CAIO, OS APÓSTOLOS ERAM FELIZES NO CASAMENTO?

 

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From: CAIO, OS APÓSTOLOS ERAM FELIZES NO CASAMENTO?

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Sent: Friday, April 24, 2009 6:03 PM

Subject: Minha família

 

Caro Caio,

Não encontrei nenhuma referência nos evangelhos sobre as esposas dos apóstolos (os que tinham) e fiquei imaginando como deve ter sido a conciliação entre eles, suas famílias e Jesus. 

Você já fez algum comentário sobre isto?

Esta minha pergunta se deve a minha frustração de muitas vezes não ser o marido “padrão” que acho (ou que acham) que deveria ser, e isto, em parte, me frustra o cristão “padrão” que não consigo ser; pois não consigo desvincular estes dois pontos. Caio, também penso que existem alguns como eu, que não realizam mais, no caminho, por se acharem menos nesta área.

Será que os apóstolos tinham todos uma família sempre feliz?  

Se não puder responder entendo que a causa é a alta demanda. Tenho me alimentado muito no seu site e sinto que tenho crescido com as leituras. Os trilhos para uma estação já chegaram, agora oro para que uma estação seja construída aqui em minha cidade.

Um grande abraço.

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Resposta:

 

Mano amado: Graça e Paz!

 

No inicio todos deixaram tudo… Pai, mãe, mulher, filhos, amigos, negócios, etc.

Por isso Pedro disse: “Senhor; e nós? Nós deixamos tudo para seguir-Te!…”

A resposta de Jesus foi: “Quem fez assim, receberá cem vezes mais de tudo já nesta vida — pais, mães, amigos, propriedades; e com perseguições”.

De fato, para nós que somos do tipo que ao se converter levanta a mão, ao aceitar a fé se batiza, e a fim de demonstrar fidelidade freqüenta os cultos e dá o dízimo — tal projeto de existência, nos moldes apostólicos, nos soa como sacrifício de católico medieval.

Conheço pouca gente que, sendo “feliz”, ao ouvir um chamado como o de Jesus, “Vem e segue-me”, com tudo o que implicava…, que aceitaria o chamado…

A maioria diria:…

“Deixa-me primeiro…” isto e aquilo.

“Deixa-me primeiro vender um campo…”

“Deixa-me primeiro terminar o que comecei…”

“Deixa-me ter um tempo para arrumar a retirada…”

E assim seria se fosse Agora!…

A radicalidade e a loucura original do convite eram tão profundos, que mulheres saíram de casa para irem servir a Jesus no caminho, conforme Lucas Oito nos diz.

Entretanto, há dois mil anos, nem os homens e nem as mulheres viam o casamento e família como nós, teoricamente, vemos hoje.

Era, então, como hoje ainda é entre islâmicos, africanos de tribos longínquas, ou como entre os caboclos da minha terra — culturas nas quais as decisões do homem são leis simples e naturais; e mais: filho de sete anos já é homem, já fica para ajudar a mãe e os irmãos…

Hoje nós somos todos feitos de algodão doce e a fraqueza do imediato desmobilizou nossa capacidade de resistência, de paciência e de decisão.

Entretanto, como seguir Jesus não é mais um movimento espaço temporal na perspectiva de que andar com Ele tenha que nos tirar necessariamente de “um dado lugar” para acompanhá-Lo, então, o chão da viagem é existencial.

Nesse sentido, quando Ele disse “Convém-vos que eu vá, pois, se eu for eu enviarei o Espírito Santo, que habita convosco e estará em vós…” — Ele acenava com o bem de poder andar com Ele com Ele andando em nós, no chão da nossa própria peregrinação.

Todavia, ainda assim, muitos ou quase todos eles, mesmo depois da ida de Jesus aos céus, tiveram que ficar longe de casa, pois, a maioria era da Galileia, e os fatos dos Atos se concentraram de inicio em Jerusalém.

Creio que os casados que tinham a família em Jerusalém não sofreram tanto, mas os que as tinham distantes, esses ficaram de idas e vindas…

Até que chegou a hora da perseguição que dispersou a maioria deles…

Paulo, bem mais tarde, escrevendo aos Corintios, afirma que Cefas [Pedro] andava e levava a sua mulher com ele, quando podia. E mais: “Assim como fazem todos os apóstolos” — completa Paulo; e pergunta: “Por que, então, somente eu e Barnabé não podemos ter conosco uma irmã que nos sirva e nos ajude?”

