A REVOLTA DOS FILHOS DE HAGAR
A REVOLTA DOS FILHOS DE HAGAR
Abraão nunca imaginou o que estava gerando!
Sara é que havia solicitado. Já que não lhe dava um filho, que pelo menos o marido não se sentisse frustrado!
Um filho lhes faria bem!
Naquele tempo filho só era filho se fosse gerado. Tratava-se de uma era primitivamente genética. Aliás, quando houve uma única era que não tenha sido genética?
Sara era meio-irmã de Abraão. Um de seus progenitores os havia tido de cônjuges diferentes!
Para os nossos padrões eles eram irmãos!
Afinal, em que igreja eles seriam aceitos como membros se fossem irmãos duas vezes?
Ou seja: para nós seria incesto!
Sara sabia que de alguma forma um filho de Abraão também seria seu parente. Estaria tudo em casa. Uma escrava egípcia seria a “barriga de aluguel”.
Mas Hagar não era um óvulo ou um ventre. Hagar era gente. Hagar amava, desejava, sonhava e gostava de ser escrava de Abraão!
Quando Sara informou-a que daquele dia em diante ela dormiria com o patriarca até ficar grávida, a notícia não a constrangeu!
Nem tampouco a Abraão!
E Hagar não ficou só de “Agá”, tornou-se concubina!
Sara percebeu que um novo núcleo familiar e afetivo se formara na tenda ao lado e não gostou. O tiro saíra pela culatra. Abraão não amava apenas a possibilidade de ter um filho. Ele se afeiçoara à mãe do garoto!
Ciúmes de Sara!
Abraão leva a culpa!
Hagar é humilhada por Sara!
Foge!
Já estava bem longe, no caminho de Sur. Parara junto a uma fonte de água. Então um anjo do Senhor se aproximou dela e lhe disse:
“Hagar, serva de Sara, donde vens? e para onde vais?”
Ela respondeu:
“Fujo da presença de Sarai, minha senhora!”
Então lhe disse o anjo do Senhor:
“Volta para a tua senhora e humilha-te sob suas ordens”
E disse-lhe mais o anjo do Senhor:
“Multiplicarei sobremodo a tua descendência, de maneira que, por numerosa, não será contada. Concebeste, e darás à luz um filho, a quem chamarás Ismael, porque o Senhor te acudiu na tua aflição. Ele será, entre os homens, como um jumento selvagem; a sua mão será contra todos, e a mão de todos contra ele; e habitará fronteiriço aos seus irmãos”
Quando isto aconteceu Hagar orou e disse as seguintes palavras:
“Tu és Deus que vê! Não olhei eu neste lugar para Aquele que me vê?”
Então voltou para casa e lá permaneceu quase 15 anos. Nada se diz sobre o convívio das duas mulheres, mas deve ter sido horrível. Abraão, no entanto, não achou ruim. Amava o filho e a serva!
Enfim, Sara deu à luz um filho. Nasceu Isaque. Abraão e ela já eram velhos. Hagar era bem mais jovem. E Ismael já era adolescente!
As conversas de Hagar com Ismael tinham dois temas: o amor de ambos por Abraão e a amargura dos dois para com Sara!
Ismael respirava a humilhação e vitimização de Hagar!
O filho de Sara merecia ser humilhado. Os que podem mais humilham os que podem menos. Então Ismael caçoava de Isaque.
Sara ficou sabendo e explodiu. Ordenou a Abraão que expulsasse de lá os dois!
Abraão sofreu por ambos. Tal foi sua dor que o próprio Deus lhe falou: “Obedece ao desejo de tua mulher”.
Na hora da despedida Abraão sofreu imensamente. Deus então fala com ele outra vez e lhe diz que sabia que Abraão sofria também pela escrava e não só pelo menino. Mas o conforta dizendo-lhe nada mais que uma promessa: abençoaria a ambos. Mas o filho da escrava não seria herdeiro com o filho da livre, o que fora gerado de Sara.
Isso foi há mais de três mil anos. Mas os efeitos dessa amargura nunca se afastaram da consciência dos filhos de Ismael: todas as nações árabes de sempre e de hoje também o sentem. São filhos do rejeitado Ismael!
