UMA QUESTÃO DE
Para quem não lembra, vale recordar que Davi foi profeticamente ungido rei de Israel pelo profeta Samuel, filho de Elcana e Ana.
O pai de Samuel tinha duas esposas, Penina e Ana. Penina lhe dava filhos. Ana, todavia, não!
Elcana, entretanto, amava mais a Ana que a Penina. E é nesse amor-subjetivo e que padecia de afirmação objetiva— no caso, filhos—, que Ana vai ao tabernáculo do Senhor em Silo e chora pedindo a Deus um filho. Deus a atende e nasce Samuel, que ela dedica ao Senhor.
Tão logo Samuel foi des-mamado, seus pais o levaram para servir a Deus sob os cuidados do sacerdote Eli. Ora, os filhos de Eli ajudavam-no no serviço sacerdotal e tiravam proveito da situação.
A narrativa bíblica nos diz que eles, basicamente, faziam duas coisas horríveis: metiam a mão nas comidas que eram preparadas para serem oferecidas como sacrifício no tabernáculo—desrespeitando assim todos os preceitos determinados para as oferendas—e, além disso, dormiam ao seu bel-prazer com as mulheres que viviam e serviam no lugar do culto.
Ao ouvir acerca do procedimento de seus filhos, Eli os repreende e mostra muita preocupação com a fama ruim que os rapazes passaram a ter entre o povo.
“Por que fazeis tais coisas?”—é a pergunta do velho sacerdote.
É interessante observar que a Escritura divide a narrativa sobre os filhos de Eli em duas partes: a primeira, que é uma acertiva direta da Escritura; e a segunda, que é a expressão da preocupação de Eli como pai.
Quando a Escritura os re-crimina o faz fundada no fato que eles eram “filhos de Belial, e não se importavam com o Senhor”. Daí o tratarem o serviço espiritual com tamanha indiferença e exercerem o seu ofício de modo desrespeitoso para com Deus e tirânico para com o próximo.
Eli, todavia, quando ouve os rumores sobre a conduta de seus filhos fica preocupado e, mais do que com qualquer outra coisa, aflige-se com a opinião pública.
Era o desgaste que seus filhos causavam a ele, como sacerdote, e a impressão que causavam no povo, induzindo-o ao caminho da banalização do sagrado, aquilo que realmente o angustiava.
Na mente do povo o que mais aparecia era o comportamento dos rapazes em relação às mulheres que serviam à porta da tenda da congregação.
Fé e orgia se misturavam no lugar dedicado a Deus!
“Por que fazeis tais coisas? pois ouço constantemente falar do vosso mau procedimento. Não, filhos meus, porque não é boa a vossa fama, esta que ouço; estais fazendo transgredir o povo do Senhor.
Pecando o homem contra o seu próximo, Deus lhe será arbitro; pecando, porém, contra o Senhor, quem intercederá por ele?
Entretanto não ouviram a voz de seu pai, porque o Senhor os queria matar”.
Ambos, Hofni e Finéias, morreram no mesmo dia!
Seu pai, Eli, veio a morrer logo a seguir, pois, ouvindo a noticia da morte dos filhos, sendo já muito velho, caiu para trás, quebrou o pescoço e faleceu!
Então você pergunta: “E daí? O que isto tem a ver conosco?”
Ora, a razão de eu haver escolhido este caso—entre tantos outros possíveis exemplos do que aqui desejo ilustrar como contra-partida da afirmação de que a Imagem-Moral não conta diante de Deus—, é que ele nos revela três realidades das quais não podemos nos esquecer:
1. O juízo de Deus não veio sobre Hofni e Finéias pela sua
imoralidade—afinal, eles não pecavam sozinhos e nem eram os únicos em Israel a procederem daquele modo!
2. O juízo de Deus caiu sobre eles pelo fato de não “se importarem com o Senhor”.
3. Eli, o pai dos rapazes, se importava com o Senhor, porém, muito mais com a opinião pública.
Assim é que Eli diz coisas boas e verdadeiras a seus filhos, mas sua preocupação maior não era com o que eles faziam, mas com o por quê deles agirem daquela forma.
E mais: Eli não expressa angustia por eles, mas pelas implicações coletivas e ministeriais de suas ações. Ou seja: Eli temia mais as implicações daquilo que seus filhos faziam ante a percepção imediata do povo, que com as conseqüências inapeláveis que viriam da parte de Deus.
Além disso, Eli criou duas categorias de pecado: o pecado contra o próximo, que pode ser objeto da intercessão sacerdotal; e o pecado contra Deus, que, segundo ele, não deixa espaço para a intercessão diante do Senhor.
O que me soa é algo como se Eli dissesse:
“Olhem bem, meus filhos! Se vocês querem aprontar, então, que o façam longe daqui. Sendo sacerdotes, e estando sob tantas observações, vocês correm o risco de não apenas ofenderem ao povo, mas também a Deus. Contra o pecado em relação ao próximo, dá-se um jeito. Mas no que respeita a Deus, não há saída”.
Em outras palavras: Eli sente o pecado de seus filhos, envergonha-se deles e de seu comportamento—“Não, filhos meus, porque não é boa fama, esta que ouço”—, e, além disso, sabe que seus atos podem ter conseqüências. Todavia, não parece ter visto tudo o que acontecia como algo que em-si carregava profanação, mesmo que ninguém visse ou antentasse.
Tratava-se muito mais de algo que tinha a ver com a reputação dele, Eli, e de Deus, o Senhor, do que uma real compreensão do significado espiritual que aqueles ações tinham em-si-mesmas.
Eli, portanto, teme a Deus, mas teme muito mais o que a reputação de seus filhos pudessem causar à ele e à reputação de Deus. Ele era um homem com barganhas a fazer!
E o juízo não falhou!
Hofni e Finéias morreram!
Icabode!
Foi-se a Gloria de Israel!
A pergunta que agora se impõe é a seguinte:
O que a história dos filhos de Eli nos apresentam como diferenciação em relação a várias outras histórias bíblicas onde houve delito humano sem que tenha havido castigo divino?
Em minha maneira de ver o que se estabelece é a força não da Moral, mas da Verdade, da Justiça e da Santidade!
As ações humanas são maiores que as aparências que elas
manifestam. Elas são significados, mais que comportamentos
exteriores!
Infelizmente Eli e seus filhos morreram. Samuel, todavia, nunca esqueceu a lição. Quando foi enviado por Deus a fim de ungir a Davi—então ainda apenas um jovem—, disse a Jessé, pai do futuro rei de Israel: “O Senhor não vê como vê o homem. O homem vê a aparência, o Senhor, porém, vê o coração”.
Assim, mais uma vez, a Escritura nos tira do mundo das aparências, famas e reputações, e nos remete quebrantadamente para os ambientes do coração, onde Hofni e Finéias se mostravam não como filhos de Eli, mas como “filhos de Belial”.
Caio