SÍNDROME DE NAZARÉ
Mc 6: 1-7
Jesus e seus discípulos vinham de muitos sucessos—do ponto de vista dos discípulos, pois, Jesus não acreditava nessas coisas conforme as designamos em palavras.
A leitura do contexto de Marcos—mesmo que a ordem das seqüências em Mateus e Lucas não seja idêntica—nos revela uma música grandiosa tocando no fundo das ocorrências. Se fosse uma sinfonia estaria sendo ouvida num daqueles momentos de clímax.
Para trás haviam ficado fatos de graça tais como: Parábolas maravilhosas, o Mar da Galieia acalmado como servo manso, o Gadereno mais liberto que a liberdade sabe ser, o Chefe da Sinagoga rendendo-se ante a necessidade e a certeza de que em Jesus havia Deus, uma mulher horrivelmente sofrida recebe a cura para a menstruação crônica que veio a se tornar no mais famoso corrimento feminino da história, e a filha de Jairo—o chefe da sinagoga—ressuscitara do sono da morte.
Era uma seqüência de fazer enlouquecer qualquer um de qualquer Síndroma de Sucesso. Nesse caso, seria chamada de “Síndrome da Galieia”.
Então o Evangelho diz que Jesus foi para Nazaré com seus discípulos e grande multidão. Parece proposital que logo depois de ter sido objeto de todas as percepções positivas, Jesus agora se exponha ante os olhos dos discípulos como um jovem de pouco mais de trinta anos que retorna à vila onde nasceu.
Ele fala na sinagoga local e sua palavra “maravilha”. Todavia, na mesma medida em que maravilha, escandaliza. De Nazaré não pode sair nada bom!—afirmam os nazarenos, julgando não a Jesus, antes porém a si mesmos.
De fato eles não afirmaram isto com palavras, mas com questões e atitudes que falam a mesma coisa.
“De onde vem a esse tais coisas? Como sabe letras sem ter estudado? Como lhe foi dada tal sabedoria? Não é ele daqui? Não vive entre nós a sua parentela? Não é esse o carpinteiro?—então, querem saber, “como pode ser que tenha o que não temos, saiba o que não sabemos e seja mais maravilhoso que qualquer outro pessoa?”
Assim, não podendo admitir a livre manifestação da Graça acabam se excluindo dela com a lógica inversa: “Se é de Deus o que ele tem, então, por que ninguém aqui não expressa a mesma graça?”
Se não se olha a Graça de Deus com um olhar de Graça, ela tanto nos maravilhará e nos deixará fascinados, como também nos remeterá para o escândalo.
A percepção da Graça sem que se tenha o olhar da Graça em nós, gera inveja!
O irônico é que Jesus estava vindo de outro pólo. A mulher da menstruação crônica apenas queria tocar nas orlas de suas vestes, pois, sabia que Deus não tem costas. Foi curada e ficou sanada de seu mal.
Em Nazaré, no entanto, o pólo é outro. Havia um crosta sobre eles.
Hoje em dia é o excesso de percepção da divindade de Jesus o que mutila nosso olhar de sua humanidade. Naqueles dias era o oposto: o excesso de humanidade e de historicidade de Jesus era o que dava-lhes o pretexto que lhes cegava o coração para a presença do divino.
Qualquer das duas visões polares corrompe a percepção de quem é Jesus. Em Nazaré Ele era apenas um homem. Entre nós Ele é apenas Deus. Ele mesmo, no entanto, não cessa de se auto-definir como o Filho do Homem.
Sem que Jesus seja percebido no equilíbrio de suas natureza simbiotizadas haverá sempre um deformação na compreensão de quem Ele é e na pratica da vida em relação a Ele e ao próximo.
Desse modo, Jesus dá de saída aos Seus discípulos a chance de caírem no mundo real, onde o convívio sempre tenta relativizar a Palavra que chaga como revelação na boca do homem na qual muitos conhecem os dentes e até os pelos do bigode.
“Nenhum profeta tem honra sua casa, entre os seus…”
Diferentemente do que acontecera antes—quando as pessoas chegavam até por trás sabendo que encontrariam a Graça de frente—, em Nazaré até mesmo a deliberação de Jesus de curar, foi limitada a uns poucos, e isto aconteceu somente porque Ele impôs as mãos.
Que diferença! É extremamente mais fácil que Deus aja em qualquer lugar que não seja por nosso intermédio em nossa própria casa.
O trágico dessa Síndrome de Nazaré é que ela deixa a Deus do tamanho de nossa projeção acerca Dele. Ele continuará sendo Deus sobre nossa doença, mas não conheceremos Sua cura—afinal, nosso coração está tão preconceituosamente fechado que nem com Deus impondo as mãos milagres acontecem.
A questão é:
Do ponto de vista histórico psicológico, onde, em geral, começa a vida de fé e onde ela termina?
Começa ela em Nazaré e termina em Cafarnaun?
Ou inicia-se em Cafarnaum e termina em Nazaré?
Em Cafarnaum a mulher da menstruação que foi curada, expressa o sentimento espiritual dos recém atingidos pela Palavra e que não têm questões para além de sua mais profunda necessidade. Esses são salvos, são sanados e vão em paz.
O povo de Nazaré corresponde à nossa maturidade espiritual cética, cheia de argumentações, diplomas, opiniões bem firmadas, doutrinas, e possessa de uma familiaridade com Jesus que inviabiliza o milagre.
“E admirou-se da incredulidade deles…”
Em Cafarnaum Jesus admirou-se da fé do centurião romano, positivamente; e na mesma medida, negativamente, admirou-se da incredulidade dos seus patrícios de Nazaré.
Onde você acha que Jesus anda encontrando fé na Terra?
No bar da esquina encontra-se a disposição de fé da mulher do fluxo menstrual com mais freqüência que em nossas nazarés.
O que assusta hoje é quando encontramos Nazaré instalada como estado espiritual entre os “entendidos e os maduros na fé” e, mais chocante ainda é quando encontramos esse estado estabelecido como atitude entre teólogos, pastores e seminaristas.
De Nazaré pode sair coisa boa?
Claro!
Quer dizer: se nós deixarmos!
Caio Fábio