Esse mesmo sentimento é usado por Paulo escrevendo aos Gálatas a fim de ilustrar outra dimensão da jornada histórico-espiritual: os judeus haviam se tornado espiritualmente os filhos de Hagar pelo fato de terem desprezado Jesus, o Isaque da Promessa. Dessa forma permaneciam em escravidão espiritual, tentando se justificar na relação com Deus unicamente baseados na carne, na ascendência à Abraão e no pertencimento histórico à História!
Sabendo disso não há como inferir pelo menos duas coisas. A primeira é que os Árabes de hoje são os filhos de Hagar, segundo a carne. A segunda é que todos aqueles que preferem se gloriar na sua própria história de fé ou nos seus pertencimentos à qualquer tipo de salvação por direito pessoal, estão em escravidão espiritual, segundo Paulo.
No inconsciente coletivo e na dimensão psicocultural das nações árabes há essa carga descrita pelo próprio Deus como “reativa” e, também, como valentemente independente entre os homens.
Os judeus históricos e os legalistas existenciais—incluindo também os “cristãos legalistas”—estão na mesma escravidão, segundo Paulo!
Para esses o murro da inimizade nunca caiu e jamais cairá. Somente em Cristo esse muro é derrubado. Sem Ele esse muro é inabalável.
Faz a Muralha da China se parecer a um castelo de areia em dia de ressaca no mar!
Esse muro não caiu dentro da “igreja”, como cairá entre os homens?
O maior sinal de que o evangelho entrou em algum lugar é que as muralhas de inimizades terminam. Enquanto isto não acontece continuamos todos a ser filhos da escrava. Para Paulo isto incluía a própria igreja, daí ele ter escrito isto aos cristãos da Galácia.
Os dias de hoje são dias apocalípticos porque eles nunca se pareceram tanto com os dias do Gênesis. Só que agora em escala global. Ironicamente os filhos de Sara e Hagar continuam a guerrear no oriente médio, e os filhos espirituais da escrava a guerrear entre eles mesmos na escala mundial.
Mesmo a presente guerra tem seus vínculos com aquela primeira história. Ismael continua a ser como jumento selvagem entre os homens e a morar fronteiriço a seus irmãos!
Sara está chorando!
Hagar continua a gemer!
Isaque continua a se sentir especial. Só agora especial por ser especial!
Ismael continua a caçoar dele, a sentir a rejeição de sua mãe e sentir-se como o filho não reconhecido, mas que jamais saiu de casa, pois nunca deixou o mesmo chão: a poeira do deserto!
Os Estados Unidos estão nessa por todas as razões erradas. E acabaram se enrolando em cordas históricas e espirituais inquebráveis: vinculados historicamente aos filhos de Sara, eles se orgulham de serem os irmãos espirituais do Isaque-Jesus. Por isto, combatem historicamente os filhos de Hagar, protegem o filho de Sara e não percebem que espiritualmente são filhos de Hagar também.
Afinal, tanto individual quanto coletivamente, quem quer que creia na Palavra de Deus não entra numa guerra dessas, muito menos assim!
Estamos no limiar de assistir a um grande levante dos filhos de Hagar. E isto começa a acontecer não apenas nas poeiras dos desertos. Mas também nas potestades do ar. Tanto na geografia quanto na dimensão espiritual as mesmas forças estão crescendo.
Os personagens do conflito histórico estão aí e sua geografia política é bem definida. Já os personagens da herança da espiritualidade escravizada simbolizada por Hagar, estão espalhando-se por toda parte. Afinal, tanto faz ser judeu, árabe, ou um filho dos Gálatas cristão, o resultado é um só: o fundamentalismo legalista e a mesma atitude de vingança e falta de percepção da Graça!
Assim guerreiam os escravos entre si, por si, para si, em si e para salvar a si mesmos!
Deixai os mortos enterrarem os seus próprios mortos!
Deixai os escravos construírem suas muralhas de separação!
Tu, porém, vai, e prega o Reino de Deus!
Caio
(Escrito em 2003)
Copacabana
RJ
Abraão nunca imaginou o que estava gerando!
Sara é que havia solicitado. Já que não lhe dava um filho, que pelo menos o marido não se sentisse frustrado!
Um filho lhes faria bem!
Naquele tempo filho só era filho se fosse gerado. Tratava-se de uma era primitivamente genética. Aliás, quando houve uma única era que não tenha sido genética?
Sara era meio-irmã de Abraão. Um de seus progenitores os havia tido de cônjuges diferentes!
Para os nossos padrões eles eram irmãos!