DEUS VÊ. EU QUASE ENXERGO
Estava vendo um documentário no National Geographic Channel acerca da luz e de como ela é vista pelos milhões de diferentes espécies de olhos existentes na Terra. Lindo! O olhar de uma Libélula, ou de um Leão, ou o olhar de uma Águia. Além disso, mostraram os últimos inventos na área de percepção fotográfica. A hiper-aceleração de um filme pode nos fazer ver em trinta segundos o processo de putrefação de um corpo, ou o apodrecimento de uma cesta de frutas…e que pode levar dias ou semanas. O que leva duas semanas—como é o caso das frutas—é mostrado em trinta segundos. Então, o olhar enxerga de uma vez aquilo que se sabe ser real, e que está disponível aos olhos, mas que não pode ser visto se o tempo não for acelerado. O fato é que sem luz tudo seria invisível. É a luz que torna tudo visível. Ora, parece obvio, mas não é. Isto porque não pensamos na luz como aquilo que em não estando presente gera invisibilidade, mas escuridão. E a escuridão não é invisível, pois eu a enxergo, embora não enxergue mais nada. A questão é que conquanto eu enxergue a escuridão, nem por isso eu deixo de me tornar invisível, bem como tudo o que me cerca. Assim, eu enxergo o que me faz não enxergar, pois vejo a escuridão; mas não vejo mais nada além dela, porque as demais coisas se tornaram invisíveis. “Se alguém anda na escuridão tropeça, pois não vê a luz desse mundo. Andai enquanto tendes luz, para que as trevas não vos apanhem”. A questão é que se tropeça mas não se sabe em quê, e nem se pode dizer nada além do que se sente no tropeção. Afinal, na escuridão tudo é invisível. No entanto, eu só enxergo a própria escuridão porque eu tenho a experiência da luz. De tal modo que somente um cego de nascença—e talvez nem ele, visto que pode ser que exista uma memória genética nele instalada acerca da “visão”, fazendo-o ser um cego que sabe que não vê não apenas porque outros o dizem, mas porque ele mesmo o sabe—talvez pudesse nos dizer algo acerca da clareza da escuridão, e da invisibilidade daquilo que é coberto pela “visão do escuro”. O fantástico é que se enxergo a escuridão é porque existe uma pressuposição da luz em mim, seja na minha própria memória, seja pela herança genética, seja pela fé nos que dizem enxergar. O certo é que até o mais cego dos homens só se percebe assim porque intui a luz. “Vê que teus olhos, que são a tua luz, não se tornem em tuas trevas”—seria uma outra forma de dizer o que Jesus falou. E quando é que as nossa luz se torna em escuridão? “Na sua luz vemos a luz”—diz Davi. “Aquele que me segue não anda em trevas, pois tem a luz deste mundo”—disse o Senhor. Minha luz vira trevas quando não vejo em Sua luz. E para que eu veja em Sua luz eu preciso segui-Lo. Todavia, mesmo assim, minha visão será apenas mais uma visão, ainda que faça parte do todo. Cada olho vê a realidade de um modo, pois cada olho enxerga conforme a luz que discerne. Assim, para nós, esses seres-zinhos de um único ponto de vista para a visão, o importante não é enxergar tudo o que existe—só Deus conhece o que existe como um todo—, mas sim enxergar tudo o que em existindo pode ser visto de onde estou. Desse modo, mais importante do que se discutir o que se enxerga é celebrar a benção de enxergar alguma coisa, ainda que seja a mera intuição da luz. E mais: minha responsabilidade como um ser-vidente não é enxergar tudo o que existe fora, mas tudo o que eu puder discernir dentro. Visto que para fora há inúmeros pontos de visão—e de cada um deles se vê as mesmas coisas de perspectivas diferentes. Todavia, do lado de dentro, eu tenho a chance de enxergar uma coisa só, e que é maior que mundo, mas que é passível de ser vista por mim—não em totalidade, mas em grande parte—, e que é a minha alma. Muitos olhos. Muitas visões. Cada olho tem a sua. Dessa forma, o mesmo mundo é diferente para cada indivíduo, assim como a mesma luz gera percepções de visões diferentes para uma Libélula e para um Leão. Daí essa luz antes de ser luz para fora precisar ser luz para dentro de mim. Para fora, cada um tem a sua visão, e todas precisam ser respeitadas. Mas para ser luz do mundo eu tenho que ter um ser iluminado pelo meu próprio olhar da luz da vida e que é para dentro. Assim, enxergo em parte, mas um dia enxergarei como também sou visto. E ainda mais: verei tudo o que no meu melhor potencial de criatura poderei ver, ainda que glorificado. No fim, de fato, só Deus é que enxerga. Na Sua Luz fico feliz de ver a luz, e de me enxergar pelo menos um pouquinho. Caio