TEM PAI QUE É CEGO, O MEU É CEGO, MAS NÃO É NÃO…

 

 

 

 

 

TEM PAI QUE É CEGO, O MEU É CEGO, MAS NÃO É NÃO…

 

 

 

Até onde seja possível um pai e um filho sentirem-se um entre os mortais, eu sei de meu pai para mim e de mim para meu pai, que nós temos sido um na relatividade de quem somos: pecadores.

 

Desde menino. Desde sempre. Em tudo. Sempre senti um com ele e sabia que ele era um comigo. Sim! Até quando como à semelhança do pai do pródigo ele me deixou ir enquanto chorava, mas não impedia…    

 

E nas discordâncias mínimas que houve entre nós (uma vez expressas nunca mais foram objeto de conferencia entre nós), nenhuma delas sobreviveu.

 

Ele é pai e eu sou filho. Ele fala e eu amo obedecer. Sua voz cresceu em mim como um trovão de sabedoria, e tudo o que em minha vida não foi sábio, não o foi apenas porque o não ouvi. Mas ele nunca voltou a nenhum assunto. E se falei, ele apenas ouviu; ou simplesmente disse: “Os caminhos do Senhor sempre são maravilhosos e perfeitos”. Sim! Até quando ouviu minhas confissões de pecado em 1999.  

 

Como menino-homem precoce tornei-me seu amigo? — De fato, a verdade é outra: como homem sábio, ele me fez seu amigo; mais que amigo, seu colega, seu parceiro, seu discípulo e seu maior incentivado.  

 

Nos últimos anos senti que nos irmanamos no entendimento total do Evangelho que até aqui nos foi possível discernir.

 

E sua sabedoria foi se tornando como a água da chuva e seu poder imergiu em radiante fraqueza.

 

Foi levado ao Paraíso há quatro anos e voltou vendo a vida de lá; mas jamais perdeu a alegria pelo amor à sua volta; nem tampouco parou de construir e de edificar — sobretudo erguendo gente.

 

Quem esteve tão perto e não o usufruiu, peça ao Senhor que lhe prolongue os dias, pois, se assim não for, digo a esses:

 

Vocês são como os leprosos à porta de Samaria, só que diferentemente daqueles, vocês ouviram da abundancia de comida; e até o viram com os olhos; mas não se ergueram para comer de tal fartura; e estão morrendo de fome à beira da dispensa.

 

Nesses dias em que ele está variando entre sono, lucidez e delírios, eu vi como minha voz chega ao fundo dele.

 

Falo. Ele sempre diz: “Meu filho!” — e me escuta. Digo o que está acontecendo e ele ouve até quando está delirando. E o que sinto é que nossa intimidade no espírito é tão grande que, assim como ele ecoa em mim, eu também ecôo nele.

 

Somos quase um em quase tudo porque ele me esperou quase sempre; e no que ele mudou na minha direção, foi porque pela Palavra ele foi convencido; e não por mim. Seu amor por mim não o influencia a menos que pela Palavra ele seja convencido.

 

Mas o que mais me encanta é vê-lo não parar jamais de crescer no entendimento, renovando-se de dia em dia; como vinho ele sempre fica melhor.

 

“Ah! Meu filho! Que batalha! Mas não vou deixar de batalhar. Estou numa grande luta. Mas o Senhor está comigo” — disse-me ele hoje, falando com a língua pesada, mas com os olhos limpos e cheios de luz. “Não vou retroceder. É batalha. Mas o Senhor está comigo”.

 

Ora, isso me confirmava o que eu havia pensado sobre a decisão dele de lutar.

 

Às vezes me parece que ele acha que é tolo demais morrer de uma cirurgia. Parece que ele quer ficar bom para morrer com saúde. Assim… De repente. Mas noutra ocasião. Em outras circunstancias. De fato ele tem implicância com morte por cirurgia. É o que sinto nele.

 

Hoje mais uma pessoa do hospital me disse que quando ele sente minha presença logo se acalma. E ele faz claras distinções entre o esforço que faz para falar com os profissionais médicos, e a energia que ele guarda pra gente falar.

 

Às vezes sinto que nossa comunicação transcende. Eu sinto o que ele está sentindo; ou às vezes até vejo de dentro dele para fora o que ele está tentando dizer.     

 

A reverencia de amor que nos une é poderosa. Ele jamais não ouviria a minha voz e nem eu deixaria de discernir a dele.

 

Eu creio que Jesus gosta que seja assim; e mais: que ele derrama o dom da Graça sobre quem ama para que assim seja.

 

Nele, que diz que um filho deve buscar ser como o pai, quando o pai busca ser semelhante ao Filho,.

 

 

Caio

 

13/08/07

 Manaus

AM