GENEALOGIA DE FÉ: de Augusto para Caio

 

 

 

GENEALOGIA DE FÉ: de Augusto para Caio

 

 

 

 

Marília, Primavera de 2007.

 

Olá Caio.

 

Sou o Augusto da Bianca.

 

Gosto da lembrança carinhosa despertada em você a nosso respeito sempre que me identifico como o Augusto da Bianca.

 

Nunca esqueci o que disse em uma de nossas conversas nos anos 80: “a pessoa que mais respeito nesse mundo como homem de Deus é o meu pai”. A partir daquela conversa desejei conhecer aquele que sempre inspirou sua vida.

 

Não demorou muito. E aconteceu de forma inesperada quando estive em sua residência. Enquanto o aguardava para conversar, encontrei seu pai na sala, com a Bíblia aberta sobre a mesa, no Livro dos Salmos. Sua fisionomia era de quem olhava a eternidade enquanto meditava, parecia ver longe, ir longe. Aproximei-me, sentei ao seu lado, e olhei dentro dos seus olhos que encontraram os meus. Ele me olhou, me cumprimentou e conversou comigo. Ele falara ao meu coração com os olhos. Marcou nosso primeiro encontro com o olhar de quem fixou sua visão no Evangelho eterno. Convicção de fé inabalável foi o que vi e o que me transmitiu. Nunca, jamais, me esqueci daquele olhar que me desafiou a andar com Jesus sem perder a visão do Evangelho.

 

Sempre entendi duas coisas em sua vida.

 

A primeira diz respeito à razão de seu respeito pelo pai. Compreendi porque me dissera ser a pessoa mais importante de sua vida e principalmente na vida com Deus. Ele de fato andava com Deus na plenitude da Palavra e do Evangelho. Quem teve o privilégio de conhecê-lo comprovou no primeiro encontro.

 

A segunda se refere à herança do olhar. Você herdou de seu pai a transmissão do olhar e eu aprendi a linguagem dos olhos. Em toda convivência que Deus nos permitiu ter, eu sempre olhei em seus olhos. Como filho espiritual que desejava aprender, eu conseguia entender o Evangelho da Graça, transmitido pelo seu olhar de amor durante a pregação da Palavra. A Palavra Absoluta do Evangelho sempre brilhou em seus olhos evidenciando um Evangelho Vivo dentro de você.

 

Guardo duas coisas a seu respeito. Humanidade e fidelidade ao Evangelho.

 

Em 1981 nossa convivência teve início. Você transmitia sua humanidade com o olhar e falava também do Evangelho através dele. Hoje, em 2007, vejo que está mais humano e sempre convicto do Evangelho.

 

Eu e a Bianca não fomos abalados em nossa fé pelo terremoto que aconteceu em sua vida e muito menos nosso casamento (guardamos a gravação até hoje de suas palavras quando fez nosso casamento com o Rev. Antonio Elias, época que fomos suas ovelhas e nos preparou para o ministério pastoral) e sim comovidos por você e todos os seus.

 

Sabe por quê? Porque aprendemos a olhar com a visão do reino e entendemos o que nos ensinou acerca do Evangelho da graça. Nunca te olhamos com os olhos da fama, porque nosso olhar sempre esteve fixo no Autor e Consumador da nossa fé. Nunca te olhamos como deus, porque só tínhamos olhos para ver Deus agindo através de sua vida. Nunca te olhamos como messias, porque vimos a tua humanidade exposta dizer como João Batista “eu não sou o Cristo”.  Somos testemunhas de como cuidava das quedas dos outros. Quedas que sempre nos ensinaram a ter temor de Deus e a não julgar, a ter amor pelo que cai e a acreditar que sempre se levanta pela graça Deus.

 

Nunca nos aproximamos de você para obter qualquer vantagem, buscar projeção, nos beneficiarmos com seu nome conhecido ou qualquer adulação. Sempre que nos aproximávamos era porque queríamos ouvir a voz do pastor com a mensagem de Deus. Você sempre acessível nos recebia com amor e bate-papo. Mas, em um dos seus piores momentos, desejamos muito te visitar e compartilhar graça com seu sofrimento em comunhão com Jesus.

