DENTE DE OURO E PROSPERIDADE: O INÍCIO DA EMBORCADA

Faz dois dias que eu estava tentando encontrar uma referência histórica marcante para designar o “momento” no qual a atual confusão evangélica se instalou no Brasil.

Em 1988 eu estava passando dois anos na Califórnia, e recebia os jornais do Brasil diariamente. Foi quando comecei a ler sobre os conflitos crescentes entre a Igreja Universal do Reino de Deus e os cultos afro-ameríndios.

Havia invasões de terreiros de macumba, quebra de ídolos, enfrentamento corpo a corpo, brigas, tapas, e outras hostilidades.

Em 1990, quando voltei, em centenas de contatos, verifiquei que poderia ser útil à Igreja que ela se fizesse representar por uma Entidade séria, e que pudesse estabelecer as referências do que fosse a fé evangélica, deixando claro que as atitudes do grupo acima mencionado não condiziam com o espírito do evangelho.

Criamos a AEVB. Daí pra frente iniciou-se um intenso diálogo nosso com a mídia, e uma participação que acabou por se tornar diária nos meios de comunicação.

No que me diz respeito, devo dizer que as demais coisas que eu fazia ministerialmente estavam em franca expansão e assombroso crescimento.

A semeadura de duas décadas estava agora explodindo de modo exponencial. Todavia, ao mesmo tempo, via-se um imenso crescimento do espírito triunfalista no meio evangélico.

Foi também nesse tempo que o Brasil ficou famoso no meio cristão internacional como sendo um país no qual estaria havendo um “avivamento”.

Organizações para-eclesiásticas de confissão pentecostal no Brasil começaram a organizar grandes conferencias e a convidar palestrantes estrangeiros que aqui chegavam cheios de Teologia da Prosperidade, profecias extraordinárias sobre o futuro da igreja no país, e paletós poderosos—que eram atirados sobre a audiência e o povo “caía no espírito”.

Além disso, instalou-se como nunca antes no Brasil o modelo da “confissão positiva”, e as posturas de “Batalha Espiritual”, e que combatiam com “reuniões de amarração” do principado do Brasil”, as supostas forças que ainda resistiam ao “avivamento”.

Logo a seguir o “avivamento” virou projeto político, e pretendia-se eleger um Presidente da República evangélico.

Fui convidado pelo menos umas quatro vezes para ser o tal candidato, ou, pelo menos, para ser o vice dele. Minhas recusas e manifestação de que aquilo seria trágico estão registradas em documentos e em livros meus.

Mas foi aí por 1992 que algo estranho aconteceu. Pessoas começaram a dizer que estavam recebendo “obturações de dente de ouro”.

Virou um frisson! Houve quem clamasse o direito autoral carismático sobre a “benção”. Pregadores e pregadoras orgulhavam-se de que em suas reuniões a “unção do dente de ouro” estava acontecendo.

Para mim tudo aquilo era estranho e bizarro. Escrevi a respeito. Disse que se enchesse a boca de ouro, mas não curasse a língua, de nada aproveitaria.

Virei uma espécie de “pedra no caminho” dos propagadores da tal benção.

Então, onde eu pregava, começaram a acontecer também “os dentes de ouro”. As pessoas vinham me mostrar, assim como quem diz: Viu! É de Deus mesmo. Até em suas reuniões estão acontecendo essas coisas!

Nunca me impressionei e nem estimulei a tal coisa!

Minha pratica ministerial era simples: o que eu via acontecendo nos evangelhos nas ações de Jesus, eu queria. O que eu não via, eu ou não queria; ou, na melhor das hipóteses, dependendo da sinceridade dos envolvidos, eu ficava quieto.

Então os “dentes de ouro” começaram a acontecer em todos os lugares. Até mesmo em jantares informais, churrascadas, etc…

Virou status ter um “dente de ouro”, fruto de uma obturação espiritual na boca.

Minhas perguntas eram:

Por que Deus não faz um dente normal?

Por que não põe o material original?

Por que o ouro?

Por que essa coisa tão anti-natural?

A resposta era que Deus queria “honrar” o Seu povo!

Era o auge da Teologia da Prosperidade. As reuniões de “empresários evangélicos” eram a coqueluche desses modismos.

O povo estava delirante!

Eu, cada vez mais angustiado!

Sinceramente, eu sei e creio que os fatores que se combinaram a fim de gerar essa maluquice evangélica que se instalou no Brasil foram muitos.

Posso descrevê-los e identificá-los minuciosamente. Observei o desenvolvimento do “fenômeno” como um todo, e à partir de ângulos e óticas muito privilegiados.

No entanto, se eu tivesse que eleger um “ícone negativo” a fim de estabelecer um marco simbólico para essa calamidade que sobre nós se abateu, eu diria que OS DENTES DE OURO foram o marco.

De lá para cá a igreja evangélica nunca mais foi a mesma. O espírito que soprou não era mais santo, era espírito de facção, disputa, inveja, ciúme, competição, traição, comercio e profunda impiedade.

Ninguém mais fala nos “dentes de ouro”. Mas os “dentes de ouro” continuam a falar nas bocas de seus defensores de então, e que são os mesmos que já mudaram de moda muitas vezes, que parecem estar felizes com o que está acontecendo, sendo capazes de glorificar as coisas presentes como sendo “avivamento”; mas que, para mim, é uma das mais tristes manifestações históricas da fé cristã acerca de como algo que fora semeado durante anos com profunda seriedade e piedade, pode, subitamente, ser corrompido do dia para a noite.

Quem se converteu de 10 anos para cá já nem sabe mais acerca da onda dos “dentes de ouro”. Mas, sem dúvida, depois daquelas estranhas obturações, a igreja nunca mais foi a mesma no Brasil.

Parece coincidência, mas para pregadores do ouro—Teologia da Prosperidade—, não poderia ter havido “unção” mais própria: obturações de ouro na boca dos crentes!

Teologia da Prosperidade e Dentes de Ouro!

Ambas se merecem!

Mas os dentes da alma do povo nunca ficaram tão “cariados” como agora. E nunca os frutos da boca—as palavras—foram mais envenenadas do que hoje.

Fica aqui apenas um registro para quem quiser pensar.


Caio


Escrito em 21/12/03