A CEIA DO “BASTA”, MAS NÃO DOS BESTAS!
Em Lucas 22 (14 em diante) Jesus diz que estava ansioso para tomar com os apóstolos “do fruto da videira”, naquela que, historicamente, seria a Sua última ceia de Páscoa. E Ele conclui dizendo que não beberia outra vez do fruto da videira “até aquele dia” quando bebesse outra vez, com eles, no Reino de Deus.
Os intérpretes em geral situam essa “nova ceia” no tempo quando Ele voltar a fim de restaurar todas as coisas. Desse modo, do ponto de vista de muitos, o “em memória de mim” de Jesus seria a prova cabal de Sua ausência da ceia e a afirmação de Sua presença apenas “naquele dia”. Por tal razão de Sua “ausência” é que a “Igreja” assumiu o papel de “protetora da ceia”, sendo ela, a “Igreja”, aquela que determina quem está apto a participar ou não da ceia. Afinal, na ausência de Jesus quem decide tudo são os representantes autorizados, ou os substitutos dos “apóstolos”.
Sim! Pelo modo como a “Igreja” trata a ceia fica claro que Jesus não faz parte dela, mas apenas aqueles que carregam o mesmo espírito dos que estavam presentes à “última ceia”.
Assim, temos um Jesus ausente fisicamente da ceia e presente nas “memórias” dos fatos; e cuja “ausência” ganha presença no “controle da mesa” feita pelos que acham que hoje cumprem o papel dos apóstolos.
Ceia sem Jesus. Ceia com apóstolos!
Entretanto, conquanto mais adiante no texto Jesus fale do tempo no qual os doze apóstolos julgarão as doze tribos de Israel, ainda assim, fica difícil pensar que Jesus estivesse “se ausentado” da comunhão da ceia até um distante tempo escatológico, enquanto entregava a validação de Sua presença a doze homens e seus sucessores…
De fato, depois de ressuscitado, Ele mesmo começou a aparecer aos Seus discípulos quando “do partir do pão”; ou mesmo quando eles estavam juntos e Ele vinha, entrava onde estavam e “comia e bebia com eles, dando-lhes mandamentos pelo Espírito Santo”.
Além disso, Sua promessa era a de estar com eles sempre, todos os dias, e isso não excluía o “partir do pão e o tomar do cálice”.
O interessante naquela “última ceia” é que Jesus diz que está ansioso para participar daquele momento, pois, somente dele teria parte outra vez quando da chegada do Reino. Entretanto, para Jesus, Seu afastamento histórico não criava gap entre Ele e qualquer coisa desta vida. Afinal, Ele disse que estaria com dois ou três e com todos os que se reunissem em Seu nome, até o fim.
É inegável também que apesar de Jesus trabalhar com a categoria de Sua volta histórica ao mundo, entretanto, Sua maior ênfase é na Sua presença real, espiritual e existencial na vida dos discípulos, e a tal fato-existencial Ele chama de “reino de Deus”. Afinal, Ele mesmo tirara da mente dos discípulos o culto à História e às fisicalidades quando disse que “muitos” apareceriam no campo, no deserto, nas montanhas ou no interior da casa se dizendo “o Cristo”; mas Ele advertiu: “Não os sigais… O Reino não vem com visível aparência… É invisível… Está dentro de vós”.
Desse modo, há uma ceia de natureza existencial que Jesus toma outra vez sempre, no Reino Hoje, nos corações!
Assim, quando tomo a ceia, ofereço a Jesus minha “boca existencial” para que Ele coma o pão e beba o vinho em mim e comigo. Isto porque sei que até que Ele venha, e todo olho o veja, hoje, no reino, Ele como e bebe o que nEle eu como e bebo com alegria consciente e em fé.
O que acho interessante em todo o texto da ceia em Lucas é o fato de Jesus estar “ansioso” para tomar a ceia com eles. Então, a seqüência é devastadora. Sim! Do ponto de vista de alguém como eu aquela ceia teria sido uma tragédia. Eu teria vergonha de falar dela para alguém. Era a “última” e foi trágica.
E foi trágica em quê, se não na manifestação daqueles que hoje nós dizemos que são os que validam ou não as coisas de Jesus na Terra?
Primeiro há o traidor com a mão à mesa, conforme Ele mesmo disse.
Depois surge, durante a ceia, uma discussão entre eles, sobre qual deles “parecia ser o maior”.
Não bastasse isso, Jesus adverte Pedro acerca de como Satanás o demandara a fim de “peneirá-lo” como se faz ao trigo, a fim de ver o que sobra… Mas Pedro disse a Jesus que ficasse tranqüilo, pois, ele, Pedro, estava ali não apenas para ser preso com Jesus, mas, também, até mesmo para morrer com Ele. Engano. Total engano. Um galo cantaria a verdade em pouco tempo.
E para concluir aquela ceia, Jesus é irônico, e lhes diz que antes Ele mandara que eles não levassem nada com eles no caminho, mas que agora, a fim de que tudo das Escrituras tivesse seu cumprimento, que eles vendessem até as próprias capas, e comprassem espadas; pois, assim, eles estariam cumprindo a profecia que dizia que o Messias seria entregue entre malfeitores.
Então os discípulos prontamente se anteciparam e disseram: “Já temos duas espadas aqui!”. Ao que Jesus disse: “Basta”.
Ora, na ausência de Jesus da ceia fica quem então?
Ora, naquela ceia havia um traidor em ação, um grupo de tolos discutindo suas superioridades, um discípulo que não precisava da ajuda de Jesus nem contra Satanás, e, da parte de todos eles um entupimento sensorial triste, pois, nem mesmo podiam entender o espírito das palavras que Jesus dizia.
Mas era com essa gente que Ele desejava ardentemente tomar a ceia. E mais: não saiu queixoso ante as asneiras que ouvira. De fato, Ele apenas encerra tudo com um “Basta” sem comentários adicionais.
Eu, todavia, tenho apenas um comentário fazer —hoje— acerca de tal fato:
Se Jesus somente tomará a ceia comigo outra vez no Reino Escatológico —conforme a visão dispensacionalista que se tem do sentido “escatológico”—, então, nas muitas ceias que tomamos, o melhor dos cenários é aquele no qual sentam à mesa para “ordenar a ceia” personagens no mínimo tão complexos quanto aqueles da ceia original.
Assim, temos a ceia do traidor, dos que disputam supremacias visíveis, dos que acham estão aqui para ajudar Jesus até contra o diabo, dos que acham que podem cumprir as profecias comprando os “cumprimentos proféticos”. Sem Jesus sobra isto na ceia.
É por isto que na ceia que tomo Quem preside é Jesus, e nós todos somos apenas aqueles que estão presentes por pura graça, posto que de nós mesmos sejamos apenas aqueles que praticam a anti-ceia.
É pela mesma razão que não busco o reino fora de mim, pois, neste tempo, caso o reino não se estabeleça em mim, do lado de fora o reino que sobra é dirigido historicamente pelos que pondo a mão à mesa já a trouxeram de outras mesas nas quais “pactos de morte” são feitos; ou dos que assentam-se nos melhores lugares à mesa a fim de serem interpretados como “próximos e grandes”; ou ainda dos que julgam que eles é que são os responsáveis “pela segurança de Jesus” entre os homens; ou mesmo pelos que sentem-se no papel de “comprar e vender” desde que as profecias do reino se materializem pela mão do homem.
Ora, as palavras de Jesus ao final de tal ceia não são muitas. Afinal, o que mais tem Ele a dizer além de “Basta”?
Pense nisso!
Nele,
Caio
05/02/08
Lago Norte
Brasília
DF