A IGREJA E A ALEGRIA DA MÃE
Ler João 16
Jesus estava se despedindo de Seus discípulos.
Ele era homem, e homens se despedem, mesmo que seja o Deus-homem. Homens que temem a despedida ainda são meninos. Homens não temem experimentar a nostalgia dolorosa da partida.
Jesus sabia que seria apenas uma eternidade de três dias na terra e todos os três dias eternos em todas as eternidades o “lapso” que os separaria.
Separaria?
Não! Jamais! Eles é que se sentiriam assim!
Mas Jesus sempre soube saber, e sempre soube também em favor de Sua humanidade. Ia ressuscitar Lazáro, mas chorou. Chorou sobre a nossa eternamente velha e pedrada Jerusalém terrestre, mesmo sendo Ele a Luz da Nova Jerusalém. Sim, Ele é a Água da Vida que diz “tenho sede”.
Pois bem, Ele estava se despedindo de Seus discípulos, e lhes sente e sofre as saudades que acontecem diante da morte anunciada, porém não crida. Para Ele a morte era certeza, mas para eles era objeto de negação natural, posto que o amavam. Os discípulos também eram normais, e jamais se deixariam acometer pelas alegrias de qualquer promessa de ressurreição senão depois que a Ressurreição acontecesse como vitória sobre a morte. Somente seres condicionados pelo espírito da seita é que se alegrariam com um riso cristalizado de uma ressurreição anunciada por qualquer um. Mas no caso dos discípulos era a negação em favor do amor.
Os discípulos também o amavam, e amavam com o único modo que o amor sadio tinha para amar, isto é, não imaginando a possibilidade de um desfecho final horrendo para o mestre e amigo. Qualquer outra reação falsificaria o espírito humano e a divina verdade real do próprio Evangelho.
Então Jesus lhes diz que sabia da tristeza que lhes estava visitando, e também afirma que ainda haveria muitas tristezas em seus caminhos. E lhes diz que o mundo se alegraria com a tristeza e a frustração deles, pois julgariam que a tristeza deles seria derrota, e, assim, pensariam que estariam livres dos seres mais perigosos da terra: aqueles que foram surpreendidos pela revelação da presença de Deus num homem, Jesus de Nazaré.
Além disso, o mundo espiritual que existe em hostilidade para com o caminho dos humanos haveria de ver o “ocorrido” — a Cruz — como derrota daquele incômodo apavorante, assim no céu como na Terra também, que é a Encarnação, e os que vivem por meio dela.
A tristeza deles, diz Jesus, seria como a de uma mulher que entra num difícil trabalho de parto. As contrações e os espasmos de agonia já lhes estavam visitando. Aquela ceia não estava carregada de nada mais forte que a tristeza da mais visceral despedida. O sangue de todos estava gelado, embora todos tentassem manter na mente a idéia de que o suor frio, as mãos e os pés gelados, um peso metálico na alma uma espada no coração — que era por eles negada — não era nada… só impressão.
Mas eles não tinham como explicar aquela presença que lhes atravessava no coração.
“A mulher, quando está para dar à luz, sente tristeza; mas uma vez nascido o menino, ela já nem se lembra mais da dor, pelo prazer de ter trazido ao mundo um homem” — disse-lhes Jesus.
Assim, a conversa mais radical entre homens acontece na visceralidade figurada de um útero de mulher. Espiritualmente eles eram Ela, a mulher, a noiva, as virgens, a esposa, a Nova Jerusalém. Jesus estava dando a homens a bênção de sentirem as dores de parto de uma mulher.
Nenhum homem se torna homem antes de conhecer essa dor na alma. Eles eram a Igreja, e a Igreja não é masculina, mas feminina. Ela não é macho, mas fêmea. Ela é mãe, não pai. Como diz o Apocalipse, ela é a Mulher que estava para dar à Luz um Filho Varão, que regeria as nações com cetro de ferro.
“Agora vocês estão tristes, mas outra vez nós nos veremos —será só um pouco do tempo e também todas as eternidades—, e, então, o coração de vocês ficará tomado de uma tal alegria que nada neste mundo poderá tirar de vocês.”
Assim, aqueles homens eram a noiva, eram a esposa, eram a igreja em síntese!
A igreja só é Igreja se sua alma é de mãe. E ela só tem alma de mãe quando vê e ama Jesus, o Filho Varão, em todos os seres humanos da Terra. Além disso, a única alegria da Igreja vem do seu encontro com a eternidade ainda no tempo: “Outra vez voz verei, e vós vos alegrareis, e a vossa alegria ninguém poderá tirar”.
Essa Mulher que dá à luz o Filho Varão que há de reger as nações com o cetro de Sua boca tem que viver na Terra com a alegria de uma mãe, com a felicidade e o prazer de ter trazido ao mundo o Homem. Essa Igreja é como Maria em seu cântico de júbilo; é alma que celebra o prazer de ter sido escolhida na Graça de Deus a fim de viver a alegria de amar o salvador e a salvação do mundo.
Essa Igreja não odeia aqueles que se alegram com a tristeza dela e nem com suas dores e lágrimas, pois sabe que no mundo se tem muitas aflições, mas que o Varão já venceu o mundo. Jesus disse que a nossa alegria ninguém poderia tirar, nem todas as dores do mundo. E Ele disse que quando essa consciência chegasse, essa Igreja de discípulos e amigos pediria ao Pai o que quisesse, e o faria sem medo, pois já não teria perguntas a fazer: “Naquele diz nada me perguntareis”.
Essa Igreja viveria da alegria de ser amada pelo próprio Pai. E nada substituiria nela o amor por Jesus. Por isso o próprio Pai a amaria, pois amavam ao Filho Varão. Portanto, essa Igreja não tem que competir com o Varão — Ele é que regerá as nações com o cetro de Sua boca, não a Igreja —, mas tão-somente ser a celebradora da vitória de Jesus sobre o mundo, sobre o príncipe do mundo e sobre a morte.
Hoje, no entanto, a “igreja” virou “igrejo” — egrégio concílio —, quase sempre um ente macho, que quer botar o cetro para fora como se fosse o senhor da Terra. Por isso essa “igreja-igrejo” não entende um de seus mais nobres filhos, quando diz que por eles, outra vez, “sentia dores de parto”.
Essa “igreja-igrejo” só quer ser o macho da Terra, e não a mãe cheia de Graça.
O igrejo quer mandar. A Igreja quer servir. O igrejo quer conquistados. A Igreja quer filhos, e deseja amá-los como tais.
Sim, Jesus e os discípulos estavam numa reunião de homens, mas ali se dava à Luz a Mãe que seria o útero do Filho Varão, que haverá de reger a Terra com o cetro de sua boca. Ela, porém, viveria para celebrar com o testemunho da alegria a Chegada desse Homem, que é o Salvador do mundo.
Portanto, essa Igreja é mãe feliz, é esposa contente, é noiva apaixonada, é virgem de milagre, e não tem perguntas a fazer, pois já está na eternidade embora ainda exista no tempo.
A Igreja que celebra a alegria do encontro com Jesus ressuscitado tem em si a alegria que ninguém pode tirar, e que faz esquecer todas as dores, pois já sabe que de seu útero nasceu o Filho Varão, Aquele que regerá a Terra.
Essa Igreja tem que ser discreta como Maria e apenas dizer aos homens: “Fazei tudo o que Ele vos disser”.
Caio
Escrito em outubro de 2005