, jacarés, etc?) Mas, como não temos barganhas a fazer com a “média”, aí vai: SUA MENSAGEM (que é a mais escrachada revelação das mais básicas mensagens de Jesus) ME LIBERTOU. Pronto.
Libertou-me dos meus sucessivos fracassos de tentar “dominar”, com minhas próprias armas, o mal que em mim habita.
Libertou-me das minhas dores de consciência em não ter feito o bem (que eu quero e não pratico).
Libertou-me da neurose, gerada pela culpa de algumas “maculadas” passagens da minha existência.
Me libertou da minha presunção em negociar com Deus a santidade que Ele mesmo me deu.
Libertou-me da ilusão de que a obediência a lei (ou a lista) conseguiria me manter santo. Não consigo, depois que fui AGRACIADO, conceber como alguém consegue se dizer “santo” simplesmente pelo ato (ainda que irracional) de se submeter a uma série de ordens que, para eles, não passam disso: meras ordens desalmadas.
Libertou-me, enfim, da minha arrogância em acreditar que eu poderia barganhar (em alguma instância) com aquEle que me deu Sua GRAÇA.
Tenho pena, porém, de duas classes de pessoas: a primeira é formada daquelas pessoas (assim como eu vivia anteriormente) que vivem “honestamente enganados” na mais perfeita utopia celestial onde ele controla todas as conjunturas ao seu redor, pois, afinal de contas, ele é um servo bom e fiel, dá o dízimo, lê a bíblia, ora muito, vai as vigílias, não peca (????) e faz e faz e faz….
A segunda é formada por aquelas pessoas que já ouvindo falar e entendendo com os neurônios (e fazendo as devidas sinapses) mas não discernindo no seu interior a mensagem da GRAÇA, vem executar um “estelionato evangélico” da mensagem da cruz (daquilo que está “escrito”, mas não está “dito”); e tenta usurpar do direito da GRAÇA para encobrir suas falcatruas e pilantragens (revelando assim o que há de mais podre e presente no seu consciente totalmente inconsciente: o desejo escancarado do mal). É como se a GRAÇA, pensam eles, lhe autorizasse, lhe desse uma espécie de “carta branca” ao mais desavergonhado sentimento de errar, pelo simples ato irresponsável de curtir o prazer que o erro (as vezes) promove. Errar porque eles tem um “álibi” que os protege contra alguma “rebordosa” espiritual. Pessoas que argumentam: “…já que é pela graça, (e não pelas nossas obras) então podemos pecar, pois temos a GRAÇA de Deus”. Penso que esse segundo grupo de pessoas estejam mais distantes de discernir a mensagem da GRAÇA do que o primeiro.
A vida pra mim (hoje) é como um abismo que vamos ultrapassar e existem dois “cipós” existenciais: um chama-se AUTO-JUSTIÇA e outro chama-se GRAÇA. O cipó da auto-justiça é grande, é fácil de ser visto, fácil de se agarrar, suas fibras são macias e densas. Acontece, porém que um pouco mais em cima ele está apodrecido pelo pecado e a qualquer hora pode despencar. O cipó da GRAÇA é o contrário. Ele é muito fino e difícil de (com nossa própria habilidade) se segurar. Não faz sentido alguém optar por agarrar-se nele se não for por uma ação do próprio Deus da GRAÇA. Mas ele é completamente perfeito, nele não há cupim, e nenhum tipo de deformação. Ele tem a fortaleza de cabo de aço.
Vivi até aqui “atracado” no cipó da auto-justiça, sem ter a plena consciência desse vício. Sei que tem algumas pessoas que dão uma de “macaco-prego” (mais prego do que macaco) e fica (espertamente) segurando nos dois ao mesmo tempo. Mas decidi soltar definitivamente essa corda podre do orgulho e da presunção de me conceber autônomo e passei a me submeter a essa irresistível GRAÇA, a essa “amazing grace”.
Meu próximo passo (que deveria vir antes) é ler “O enigma da graça”. Espero ser tão impactado com as verdades ali escritas quanto em “Sem barganhas com Deus”. Talvez, depois de lê-lo, seja preciso outra “carta-jornal” como esta. Desculpe-me. Mas é que o tema é revolucionário demais para enclausurar nos compartimentos da minha alma. Já imaginou Che Guevara apenas filosofando consigo mesmo todo o conteúdo revolucionário que dele emanava?
Obrigado por tudo. Sei que, nem você nem eu, conseguimos medir a grandeza desse acontecimento. Só sei que sou grato a Ele pela sua GRAÇA e a você, a quem foi confiada tão especial tarefa: a de “tirar o véu” dos rostos dos “amigos de Jó”
QUE O DEUS DA GRAÇA TE ABENÇOE.
