PEDACINHOS DE DEUS ESPALHADOS POR AÍ…
Cada ser humano carrega um pedacinho da divindade.
A imagem de Deus em nós não consegue se esconder.
Quando eu era menino de seis anos, um ladrão começou a invadir o escritório de advocacia de meu pai.
Todos os fins de semana havia roubo.
Meu pai decidiu colocar alguém de vigia a fim de flagrar o ladrão.
Era um sábado a tarde quando o velho telefone tocou.
“Ah! Sim! Pegaram!? Que bom! Como? Certo! Certo! Entendi. Não me diga! Já estou indo!—disse papai, tendo começado a conversa feliz e terminado-a abatido, desolado.
Não havia segredos entre nós. Papai me trata como se eu fosse um homem. Me pedia segredo acerca de coisas importantes. Eu dava segredo. Nem mamãe sabia de algumas coisas.
Por conta dessa cumplicidade, papai havia me prometido que me levaria para ver o gatuno quando este fosse apanhado.
“Foi o ladrão?”—eu queria saber.
Ele respondeu que sim, mas não fez menção de me levar. Eu fui logo insistindo, e tanto fiz que acabei no banco de trás do carro, porém com a instrução de permanecer ali até segunda ordem.
Paramos à porta do escritório e papai subiu as escadas. Depois desceu lívido.
“Quem é, papai?”
“Meu filho, você não pode saber”—disse ele em tom gravissimo.
“Não posso? por que? O senhor prometeu!”—tentei cobrá-lo.
Ele ficou em silêncio. Papai fazia todo o possível para não desfazer qualquer acordo de palavra.
“Olhe, meu filho! Todas as pessoas são iguais, e todas elas podem fazer qualquer coisa. Se você me prometer que se ficar sabendo quem é a pessoa, mesmo assim, não vai mudar com ela, então deixo você saber quem é. Você promete? E promete que ninguém mais vai ficar sabendo?”—indagou ele olhando com gravidade dentro dos meus olhos.
Disse que sim. Ele me levou até ao segundo andar e me introduziu na sala onde estava o ladrão.
Era uma pessoa ligadissima a nós, e que morava na vizinhança, e cuja a família compartilhava de nossa intimidade.
Foi um terrível susto, e uma extraordinária lição!
Nunca mais na vida eu perdi a noção de duas coisas:
Em toda humanidade existe perversão; e mesmo que seja no pervertido, ainda assim existe divindade.
Obviamente que a evolução dessa percepção foi gradual, mas o principio se instintuou em mim desde então.
Sempre separei as pessoas de suas manifestações de comportamento e de episódios de desgraça. Sobretudo, sempre vi que não existe alma humana, por mais deformada que tenha ficado, que ainda não carregue uma centelha do divino.
Vi isto em Bangú I, nos três anos de visitas que fiz ao presídio.
Os olhos, no entanto, mais escuros pela ausência da centelha de Deus que eu já vi, não os vi atrás das grades, mas nas caras de alguns representantes da religião, ou em fanáticos possessos de arrogância.
Nesses olhos fica mais difícil discernir a centelha que em muitos olhares enlouquecidos de criminosos produzidos pela miséria e pelo desespero.
O que mais angustia os cristãos, no entanto, é ver a Graça de Deus se derramando sobre gente que não carrega o selo de aprovação do dom pela religião.
É o conflito de Sallieri com Mozart.
Aquele católico, pudico e moralista, jamais poderia conceber que sua devoção moral e religiosa não lhe garantissem diante de Deus a certeza de possuir um dom maior que o de Mozart.
Era a morte para ele. Sallieri morreu de Mozart!
Somente enxergando a vida com o olhar da Graça de Deus é que você pode discernir esses dons e talentos da Graça—e não me refiro a dons e talentos apenas como capacidades “operacionais”, mas também como “estado” e “consciência”—em todo ser humano.
Alguns fazem péssimo uso de tais dons.
Outros potencializam ao máximo essas bondades de Deus.
O importante é andar com os olhos de Barnabé, chamado o justo, que via a Graça de Deus sobre os outros, e se alegrava sempre que a encontrava, mesmo que fosse num contumaz inimigo, chamado Saulo de Tarso, e que acabara de declarar, para descrença de todos, que ele também encontrara a Jesus.
É pela falta desse “olhar de Barnabé” que muitas riquezas e tesouros do amor de Deus não encontram lugar de conforto na igreja.
Falta à igreja olhar a vida com bondade!
E nada deveria ser mais natural para ela do que ver desse modo. Afinal, ela é quem declara que todos os homens foram feitos—e continuam a carregar a imagem de Deus—; e, portanto, deveriam ser contemplados pelos que são gente boa de Deus na terra com o olhar da reverência e do interesse devocional.
Até o chato carrega dom em sua vida. O problema é que ele usa chatamente o seu dom.
Vivemos num planeta inundado de reflexos de Deus, ao mesmo tempo em que nas existencias de muitos, essas centelhas se esforcem por não perecer, fugindo assim de desaparecer na sombra do ser.
Com que olhos você vê a vida?
Cada um vê a vida com a luz de seu próprio ser.
Tome cuidado, portanto, para que aquilo que deveria ser a tua luz, não venha a declarar a sua própria escuridão.
Ainda assim, será uma ser criado à imagem e selhança de Deus escondido nas sombras de seu medo de amar e se abrir.
Nele,
Caio