 

Enquanto você era massacrado pela mídia e esmagado em alguns programas evangélicos, um outro evangelho pervertido era assimilado, o da falta de perdão. Enquanto faziam seu “funeral”, seu ministério plural era reproduzido em versão artificial por oportunistas e invejosos. Enquanto davam sentença a seu respeito como perda de referência, vi cair em erros piores, outros que… 

 

Sofremos, choramos e oramos por você a cada notícia, distantes geograficamente, todavia, ainda mais próximos de Deus em seu favor. Oramos por você e tivemos a sensibilidade de orar por todos os seus e os que foram atingidos pelas conseqüências. Eu dizia a Bianca: “Ele vai se levantar dos escombros. Ele conhece o Evangelho da Graça e o Sangue da Nova Aliança está sobre ele. O Espírito não o deixará, ele foi selado e ungido. Ele conhece a Palavra. Ele tem chamado e não se chamou. Ele vai atravessar o vale da sombra da morte e Jesus vai lhe preparar um banquete na presença dos seus adversários”. 

 

Nossa atenção para com você sempre se fixou no seu conteúdo e na sua humanidade. Evangelho e Jesus Cristo como verdades absolutas pregadas e vividas. Ontem, quando te conheci, fui membro de igreja e pensava assim. Ninguém precisa ser teólogo, mestre ou doutor para entender o que está explícito nas Escrituras acerca destas verdades fundamentais. Hoje, como pastor, (formado em teologia e com conhecimento dos textos originais desde 86) tenho a mesma fé singela no Evangelho da salvação. Pois não aprendi a ler o Evangelho com diploma de teólogo, com cabeça de mestre, com título de doutor, com especialização psíquica, com tradição religiosa, com zelo farisaico, com casuísmo legalista ou qualquer outro tipo de mentalidade anacrônica.

 

Leio o Evangelho com coração de pecador e não me envergonho de nenhum pecador arrependido que tenha recebido dele a plenitude do perdão do Salvador. 

 

Não existe UNIDADE NO CONTEÚDO DO EVANGELHO no meio evangélico. Muitos negam o perdão do Evangelho para todo e qualquer tipo de pecado. Negam o Sangue da nova aliança que purifica de todo pecado. Negam a ação do Espírito Santo que convence de todo pecado. E assim sacramentam o que é diabólico no discurso de outro evangelho e diabolizam o que é a essência sagrada no verdadeiro Evangelho fechando a porta do reino dos céus. Ai destes…

 

Bem-aventurado não é aquele que nasce em lar evangélico e sim o filho que recebe pelo testemunho de vida do próprio pai a verdade do Evangelho. De Caio pai para Caio filho e de Caio filho para muitos filhos. Somos dois dentre muitos e muitos filhos espirituais que receberam o Evangelho da Salvação e foram beneficiados através do seu ministério. Graças a Deus ouvimos o Evangelho pela voz de um pecador arrependido e perdoado.

 

Quem te conheceu como pastor e conviveu com você numa relação humana sempre entendeu o que sua razão de ser queria nos fazer entender: “Meus filhos por quem sofro as dores de parto até Cristo ser formado em vós”.

 

Receba nosso beijo e nossa unidade na verdade do Evangelho.

 

Nosso carinho e nossa oração de conforto no Espírito Santo sobre você, sua querida mãe e preciosa família.

 

Nossa gratidão a Deus pela vida de seu pai, pastor-profeta, homem de visão prática do Evangelho, homem do céu com o Jesus eterno.

 

No Sangue da Nova Aliança.

 

Do seu filho espiritual que aprendeu a ser discípulo e continua crescendo na graça e na verdade do Evangelho sem se deixar levar pelas aparências.

 

Augusto Pinheiro

 

 

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Resposta:

 

 

Meu mano amado Augusto: Graça e Paz sobre você, Bianca e toda a sua casa!

 

 

 

Papai foi como o bom vinho: quanto mais curtido, melhor; e, além disso, era como o vinho novo: quanto mais novo menos misturável.

 

Ou seja: ele envelheceu cada vez mais novo no amor e na adoração. Quanto mais o tempo passava menos acostumado ao Sublime ele ficava, e tanto mais quanto mais sabia, mais simples em tudo se tornava.

 

Perguntado por pessoas que gostariam de fixá-lo no passado [como validação para algumas coisas úteis antes, porém agora obsoletas], se ele faria tudo outra vez, ele disse do alto de seus 81 anos: “Eu? Não! Faria tudo diferente. Eu continuei crescendo!…”

 

Às vezes gostaria de não ser filho dele para poder falar nele sem o temor de ser visto como um romântico exagerado acerca de quem foi o próprio pai. Entretanto, chuto o balde e falo a verdade: Ele foi o homem mais parecido com Jesus que conheci em toda a minha vida, e meu sonho é crescer para abraçar a imagem de Cristo conforme meu pai abraçou e assimilou em amor e fé.