Joaquim Magalhães
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Resposta:
Meu mano: Graça e Paz!
Eu já nasci no Evangelho crendo exclusivamente na Graça e somente nela. Devo isto aos que me ensinaram a Palavra; a saber: meu pai e o Reverendo Antônio Elias.
Além do que, vindo de onde eu vinha, cheio de tantos pecados e delitos, tomado por tantas culpas, e, de saída, encontrando possessos que falavam com voz demoníaca que diziam: “Eu te conheço. Tu eras meu e te perdi” — como aconteceu logo após a minha conversão em Manaus — tendo eu que a seguir expulsar o demônio; ou isto acontecia em consciência da Graça, ou, pela via da justiça-própria, teria que esperar anos e anos a fim de me sentir auto-enganadamente justificado pelas minhas próprias obras a fim de ter a “justiça psicológica” para enfrentar o agressor diabólico.
Entretanto, de imediato, me senti perdoado porque cri que estava perdoado em Cristo!
A TMCE (Teologia Moral de Causa e Efeito), conforme a defini em “O Enigma da Graça” e repeti o termo no “Sem Barganhas com Deus”, todavia, é a teologia do diabo; e, por ela, muita gente acaba deixando a Glória da Cruz e, assim, caindo da Graça; oferecendo sacrifícios de “bodes e touros” o resto da vida; conforme acontece com a maioria.
Infelizmente a História do Cristianismo Histórico é a história da Teologia Moral de Causa e Efeito.
Ora, nesse sentido, as três religiões historicamente monoteístas da Terra são completamente idênticas, pois, as três se fundamentam no mesmo pressuposto moral como elemento de mediação entre o homem e Deus.
Sim! Se os membros do “Cristianismo Histórico” dizem que os “Judeus da Lei” e os “Mulçumanos da Lei de Maomé” estão perdidos, de fato, o que dizem sem o saber é que eles mesmos estão também perdidos; posto que os três grupos, historicamente, não são feitos de fé na Graça que é de todo favor imerecido. E isto para tudo: da provisão mais simples, passando pela salvação, e indo até os píncaros da santificação. Sim! Pois nada há a ser bom em nós que seja ausente da Graça de Deus, pois, a “nossa suficiência vem de Deus” — e somente Dele, em Cristo, que é Senhor de todos eternamente. Amém.
Eu, no entanto, com o passar do tempo, fui vivendo a tal da vida “irrepreensível”, de tal modo que, anos depois, eu cria que tudo era Graça, mas, de certa forma, inconscientemente, passei a sentir que havia atingido um patamar de quase não pecabilidade.
O engano maligno é sutil e é profundo!
Foi também desse Pináculo do Templo que, pela misericórdia de Deus, na Graça, eu caí para cima, para o abismo elevado do chão do céu.
Esmaguei-me contra o chão da bondade de Deus. Sangrei o sangue do quebrantamento. E abismei-me em Seu amor.
E, sem nenhuma justiça-própria entre os homens, tive que andar de cabeça para baixo, visto como um caído, quando, de fato, pela Graça, eu estava andando no chão da Graça; o que põe você assim: firme de cabeça para baixo, pisando no chão do céu.
Confesso ao Pai meus pecados. Minhas ambigüidades. Minhas ambivalências. Mas o faço para minha própria cura diária, e não mais para agradar a Deus; posto que Jesus já agradou ao Pai por mim.
Confesso meus pecados para o meu próprio bem, pois, eu sei que o Evangelho de Deus não é para Deus, mas para mim.
E sei que o meu pecado está perdoado, embora eu tenha que, na Graça, andar buscando liberdade não neurótica dele (do pecado) para o resto de minha vida.
Na Graça “arrependimento” não é viver em estado de dor, mas em estado alegre de processo e de abraço do entendimento que faz a vida melhor pela mudança cotidiana da mente!
Fiquei muito feliz com tudo o que li de você. E, assim, recomendo você um grupo do “Caminho da Graça” aí em sua cidade.
Se desejar, me diga e o encaminharei ao grupo!
O mais, é sempre mais e mais…
Receba meu carinho e minha alegria pelo seu entendimento do Evangelho.
Nele, que nos faz livres do véu para o processo de contemplação da face de Cristo de glória em glória, até que sejamos transformados pela Sua contemplação, e feitos conforme a Sua semelhança,
Caio
14/03/07
Lago Norte
Brasília