Lc 8: 16-18
Jesus diz que as luzes do ser, uma vez acesas, precisam se manifestar. Ninguém deve esconde-las (16). De súbito, entretanto, Ele aparentemente muda do tema da luz para aquilo que está oculto e que terá que ser revelado (17).
O tema da luz é tratado com certa relatividade, pode acontecer ou não. Mas uma vez tendo acontecido como luz em nós, tem que ser manifestado.
Já aquilo que está oculto—se permanecer oculto—diz o Senhor, será inapelavelmente revelado!
“Nada há oculto, que não haja de manifestar-se, nem escondido que não venha a ser conhecido e revelado”.
Então, outra vez, a seqüência aparentemente muda e Ele passa a dizer:
“Vede, pois, como ouvis: porque ao que tiver. se lhe dará; e ao que não tiver, até aquilo que julga ter lhe será tirado”(18).
Estamos acostumados a ler a última parte em outros textos do Evangelho sempre de modo associado ao tema da produtividade, dos talentos e até mesmo do uso do dinheiro—conforme as Parábolas onde a declaração aparece. Daí, creio eu, ignorarmos, no texto aqui tratado a “seqüêncialidade” como tendo ligação com o tema da luz do ser.
Como prova dessa associação existe até um “pois” de conectividade, que liga os três versos em Lucas.
No texto de Mateus 5: 22-23 o mesmo tema da luz do ser é abordado. Lá a mesma lógica é aplicada—conforme o “pois” de Lucas—, só que com outras palavras:
“Portanto, caso a luz que há em ti sejam trevas, que grandes trevas serão”.
Ao que tem se lhe dará, seja em luz seja em trevas também!
Quanto mais uma árvore cresce e busca erguer sua copa por sobre as demais árvores da floresta em busca de luz, mais profundas tornar-se-ão as suas raízes.
Portanto, à toda busca de luz corresponde uma expansão na direção do subsolo!
Luz e trevas sempre fazem parte da mesma realidade. Daí Jesus não separa-las nunca!
Paulo disse também que tudo o que se manifesta é luz (Ef 5: 13).
A duração das trevas do ser é equivalente à nossa incapacidade de nos abrirmos e nos revelarmos. Uma vez revelado o que está oculto em nós—e aqui estou falando não de “segredos” mas de realidade interiores não enxergadas ou deliberadamente não admitidas—mesmo que sejam as obras infrutíferas das trevas (Ef 5: 11-12), esses elementos existenciais passam de imediato para a categoria da luz, mesmo que sejam horríveis aos nossos sentidos e valores.
A soma espiritual de tudo isso é a seguinte:
1. Luz e trevas se correspondem no ser.
2. A busca de luz sempre deflagra um inevitável processo de revelação de sombras. O surgimento da luz cria as trevas como sombra e desconforto para a alma.
3. O ocultamento das sombras sempre escurece as luzes do ser, fato esse que tornam proporcionalmente piores as trevas que daí advêm.
4. Toda busca de luz nos aprofundará também na percepção de nossas próprias trevas. O que se deve fazer é aceitar que uma coisa remete para a outra e, ao invés de nos ocultarmos, termos a coragem de tirar as coberturas que encobrem todas as formas de luz—sejam aquelas classificadas como “boas luzes” ou aquelas designadas por nós como “luzes más”.
5. Daí também o “Vede, pois, como ouvis…” afirmado por Jesus. Cada palavra de Jesus precisa ser entendida conforme Ele as disse. Não entender corretamente pode nos adoecer. E como há pessoas doentes daquilo que deveria ser a cura!
Ora, uma das doenças que surgem da má compreensão dessas palavras de Jesus é aquela que “isola” a luz do seu contexto na seqüência não do texto, mas, sobretudo, da alma e de sua experiência.
Dizer o que afirmo pode parecer tolo. Todavia, o resultado psicológico e espiritual pode ser desastroso. A história do Cristianismo está aí como prova do que digo. Basta lembrar dos monges e dos mosteiros; dos ascetas e dos ermitões; dos evangélicos “santificados” e suas inúmeras neuroses e paranóias; e da quantidade enorme de cristãos que estão doentes hoje em razão de que quanto mais “rezam mais assombração lhes aparece”.
Temos que entender isto: toda manifestação da luz em nós faz revelação de todo o nosso ser, mesmo das coisas que em nós gostaríamos de não enxergar!
É a tentativa de sermos seletivos com aquilo que a luz revela em nós justamente aquilo que mais nos enferma.
Ora, se a luz for acesa em mim, aparecerá não apenas o que gosto em mim, mas uma infinidade de coisas que eu não gostaria que em mim houvessem.
Todavia, o que a Palavra recomenda não é o encobrimento, mas a revelação.
E pior: ela diz que uma vez que a luz foi acendida, não há mais escapatória—os bichos vão aparecer mesmo!
O que nos resta é não temer. Afinal, tudo isto deve acontecer ante os olhos misericordiosos do Deus de toda Graça. Por isto mesmo até aquelas coisas que não gostamos, uma vez manifestas, tornarem-se luz.
E é dessa luz—mesmo que desconfortável—que surge a possibilidade de que progressão positiva aconteça em nós, pois, ao que tiver, se lhe dará; e ao que não tiver, até aquilo que pensa ter lhe será tirado”.
Assim, nada podemos contra a verdade, senão em favor da verdade!
Quem sabe e crê, não teme!
Desse enfrentamento é que nasce o nosso tesouro interior.
Caio
Em: 11/12/2003