BICHOS SOLTOS E CORAÇÕES PACIFICADOS
Cada dia mais me encho de minha amozonicidade. Quando morei a primeira vez fora do Brasil, entre o final de 88 e julho de 90, em Claremont, na Califórnia, as pessoas me perguntavam se eu sentia muita saudade do Brasil e se conseguiria morar fora do solo pátrio.
—Você sente falta das multidões? Dos estádios cheios onde prega? Da agitação? De pregar duas ou três vezes por dia? De se sentir útil a tanta gente?—era o que eu ouvia tanto de americanos como de amigos brasileiros, dos que lá residiam como também dos que por lá passavam.
De súbito comecei a dizer o que realmente eu encontrara como verdade dentro de mim.
Eu poderia viver em qualquer lugar do planeta terra. Não havia nenhuma xenofobia especial em minha alma. Ser brasileiro era algo maravilhoso, mas infinitamente menor do que ser humano. Amava a minha cultura nacional, mas não a via como algo a ser cultuado em qualquer altar nacionalista em meu ser.
Eu era um humano que havia conhecido o Evangelho de Cristo—que é para todo povo, tribo, língua e nação—; mas a consciência da Palavra havia me libertado de qualquer compromisso visceral com a história do Brasil.
—O que eu não posso é ficar para sempre longe da Floresta. O Amazonas é o único lugar da Terra onde sei que minha totalidade de ser pertencem como um homem, preso ao tempo e ao espaço!—afirmava para surpresa de muitos, especialmente os que achavam que eu estava definitivamente encantado com o “sucesso” nacional e internacional que eu fazia, e viria ainda a fazer muito mais.
Depois que voltei para o Rio em julho de 1990, as coisas mudaram.
A Vinde explodiu de grande, a mídia secular me consultava e recorria a mim para opinar em praticamente tudo; os intelectuais, os favelados, as autoridades, os presos de todas as cadeias—e até de Bangu I —me cultuavam; e os evangélicos se orgulhavam que eu existisse para cumprir aquele papel diferencial e referencial.
Então veio a AEVB — Associação Evangélica Brasileira—, as brigas públicas com a Universal, as suspeitas de Marcello Alencar e César Maia acerca de uma possível ascensão minha no mínimo ao Governo do Estado — César me confessou isto certa vez num café da manhã—; e, então, o início das perseguições: as inseguranças do Prefeito e do Governador, associadas ao ciúme do Arcebispo Dom Eugenio Sales — tenho testemunhas do que digo—, e dos líderes políticos da IURD que haviam “jurado” acabar comigo — também tenho muitas testemunhas disso —, convergiram para a fabricação do Episódio do Pó na Fábrica de Esperança em Acari, e para uma sucessão de enfrentamentos, lutas, e o início do Grande Começo: o “fim” acabou na Ressurreição de Jesus!
Em 1998 veio o divórcio, a trama maligna do Dossiê Cayman — acerca de cujo assunto apenas há pouco mais de um ano vim a me inteirar do que havia de fato acontecido—, meu “funeral”, a experiência de um enterro vivo, o sentimento de exílio, as angústias dos filhos, amigos, familiares, a dor da Cristina, o Brasil em choque, e os “choques” dos muitos que faziam tortura espiritual.
Então, a depressão de morte, a desistência da vida, a volta ao Brasil apenas para ver a chegada de um novo rebento—a Hellena do vô—e a fim de cuidar dos filhos, que já estavam de volta ao caldeirão nacional.
O coração estava enfartado de agonia, a menta confusa, os pensamentos difusos, a alma em estado permanente de fribrilação, o espírito definhando…
Deus sabe!
O tempo passou.
1998 não é hoje. Hoje é dia 14 de setembro de 2003.
De 1998 até aqui o caminho não foi fácil. Lutas por fora, temores por dentro, imensos sentimentos me esmagaram.
Mas a Graça estava em curso permanente. Sempre está!
Depois de muita angústia a alma foi se acalmando. De vez em quando ainda pula de susto, quando acorda e lembra o que aconteceu…
Deus me ajudou a ver e crer que nada havia acontecido fora de um propósito muito maior, e também para algo que só poderia existir “se eu morresse”.
No entanto, esses dias aqui na minha terra—enquanto assisto meu pai na espera dos procedimentos cirúrgicos que nele acabarão por implantar três “stents” nas artérias do coração—, experimentei visitações poderosas de Deus!
Como seria bom se ainda aqui na terra todos os que nós amamos pudessem entender tudo, ou, pelo menos, boa parte. Mas nem sempre é possível!
Entretanto, se o coração parar pela imobilidade dessa dor, nunca mais se levanta para servir a Deus e ao próximo…
A Graça de Deus vem me dando paz para continuar a jornada, e confiança para crer que Ele mesmo está cuidando de todos, e que Ele mesmo ama a todos mais que eu consigo imaginar!
Você pergunta:
O que isso tem a ver com bichos soltos e corações pacificados?—afinal, esse é o título que está dando “cabeça” a esse texto!
Bem, é que hoje cedo, quando acordei, fiquei vendo a relação de meus pais com a vida.
Ele lia, quieto, a sua Bíblia de sempre. Estava encantado com o salmo 36. Recitou-o para mim de memória. Vi lágrimas limpas em seus olhos.
Mamãe voltou das compras e foi alimentar os pássaros. Ele são pássaros livres. Sabiás, Sanhaçús, Colares, Pira-pira, e outros parentes!
Chegam a entrar em casa para comer banana e mamão na copa da casa, na sala. Vêm todas as manhãs.
—Os bichinhos são mansos!—disse papai.
Vim escrever um pouco, e, antes de começar, olhei para o lado do computador de minha irmã e vi duas coricas, o Simba e a Nala—ambas falam como araras ou papagaios—, repousando ao lado da “workstation”.
O que eu vinha escrever foi embora…
Fiquei olhando a máquina e os bichos.
Lembrei de toda essa “viagem” que acabei de descrever. Orei com toda verdade de coração por todos. Depois telefonei para meus filhotes e falei com minha neta.
—Vô, onde você tá?—me perguntou ela.
—Manaus! Manaus! Meu amorzinho!
—Seu espertinho, eu quero ir pra Manaus! Me leva?—completou ela.
Davi me disse que ela quer voltar a Manaus, mais precisamente para a floresta, onde ela já esteve três vezes.
—Meu vô é caçador!—diz ela.
Voltei para o computador e saiu isto!
Os pássaros falantes voaram livres…
Estão sobre o telhado da casa de portas abertas onde residem aqui no fundo do quintal.
A passarada lá da frente, onde mamãe põe comida no jardim e até na copa, já diminuíram a euforia. Estão de barriga cheia.
Nesses anos todos eu aprendi uma coisa com os bichos: eles só ficam livres perto de corações pacificados!
Lembrei dos “pássaros” que já quis manter em gaiolas, e de como nem eu nem eles ficaram felizes.
Tudo remete para o Evangelho.
A Porta fica aberta.
“Entram e saem e acham pasto”—disse a Porta.
Eu estou aqui.
Cada dia mais, sabendo que um dia voltarei a morar nesta terra de cheiros e águas. Cada dia mais certo de que assim como os pássaros salvaram Abellardo Ramez II no livro Nephilim—com a ajuda de todos os bichos da floresta—, também é com esses bichinhos que, na Graça de Deus, eu conto!
Mas isto é o que ainda não posso contar.
Quem não crer, não creia.
Quem crer, verá.
E isto não é uma “figura de linguagem”.
Bem, aqui está o que eu não pretendia escrever, mas “saiu”.
Um beijão,
Caio