ESTÁTUAS DE INSÍPIDO SAL



Vós sois o sal da Terra. Se, porém, o sal se tornar insípido, como lhe restaurar o sabor?

Séria questão. O que deveria dar gosto não tem gosto. Isto porque, claramente, a ênfase de Jesus não recai sobre todas as propriedades do sal, mas sobre o sabor.

Com isto Jesus estava dizendo que ser seu discípulo é ser provado pela língua da alma do mundo e ter gosto de sal.

Sou amazonense e sei que até os índios, uma vez tendo comido com sal, não mais passam sem ele.

A real presença dos discípulos de Jesus no mundo deve ser discernida como um encontro com o sabor, com o gosto que se torna indispensável.

Mas e quando o sal perde o sabor?

Nesse dia até as areias que ficam perto da arrebentação das ondas do mar são mais degustáveis que o sal sem gosto; e que tornou-se, portanto, insípido.

É melhor comer terra pura—e que tem seu próprio gosto, eu já comi—, que sal insípido. Comer sal sem gosto é como chupar pedra-jacaré.

É quando o sal se torna insípido que ele para nada mais presta, senão para ser pisado pelos homens!

O sal insípido tem na mulher de Ló seu arquétipo maldito. Ela olhou para trás e virou estátua de sal. É obvio que o fenômeno descrito no Gênesis tem tudo a ver com uma super-carga de material químico que atingiu a mulher, que não apenas olhara para trás, mas ficara para trás…por conta própria.

No entanto, a imagem arquetípica é perfeita. Quando o ser humano deixa de olhar para frente se petrifica em sal do mar morto.

O hebreu era aquele que andava, que ia, e que estava em movimento, mesmo quando não sabia para onde ia; porém estar parado não era seu “movimento”; visto que ser hebreu é aceitar a não fixidez como projeto de existência.

A mulher de Ló, que morara numa cidade, não podia ir…sem ver o que deixava. O hebreu deve amar o desconhecido, não temer a chance de um novo acampamento na vida. Mas os que olham para trás se petrificam…viram estatuas de sal. Habitam a segurança do monumento de sal insípido do mar que é morto.

Virar estatua de sal é o destino do sal que perde o sabor. O sal perde o sabor quando se nega a sua vocação, que é se dar.

Estátuas de sal. É imagem do homem, porém é estatua de sal.

Homens cristalizados…sal insípido.

Como lhe restaurar o sabor?

O que salva o sal é a sua dissolvência, aceitando a sua missão invisível de ser sentido sem ser visto; se não, vira monturo ou estatua de sal.

O sal tem que ter mais alegria em dar gosto do que em ser visto.

O sal tem que saber que seu papel é ser discernido, não preservado.

O sal existe para inexistir…

O sal que é visto, não é sentido; pois o sal que é sentido, não é mais visto, porque se tornou parte do sabor que anima os humanos a comer com prazer.

O sal se preserva como sal sendo capaz de se deixar comer, sumir, se tornar vida para os outros; não uma estátua de saudades de Sodoma e Gomorra.

Igrejas de sal, castelos de sal, impérios cristãos de sal, estatuas de sal…

O mundo enxerga as nossas estatuas, e as despreza; mas nós preferimos ser a estatua que se vê, que a missão de ser o sabor que se não vê.

Como lhe restaurar o sabor? Para nada mais presta, senão, para ser lançado fora, e ser pisado pelos homens.

Quem ainda tem gosto só fica sabendo quando se deixa provar; e o lugar onde se é provado como gosto, é na terra; é no chão do mundo.

Quem lê, entenda…


Caio

22/05/04