 

Quando um homem vive como ele viveu nunca morre. Todas as pessoas que amei e que partiram [como meu filho Lukas] as vejo “idas” para o Senhor. Papai, entretanto, embora tenha ido, ficou; e ficou em tudo, pois, para nós, ele se deixou impresso tão fortemente em palavras e obras de vida que não é possível não senti-lo vivo e falando em todas as coisas…

 

Papai era uma carta viva, e andava como bom perfume de Cristo!

 

Uma semana depois de sua partida, mamãe e eu derramávamos nossas lágrimas de saudades assentados na cama dos dois, quando mamãe me disse: “Meu filho! Ele cheirava a Cristo. Cada dia ele se parecia mais com Jesus. Ele cheirava ao perfume de Jesus. Ele exalava amor de Deus em tudo!”.

 

Uma mulher que vive 53 anos com um homem todos os dias de sua vida sabe o que está dizendo!

 

No ano de 2003 escrevi o seguinte texto aqui no site:

 

Em Janeiro de 1999 eu já estava separado conjugalmente da mãe de meus filhos há 10 meses. O mundo político também já havia desabado sobre mim — todo desabamento posterior foi aftershock. Naquela ocasião ouvi o seguinte sonho a meu respeito e que me foi contado por alguém que à época estava passionalmente magoada comigo. Por isto, o sonho ganhou ainda mais significado para mim. Ela contou: “Era uma praça européia, com cara de coisa antiga. Eu e duas amigas nossas estávamos lá. Havia uma feira e muitas frutas. De súbito um alarido. A multidão correu. Uma grade alta impedia a passagem do povo para o pátio. Ao fundo um paredão de fuzilamento. Então entra você. Cinco de você. Você como eu te conheci aos 18 anos. Você aos 30 anos, alto, imenso, um gigante, só que nesse teu rosto havia um espelho, quem olhava para você enxergava a si mesmo. Você era o rosto de todos e todos viam seus rostos em você. Depois veio você como você hoje—janeiro de 1999. E depois de você com cara de hoje, veio você mais baixo, mais magro e muito mais sólido—apesar de sofrido. Por último veio você-seu-pai. Você velho, manso, sábio e pacificado. Vocês cinco foram levados para serem fuzilados. A praça se revoltava contra o ato. Eles apontaram para atirar. Mas você-de-hoje levantou a mão ao céu, exaltou o nome de Deus em palavras que ninguém entendeu, e trouxe a mão ao peito em solenidade. O que você não viu é que seu braço direito havia se tornado em espada e que atravessou seu coração. Uma criança ao meu lado chorava o choro de muitas gerações. E perguntava: Quem vai nos falar de esperança agora? Foi quando eu vi que você-hoje morreu para que você antes e você depois pudessem viver. Você vai ficar um velho sábio e pacificado” — ela concluiu. Psicológica, histórica e existencialmente esse sonho tem sido profético para mim. E, à época, vindo de quem veio, pareceu-me tomado de total soberania. Seja como for, quero ficar velho e sábio.

 

[Sonho que Alda teve em 1998. Escrito no site em maio de 2003].

 

Hoje estou aqui, com quase 53 anos, vivendo segundo o sonho o meu 4º eu na história, e caminhando para o meu 5º eu na velhice.

 

E como é bom ter uma referencia tão nítida do Evangelho encarnada bem diante de seus olhos, assim como papai me permitiu ver, entender e perceber o significado de todas as coisas boas e excelentes segundo o Evangelho em Jesus!

 

Apesar dos falsificadores do Evangelho [os quais você conhece muito bem há anos] há uma nova geração de discípulos, assim como há os discípulos de sua geração, os quais estão decididos a não entregarem as perolas aos porcos.

 

Não dá para brincar de Evangelho com essas pessoas, pois, faze-lo, é como jogar perolas aos porcos e viver para vê-los pisarem-nas e, depois, virem sobre nós a fim de devorar-nos.

 

Deus, porém, conhece os Seus; e, nesses dias, Ele mesmo parece estar desejoso de manifestar a insensatez dos que têm no ventre o seu “Deus” e na ganância a sua adoração.

 

Eu sigo a cada dia mais feliz no amor de Deus, além de viver cada vez mais na certeza de que o Espírito está criando coisa nova entre nós, e todo aquele que andar em amor e fé simples será participante desse novo tempo.

 

Você é um desses filhos que me honra como pai na fé, e me alegro em sua consistência, pois você e Bianca sempre foram assim e sempre foram os mesmos no amor e no discernimento da Graça.

 

Bem-aventurado seja você pela firmeza de seu amor e de sua fidelidade para com o Evangelho!

 

Receba meu amor grato e minhas orações em seu favor e de toda a sua casa.

 

 

Nele, que nos uniu em algo maior e que só é visto por quem provou,

 

 

 

Caio

 

20/10/07

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