PARÁBOLAS DA TEMPESTADE
Mc 4:35-41
O texto do Evangelho é clássico: Jesus acalma a tempestade.
O contexto—versos 33 e 34—nos conta que Jesus falava por parábolas, conforme a capacidade de percepção dos ouvintes.
A seqüência é o tufão de ventos que sopravam pela depressão sirio-africana. Um fenômeno ainda hoje respeitado pelos marinheiros do Mar da Galieia. O perigo de fato existe, não em razão do mar—que não passa de um lago—mas por causa do canion que conduz os ventos quentes do deserto e os despeja sobre a depressão do lago com fúria terrível.
No meio cristão a passagem da tempestade é apenas vista como demonstração do poder de Deus sobre a natureza—o que é óbvio, pois, se Deus é Deus, Ele não está num concurso de bater o recorde de Deus—ou como interpretação alegórica de como Ele acalma as circunstâncias da vida, o que é também verdade, mas não esgota o significado da ocorrência narrada no Evangelho.
Obviamente, não sou eu, aqui neste espaço—ou em nenhum outro espaço—quem vai esgotar o inesgotável. Todavia, desejo aqui pensar no texto como uma Parábola. Até porque é disso que o contexto fala.
Jesus é Parábola!
Sua vida é Enigma!
Suas ações são todas elas mais que fatos: carregam significados e propõe parábolas para se entender a vida!
Eis aqui algumas parábolas do texto:
1. Deus nos leva para o perigo (35). Num mundo caído como o nosso, a ausência de perigo é mais perigosa que a eventual exposição ao perigo. Por isso Jesus diz: “Passemos para o outro lado”—e somente Ele sabia o que aconteceria na travessia.
2. Deus vai como a gente o leva (36). Eles o “levaram assim como estava”. O Deus que nos leva pedagogicamente para o perigo, também vai como está. Afinal, Ele não está. Ele é. Deus não muda. As trevas e a luz são para Ele a mesma coisa.
3. Muita gente vai para a zona de perigo apenas porque está seguindo outros (36b). Dessa forma, há aqueles que vivem os perigos de outros. Seguem um fluxo—por razões diferentes—e acabam na tempestade alheia.
4. Tempestades assolam a vida mesmo que Deus esteja presente (37). Faz água mesmo quando Jesus está no barco. Não há nenhuma relação anti-tética entre Deus e a tempestade. Ele criou a tempestade.
5. A apatia de Deus irrita quem está no meio da tormenta (38). “E Jesus estava na popa, dormindo sobre o travesseiro; eles o despertam e lhe dizem: Mestre, não te importa que pereçamos!”—não é uma questão, é uma afirmação irritada. E é assim que acontece conosco: irritamo-nos com Deus quando estamos nos afogando e Ele parece dormir na popa de nossas pequenas-grandes agonias.
6. Um salto de Deus aquieta tudo (39). Ele pode dormir na popa do barquinho, porque somente Ele, de uma levantada, pode acalmar tudo.
7. A tempestade deveria servir mais para que nos conhecêssemos do que para que conhecêssemos o poder de Deus (40). Depois que se sabe que Deus é Deus, nenhuma performance divina deveria ser vista como “demonstração” do poder de Deus sobre as coisas. Todas as coisas vêm Dele. Portanto, não há poder de Deus sobre nada. Tudo existe em Seu poder. Jesus usa a tempestade não para dizer-nos o que Ele pode, mas o que não deveríamos deixar acontecer conosco na hora da tormenta. É por isto que Jesus se volta não para a reflexão do poder de Deus “fora”, mas do poder de Deus “dentro” de nós (41). Assim, Ele nos chama para que olhemos para o nosso próprio coração e para os nossos temores, fobias e medos.
A conclusão é simples:
Jesus não está nos mostrando como Deus é poderosos sobre a natureza que nos circunda.
Acalmar ondas é fácil.
O difícil é acalmar coração.
As ondas são submissas.
O coração é rebelde.
As ondas não oferecem resistência ao Criador.
O coração, sim, é resistente.
E, nesse caso, o convite divino é para que unamos à Voz do Senhor o nosso consentimento em fé.
Assim, quem sabe, desse modo, chegará o dia quando iremos nos abraçar a Ele no meio da tempestade e dormir quietinhos aos Seu lado.
“Quem é este que os ventos e as ondas repreende e a Ele obedecem?”–não deveria fazer-nos ficar impressionados com o que Deus pode “fora”, mas com o que Ele pode realizar dentro, onde a maior façanhas e fazer-nos não ser tímidos e nem sem fé.
Caio Fábio