Ora, quando Paulo disse isso ele não queria de fato andar com uma mulher ou mesmo casar, mas, o que ele dizia era que até nesse quesito, o desprendimento dele não tinha comparações…

Quem lê a vida de Paulo logo percebe duas coisas sobre casamento:

1.Ele não era casado, caso um dia tivesse sido; pois, a existência dele não comportava um família andando ao lado…

2. Ele via o casamento como um acontecimento fora das prioridades naqueles dias; visto que, para ele, os tempos eram finais, visto que as perseguições eram reais. Leia: O CASAMENTO COMO APOCALÍPSE

Além disso, as noções de felicidade eram de outra natureza, sem as viagens de ilusão que nos acometem…

Somos discípulos da Felicidade de Hollywood, seguidores da deusa Fortuna e do deus Destino, filhos da geração dos Direitos do Homem, amantes do que faça feliz tirando do lugar apenas para fazer turismo…

Eles, no entanto, eram de outra gravidade…

Nenhum deles media de modo “americano” a felicidade pela alegria dos “kids”; e nem pela satisfação sexual da esposa; e nem pelas reuniões de família; e nem pela estabilidade; e nem pela casa própria; e nem pelo tamanho confortável e serviçal do “ministério”, como acontece hoje.

Eles não estavam nem aí para a Felicidade. Felicidade, para eles, era aprender com humildade, sentir com sinceridade [ainda que fosse o choro], buscar a justiça, olhar a vida com olhos puros, suportar a pressão com mansidão, e acolher a perseguição com exultação; pois, assim teria sido com os profetas que viveram antes deles…

De fato, outro era o paradigma:

Eles eram pessoas da eternidade…

Nós somos seres atolados na lama do tempo…

Esperar prosperidade material neste mundo para eles era algo impensável, que chegava a ser desvio da fé, conforme a gente vê nas narrativas e advertências de Jesus, tanto quanto se vê Paulo afirmando a mesma coisa.

Praticamente toda essa “fé cristã” que está sendo anunciada e vendida entre nós, seria chamada por eles, os apóstolos, de APOSTASIA.

O que se tem que saber é que Pedro, Paulo e os demais não aceitariam pregar na maioria dos cultos e eventos evangélicos…

Paulo diria: “Sai espírito Gospel, em nome de Jesus!”

Eles julgariam que estariam comendo comidas sacrificadas aos ídolos do conforto, do dinheiro, da fama, da glória, das riquezas como prosperidade divina; de brilhos e shows, de curas fabricadas, de grito e grito na falta de ter o que dizer, e, sobretudo, em razão do comercio aviltante que se pratica em quase todos os lugares.

Assim, respondo: em um mundo de homens e mulheres “machos espirituais”, nossa vida é um escândalo e nossas ambições existenciais e materiais são apenas idolatria.

Eles eram felizes por causa da glória por vir a ser revelada…

Casamento era feito de amor resistente… Filiação e paternidade eram acontecimentos responsáveis, mas não escravizantes…

Entretanto, a coisa se radicalizou tanto, que depois de um tempo Paulo advertiu que aquele que não cuidava dos seus, especialmente dos de sua própria casa, era pior do que o incrédulo, e estava negando a fé.

Todavia, em havendo casamento, os ideais do vínculo eram elevados, como entre Cristo e a Igreja.

Leia: O HOMEM E A MULHER COMO ILUSTRAÇÃO DE AUTORIDADE ESPIRITUAL

Ora, resumidamente é isso que agora possa lhe falar.

Sobre sua carta, entretanto, aconselho você a ver a razão de se sentir tão em falta…, pois, pode ser que você esteja mesmo. Porém, caso não o seja, e caso seja apenas porque você se dedica demais aos serviços explícitos do Evangelho, recomendo moderação, pois, como disse Paulo: aquele que não cuidava dos seus, especialmente dos de sua própria casa, era pior do que o incrédulo, e está negando a fé.

Se, porém, você está falando de não pregar com mais liberdade porque a esposa seja meio mocreia e os filhos uns desobedientes…; então, recomendo que tente adocicar a esposa e que não fique refém dos filhos.

Entretanto, ao invés de se comparar aos apóstolos e aos tempos antigos, veja o que você deve fazer de bom hoje, nesses nossos tempos de amor frio e indiferença glacial.   

Receba meu beijo e meu carinho.

 

Nele, que não nos fez para abandonarmos ninguém, mas para que O segamos levando quem nós possamos levar, especialmente a mulher e os filhos,

 

Caio

25 de abril de 2009

Copacabana

RJ