O DIABO MORA NA PORTA DA NECESSIDADE

Jesus disse aos judeus que Deus poderia “das pedras suscitar descendência à Abraão”. Entretanto, Ele negou-se a transformar pedras em pães. Mas, paradoxalmente, iniciou Seu ministério transformando água em vinho. Portanto, quando da tentação—ocasião na qual negou-se a transformar pedras em pães—a ênfase não recai na violência essencial, do ponto de vista físico, que tal “transformação” implicaria, mas sim nas razões que o induziam a ver naquilo uma tentação. Ora, Ele estava sendo sugestionado pelo diabo, e, em toda sugestão que carregue uma motivação errada, não importando o que seja, seguí-la, é sempre algo mal. Aqui, neste ponto, fica claro que a questão de Jesus para não realizar aquele feito, não era de natureza moral e nem teológica, mas sim existencial. Seguir aquela sugestão seria mal tanto em razão da motivação—de um lado, fome; de outro, demonstração de poder—, quanto também em razão do motivador: o diabo. De fato, o diabo mora na esquina onde a necessidade e oferta se encontram sob o patrocínio da fome. O interessante, naquele episódio, é que o diabo não faria nada, e não fez nada, exceto sugerir que Jesus fizesse algo por Si mesmo. Isto porque o diabo precisa do indivíduo para realizar qualquer coisa. O diabo não realiza nada na Terra sem o homem. O mal não é pré-definido, necessariamente. Às vezes ele o é, e todos sabemos quando ele já chega com sua própria cara. Na maioria das vezes, entretanto, o mal não tem cara de nada mal, exceto pelo fato que ele realiza o casamento da necessidade instintual ou existencial, com a oferta de algo que seria anti-natural, mas realizaria um alívio imediato. As tentações que nascem do instinto e da existencialidade são poderosas. Aliás, essas são as únicas tentações que de fato tentam. O erro, nesse caso, está na entrega da necessidade à sugestão que vem de fora. É esse ceder à sugestão aquilo que conflitua a alma. Isto porque, sozinho, Jesus jamais transformaria pedras em pães a fim de se alimentar. Mas quando o diabo se imiscui no ambiente da necessidade, então, a simples fome virou tentação. Ter fome não é mal, ao contrario, é bom. Pouca coisa é tão ruim quanto fome zero. Viver sem fome pode ser muito ruim, e quem já sofreu de algum tipo de inapetência sabe o que estou falando. O equilíbrio da existência está entre a fome e o pão. Pão sem fome é um horror, e fome sem pão é uma desgraça. É justamente nesse limbo que o diabo mora! O diabo não vive do que é mal, mas sim de transformar o que é bom em algo ruim, pois que, tal coisa, se realizaria como concessão dele. O diabo adora pretender fazer concessões. Ele sabe que são essas concessões ilegítimas aquilo que torna até o ato de comer pão em algo culposo. Na realidade aceitar algo como concessão do diabo é aquilo que torna qualquer coisa em algo ruim. Nesse caso, o corpo treme de fome, e as pulsões de estranhos desejos se somam à necessidade, e a alma mergulha a caminho da transgressão a si mesma. Pior do que a fome é o pão que carrega a sugestão do diabo! Jesus se viu livre da tentação não negando a necessidade (o pão), mas afirmando a necessidade superior do ser: comer também e, sobretudo, a Palavra de Deus. Negar a fome aumenta a tentação. Assumi-la, esvazia a tentação. Quando você estiver com “fome”, e for algo normal, não negue a fome—afinal, depois de 40 dias e noite quem não estivesse morrendo de fome seria anormal—, ao contrário, respeite-a e chame-a pelo nome, você mesmo, e não deixe que ninguém se torne senhor de sua necessidade. Jesus saiu dali e foi comer. E comeu comida de anjos. Mas só comeu o que era bom porque negou-se a comer conforme o cardápio do diabo. Nenhuma necessidade humana é pecaminosa. A pecaminosidade da necessidade é apenas fruto da sugestão e de como ela vem. Ora, assim como é com Deus, assim também é com o diabo, pois a questão não é o quê, mas sim como. Sim, eu repito: a questão não é o quê—posto que todas as coisas provêm de Deus—mas sim “como”, posto que nem tudo o que é bom, é bom sempre, pois todo bem se torna em mal quando o patrono da solução é o diabo. Assim, não se preocupe com a sua fome, mas apenas com as “soluções” que você encontra. E lembre-se: Nem só de pão vive o homem, mas de toda Palavra que sai da boca de Deus. Caio