“Vinde a mim todos os cansados e os sobrecarregados, e eu vos aliviarei”, disse Jesus.
Ora, a salvação do cansado é Vir, não Ficar. A salvação do cansado é tomar algo, é atender um convite para sair de onde está e encontrar alívio para alma.
Mas como posso ir a algum lugar se eu mesmo não tenho forças para me ajudar?
Interessante isso. Para nós, a salvação do cansado é ficar e descansar. Jesus, no entanto, diz que o cansado tem que VIR.
Mas como o cansado andará se está cansado? Não seria muito mais digno de Deus dizer: “Todos vós cansados, ficai onde estais, e eu vos visitarei.”?
A questão é que Este que oferece o descanso está ao lado, e Seu convite não é um grito distante, mas uma súplica interior: “Vinde a mim… e achareis descanso. Tomai o jugo, e tereis alívio”.
Assim, o movimento, o Vir, não para fora, mas para dentro!
Todavia, por mais perto que Ele esteja, aquele que precisa da ajuda precisa Vir; tem de se movimentar; necessita escolher e acolher o refúgio.
Afinal, quem descansa no refúgio que não quer estar?
Refúgio forçado é prisão!
“Vinde a mim” é um convite pessoal e propõe um encontro pessoal. “Vinde a mim” equivale a “permaneça em mim, e você terá descanso”.
Todavia, nem por causa disso eu devo ficar onde estou. Eu preciso sair de onde estou em mim a fim de encontrá-lO como alívio para mim, ainda em mim.
“Permanecer nEle” é “Vir a Ele”. Portanto, é um permanecer em movimento, andando com Ele, deixando-se levar aos pastos verdejantes e às águas tranqüilas que não existem em nenhum éden terreno, mas tão-somente em paragens interiores.
“Vinde a mim todos…”, diz Jesus.
Que coisa mais linda é ouvi-lO dizer que Seu atendimento é pessoal, visto que só é para todos porque é para cada um.
Ele não pergunta pelo tipo de peso ou de carga que nos oprime; apenas aceita que pode ser qualquer coisa, e que Ele mesmo tratará com total pessoalidade qualquer que seja o jugo de agonias que possam estar afligindo a todos — portanto, a cada um individualmente.
Jesus, assim, não classifica angústias, e nem diz que certas agonias são virtuosas e, portanto, passíveis de ajuda, enquanto outras não são.
Jesus não age assim. Assim age a religião!
Não! Não é para um concurso de agonias que Ele nos convida, nem é para um vestibular de angústias, para, então, no fim, alguns serem selecionados para receber o alívio e a ajuda. Pois assim como Ele convida a todos, Ele também convida o tudo de todos, sem discriminação.
O critério que seleciona as agonias passíveis de socorro não obedece a nenhum juízo moral, ético ou religioso.
Quem pré-seleciona o candidato à ajuda é a Necessidade que faz com que o necessitado perca o senso de autocrítica e de auto-ajuda e simplesmente diga: “Eu não posso mais!”
Assim, o convite é para quem não pode mais; é para quem se cansou tanto que já desistiu, e só não desistiu totalmente porque não sabe como morrer.
Somente os que não sabem como morrer é que podem atender a tal convite, que num certo sentido só se consuma se eu digo: Morri, mesmo que ainda eu ainda exista!
O convite é para quem não sabe nem como morrer. Sim, o convite é, sobretudo, para estes.
“Vinde a mim todos vós”, diz Jesus. E, assim dizendo, Ele espera que “vós”, nós, eu, cada um, por si mesmo, decida aceitar a ajuda e Venha a Ele.
Estranho e fascinante. Eu não agüento mais, mas preciso “Vir a Ele”, o que significa fazer o movimento da rendição, da entrega total de toda autoconfiança.
O convite só se efetiva na completa certeza de que em mim mesmo não resta esperança.
O alívio só chega para quem já aprendeu que por si mesmo não chega a nenhum alívio por suas próprias pernas.
O alívio é apenas para os perdidos na impotência!
Maravilhoso e paradoxal!
Ele me diz: “Vem”. Mas eu não consigo dar nem mais um passo…
Assim, é na impossibilidade de me mover que eu me movo para onde está o refúgio.
Eu tenho apenas que dizer que não posso mais, e, no mesmo Instante, paradoxalmente, me movo para Ele, sem ter que sair de lugar nenhum, visto que o lugar sai de mim, pois a opressão é em mim, e o alívio está em mim, mas somente quando, em mim mesmo, Venho a Ele.
Quando eu desisto, vou a Ele. Então, descubro que o lugar do alívio não é um lugar, nem mesmo pode ser comparado ou medido como a distância de uma estrada a ser percorrida até chegar a Ele, onde está o descanso.
Não! É justamente por não poder ir que chego, e é por não agüentar mais que recebo o poder que me faz agüentar tudo.
“Tomai sobre vós o meu jugo, pois Sou manso e humilde de coração, e achareis descanso para as vossas almas, pois o meu jugo é suave e o meu fardo é leve”, explica Jesus.
Ele implora que eu aceite a ajuda dEle. Sim, Ele se mostra manso e humilde, e garante que o peso dEle é leve.
Peso leve. Jugo suave. Tudo isso vem da mansidão e da humildade dEle.
Aquele que me oferece ajuda é forte em Sua mansidão e humildade em Seu coração.
Que coisa linda!
Assim, aprendo que meu sacrifício quanto a receber o alívio é reconhecer que “não agüento mais”, e é “tomar um peso leve e um jugo suave”, que nada mais é do que aceitar a mansidão e a humildade de Deus como meu lugar de refúgio.
Sim, onde mais posso descansar senão na humildade de Deus?
Somente um Deus manso e humilde pode aceitar tudo em todos, e ajudar todos em tudo!
No entanto, eu tenho que “Vir”, fazendo o movimento na Permanência Nele, e que só acontece como impossibilidade de ir a qualquer outro “lugar” que não seja Ele.
Mas quem agüenta se entregar a um Deus tão manso e humilde? Quem aceita que o socorro implique em falência e desistência? Quem deseja para si trocar seu próprio jugo pelo de Outro, por mais que Este que me convide diga que seu peso não pesa?
Para receber o alívio do Deus manso e humilde requer-se do homem um ato de movimento e a coragem da troca. E pior: demanda desse carente que se declare mais que necessitado. Sim, dele se demanda que declare falência e que se movimente na declaração da impotência, e que seja humilde a fim de aceitar a falência como salvação.
Assim, a fim de me ajudar Jesus diz: “Venha”. E, assim fazendo, Ele me diz que a salvação é Ele, e que o caminho para ela reside na desistência de qualquer outra salvação que não seja um ato de reconhecimento da minha própria impotência e perdição.
Em Jesus somente os falidos são aliviados. Quem não chegou a esse ponto —onde já não se tem para onde ir— jamais saberá o significado de receber o alívio, visto que ainda é estivador de sua própria potência, e é ainda vítima de seu estado de não-falência assumida.
Bem-aventurados os sem forças para se mover, pois eles se moverão sem ter que ir a algum lugar, visto que o Lugar-Presença a eles vem. Aliás, implora para ser apenas reconhecido.
Caio
(Escrito em 12/06/2004)