Lc 7: 36-50
A leitura do texto acima é obrigatória.
É a história da pecadora que invade o banquete que Simão, um membro da seita dos fariseus, ofereceu a Jesus.
A noite corria tranqüila. Tudo conforme o planejado pelo anfitrião. De súbito, uma invasão. Trata-se de uma bela mulher que irrompe da noite, invade a casa e lança-se aos pés de Jesus.
Ela vem e solta seus longos e belos cabelos e passa chorar diante daquele jovem de pouco mais de trinta anos, beija seus pés e enxuga-os com seus cabelos.
A cena era sem dúvida sensual aos sentidos dos homens e provocativa à percepção das mulheres.
A mulher que viera do nada, no entanto, fazia isto para Jesus.
O problema é que Jesus não era para eles, ainda, quem Jesus é para nós, quem sabe?
Emanuel, Deus encarnado!
Aos sentidos históricos Jesus era apenas um mestre extraordinário, apesar de jovem. Mas era homem e era viril. Portanto, a cena chocou e gerou imediatas interpretações.
A interpretação do fariseu foi até generosa, se comparada às possíveis outras maldades que poderiam ter lhe subido ao coração.
Afinal, tratava-se de uma mulher “conhecida” como “pecadora” e Aquele que adiante dela estava era um belo e atraente homem.
Como eu disse no início a leitura da passagem bíblica é obrigatória. Nela você encontrará os detalhes que aqui não desejo repetir. Proponho-me a ir direto aos ensinamentos devocionais imediatos que o episódio sugere.
Aqui temos algumas situações extremamente pedagógicas para aqueles que se precipitam no julgamento de “aparências”, como era o caso de Simão o fariseu: “Se este fora profeta, bem saberia quem e qual é a mulher que lhe tocou, porque é pecadora”.
Que pedagogia é essa?
1. O religioso—no caso o fariseu—não é necessariamente a pessoa que mais ama a Deus. A conclusão de Jesus é que entre Simão e a pecadora, se o quesito fosse amor, a mulher estava em extraordinária vantagem (44-47).
2. O homem verdadeiramente santo não tem que ser repelente. Jesus é o “homem santo” no banquete. E de sua parte não há rejeição ao amor apenas porque as interpretações poderiam ser negativas. A verdadeira santidade, ao contrário do que se pratica, aceita correr riscos de interpretação. Os mais “santos” entre nós fariam imediatamente algo para proteger a própria imagem. Jesus não agia assim. Não se expunha ao mal, mas não fugia do amor apenas porque alguns poderiam julga-lo mal.
3. O ser humano pecador—refiro-me ao estereotipo—não tem que ser sempre imutável ante os sentidos do próximo. O veredicto de Simão trata a mulher na perspectiva de sua total não possibilidade de conversão. Se Jesus fosse profeta saberia muito bem quem e qual era a mulher que ali estava, pois, ele, Simão, não tinha dúvidas de que ela era pecadora. Jesus se contrapõe a ele não com uma lição sobre não se julgar o próximo, mas convida-o a enxergar a si mesmo, a discernir sua pecabilidade, e a crer como verdade que tanto ele, o homem, quanto a mulher—ambos deviam a Deus o que nenhum dos dois tinha como pagar (40-43). E assim fazendo Ele obriga Simão a confessar a verdade com a própria boca, não como uma teologia, mas como uma inquestionável resposta psicológica: aquele que mais tem consciência de perdão recebido, esse é mais grato e amoroso. Trata-se de uma fato da vida e acontece em seres sadios.
Nesta meditação, no entanto, o que desejo é falar sobre outro assunto. E ele se sugere com uma questão: O que eu devo fazer a fim de ser santo para Deus enquanto posso não estar sendo interpretado como tal aos sentidos preconceituosos dos demais?
Sugiro que você antes entenda o seguinte sobre essa “libertação”:
1. Isto acontece quando nossa consciência está liberta do medo do juízo dos homens. E tal libertação somente é efetiva quando estamos certos, em nossa consciência, de já termos recebido todo o perdão de Deus (42-47). Esta é a síntese do ensino de Jesus na parábola que contou ao fariseu e aos demais. Uma consciência certa de estar perdoada tem muito poucas barganhas a fazer com os homens.
2. Isto também acontece quando entendemos que o perdão que nós todos recebemos é, aos olhos de Deus, igual. Entre os homens é que uns devem mais e outros menos. Afinal, somos os inventores de unidades de valor não apenas monetárias, mas também morais. E é à partir de tais “capitais” que nos valorizamos ou desvalorizamos ante aos embotados sentidos da sociedade. Mas com Deus nada disso vale. Ninguém tem com o que pagar o que deve a Deus. Todos pecaram e todos estão igualmente exilados da glória de Deus. Daí, não tendo como pagar—não importando quem sejamos na sociedade humana—temos que implorar perdão e temos que igualmente recebe-lo. Afinal, nem Simão nem a pecadora, tinham como pagar o que deviam a Deus (42). Desse modo, a Graça superabunda quando discernimos que devemos—todos nós, igualmente—o que não temos como quitar. Assim, todos têm que se Gloriar no Senhor e depender de Sua Graça.
3. O próximo passo nesse caminho de ser santo na casa de fariseus vem do fato que essas percepções anteriores geram uma manifestação de amor que excede às reverências de hora marcada e nos remete para a explosão em gratidão a Deus na vida—mesmo que seja na casa de Simão o fariseu (44-46). Ninguém mais tem poder sobre a espontaneidade desse amor.
4. Além disso, eu diria, conforme o Evangelho, que essas são realidades somente apropriáveis pela fé. E essa fé não é fé na fé, mas trata-se de fé em Jesus, e é fruto da consciência de que Nele Deus encarnou e encarna toda a Sua Graça e todo o Seu Amor (37-38-50). Quem viu em Jesus mais que um homem ou um mestre e, tendo enxergado isto como revelação que ilumina o coração mesmo na noite mais escura, não tem mais tempo a perder com etiquetas religiosas ou de qualquer outro tipo. Aqui acaba toda diplomacia diante de Deus, e, como conseqüência, também diante dos homens.
5. O final desse caminho é paz com Deus. “Entra na paz”, conforme o texto grego (50). Daí em diante paz passa a ser não um sentimento sujeito a variações, mas um estado de Graça, apropriado pela fé na Palavra de Jesus.
Concluindo quero dizer o seguinte:
1. Ninguém tem que pecar muito para discernir a Graça, pois todos estamos sob o pecado. É, portanto, não uma questão de contabilidade de pecado mas de auto-percepção. Quem se enxerga, sabe.
2. As nossas diferenças como pecadores tem sua variabilidade observável apenas no nível moral—ou seja: quando o fariseu se compara com a pecadora—mas diante de Deus “nenhum dos dois tem como pagar”.
3. Portanto, cada um olhe para si mesmo, pois o que desvia a Graça de mim é justamente a minha tendência de me comparar com meu irmão, especialmente quando me julgo menos pecador do que ele. E isto nunca é para o bem, mas sempre para o mal.
Creio que entendendo tais coisas não julgaremos pelas aparências, deixaremos cada um ser para Deus o que cada um pode ser e, ao contrário, nos enxergaremos muito mais, o que, certamente, gerara gratidão sadia em nós, a qual, sem dúvida, não é aquela do tipo da do fariseu que subiu ao templo a fim de orar e disse: “Graça ti dou ó Deus pois não sou como os demais pecadores…”
Caio
9/5/03