Vivia em Israel um padeiro chamado Oséias.
Desde cedo seu coração sentia o pulsar da voz de Deus.
Seus olhos se abriam e ele via.
Luzes iluminavam-lhe o espírito.
Fazia pães e enquanto isto seu espírito mantinha-se alerta à Voz que vinha a ele de um lugar para além do forno.
Lá fora da padaria…
Israel vivia em estado de dissolução.
Baal e outros deuses eram adorados.
O sucesso das colheitas era sempre atribuído à interferência das pequenas divindades.
A prostituição e o adultério haviam se transformado em hobies sacerdotais.
Os ambientes sagrados eram lugares de “encontros” e o ofício sacerdotal era parte do charme da sedução.
O povo fazia somente o que era reto aos seus próprios olhos.
Deus estava com ciúmes outra vez.
Um dia Oséias ouviu a Voz…
A ordem era desastrosa!
“Toma a Gomer para tua mulher e tem filhos com ela”—ordenava o Senhor.
Ora, a mulher indicada por Deus sofria de compulsão sexual e tinha atrás de si um histórico de total falta de controle naquela área.
Gomer gostava de variar os homens e sentia o direito animal de pegar quem desejasse ou de se entregar a quem bem entendesse.
A platéia dos que já haviam assistido seus shows de desejos era enorme.
Todos conheciam Gomer intimamente.
Isso é que casamento por indicação divina!
Não se sabe o que aconteceu nos detalhes.
Pode ser que Oséias tenha se afeiçoado à ela e depois ouvido a Voz dando-lhe a ordem de casamento.
Ou, quem sabe? Pode ser que ele tenha recebido a ordem e então a procurou para casar com ela.
O fato é que não muda nada. Seja como for era grande a tragédia.
Primeiro porque nenhum homem gosta de fazer a massa, assar o pão e ver que outros é que o comem.
Segundo porque era ignominioso para ele viver, como de Deus um homem e como homem de Deus, aquela situação pública, contínua e incurável.
Terceiro porque pelo espírito do texto, Oséias se apaixonou por Gomer. Aliás, a mensagem do amor de Deus pela nação adultera e prostituta—Israel—, só faria sentido se Oséias sentisse por Gomer o que Deus sentia pelo Seu povo: amor!
Outra vez o homem é a mensagem e a mensagem é o homem!
Assim, o santo padeiro teve que fazer muito pão para outros saborearem. E teve que viver o papel do santo corno de Deus—como se fosse o próprio Deus!
Israel adulterava e se prostituía com Baal e outras divindades. Era uma orgia espiritual.
A fidelidade de Deus por Israel chegou ao extremo dessa atitude que entre os homens é inconcebível.
Os impossíveis dos homens são possíveis para Deus também no amor!
Estou contando essa história e trazendo a mensagem de Oséias para esse contexto simplificado e humano, apenas para que você entenda que certas mensagens de Deus só se realizam se a vida se realizar como desgosto e dor.
Há profecia na calamidade também.
Há amor no absurdo também.
Há Deus em todas as coisas também.
O que é mais difícil de entender é que Oséias teve filhos com Gomer e as crianças ganharam nomes de desgraça. Até os filhos tiveram que carregar o karma da mensagem.
E pior: Oséias era homem, macho. Mulheres podem engravidar da maneira mais passiva possível. Homens só fazem filhos se tiverem potencia e se ativamente participarem do ato.
Ora, isto revela muito da alma de Oséias também. A menos que você me diga que Deus deu a ordem e serviu Oséias com potencia masculina para realizar o ato. Pessoalmente eu não creio nisto.
Oséias não queria que Gomer fosse como era, mas a amava apesar disso—e também a desejou a fim de cumprir a profecia.
Os perfis desses homens de Deus violam toda nossa compreensão sobre o que seja “saúde psicológica”, conforme os padrões atuais.
Para os cristãos a situação se resolve como um passe de mágica. Dizem: Deus não age mais assim!
Será?
O que creio é que a Bíblia só é como é porque alguns homens leram não apenas os cenários da vida—por mais bizarros que fossem—, mas também leram as mensagens da vida; e essas, sempre se pareceram com a vida, exatamente como ela é.
Num mundo caído como o nosso a mensagem muitas vezes vem carregada daquilo que ela mesma recomenda que não aconteça.
É quando tem que acontecer para que não aconteça mais!
Pobres dos padeiros que tem que fazer a massa, tostar o pão no forno e servi-lo; e ver que outros é que saboreiam e comem.
Louvado seja o Senhor que faz chover, que dá a semente, que a abre em flores e frutos, que a trás o fruto da Sua Graça às mesas como pão e, ainda assim, continua nos amando quando atribuímos essa Graça aos amantes de nossas infidelidades espirituais.
Ele sente ciúmes, mas Sua misericórdia triunfa sobre o juízo.
O padeiro que o diga!
Caio
2003