FELICIDADE
Já conheci muitas emoções e sentimentos enquanto peregrino pelo chão da Terra.
Dos sentimentos de dor, angustia, depressão, desengano, tristeza de morte, morte na tristeza, perdas irrecuperáveis, dias apocalípticos, noites eternas de agonias—sim, desses sentimentos nem falarei.
Hoje quero me lembrar apenas da alegria. Alegria infantil de ser filho, irmão, neto de duas avós amorosas, sobrinho de afetuosos tios e tias, primo de primos e primas que eram e são irmãos; amigo de amigos a quem amei e amo.
Lembro-me de emoções enlouquecedoras, de explosões de desejos, de conquistas, da alegria de muitas aventuras.
Conheci alegrias excitadas, ansiedades esperançosas, glórias felizes, o prazer de fazer feliz, o gáudio de realizar sonhos de outros—muitos outros.
Experimentei o sentimento feliz de realizar, de começar, de concluir, de ver algo crescer ante os meus olhos. Sim! a alegria de ver idéias se transformarem em coisas, feitos, realidades concretas ou concretas realidades.
Não falarei das alegrias indizíveis que habitam a dimensão do espírito, e para as quais não há exatamente palavras para referir. Deus sabe. Mas houve muitos dias em que pensei que enfartaria de gozo em Deus.
Mas de todas as alegrias da Terra e no plano dos humanos—mesmo maior que as mais intensas, como as alegrias do amor e do encontro—, a mais forte para mim, ainda quando não se associam a nenhuma especial excitação, é a alegria de ser pai.
Eu queria ser pai desde menino. Às vezes acho que esse é o mais antigo sentimento de homem que me possui. Eu sempre quis ser pai, mais do que qualquer outra coisa.
Essa foi uma semana muito feliz para mim como pai. Tive dois dias maravilhosos com minha filha, tenho tido o convívio e o carinho de dois de meus filhos, hoje homens adultos, e meus vizinhos de rua.
—“Pai, tô subindo pra almoçar com você!—é um aviso que me “nina de sereno prazer” sempre que ouço dos dois ou de qualquer um deles, que me informe que está “subindo pra comer”. Hoje a casa deles está a uns duzentos metros da minha.
Ontem, sábado, aí pelas nove da manhã, um dos meus filhos e minha netinha, ligaram da Ponte Rio-Niterói. Já havíamos nos falado antes preparando os detalhes da vinda deles pra minha casa. Estão aqui. Os filhos de minha esposa não estão em casa esse fim de semana. Do contrário seríamos oito pessoas.
Hoje somos apenas os cinco.
Nós dois–eu e minha esposa–,e eles três: meu filho, minha neta e a norinha.
Bem, além de termos tido um tempo de profunda tranqüilidade, e de muitas conversas felizes, ainda tive a alegria de ficar horas de papo sereno e lúdico com minha netinha.
Ludicamente, ontem a tarde, o tempo parou e o espaço acabou como limite. A parte de baixo da mesa de minha casa virou apartamento, ônibus, Van, carro esporte, escola, hospital, cozinha, restaurante, maternidade, e um mundo de outros lugares que brilharam nos olhos de minha netinha, enquanto apenas me informava que agora o “embaixo da mesa” já era outra coisa, qualquer coisa, tudo de mentirinha, tudo de verdade, tudo real, tudo onde tudo acontece: na imaginação e no coração.
À noite corri ao Café e me senti extremamente livre, leve e abençoado enquanto anunciava a Palavra. Uma viagem sobre as emoções de Jesus nos Evangelhos.
Depois voltei e quase morri de alegria pacificada ao ver, ouvir, e perceber como sou pai, mas já não mais o pai de antes. Há mais que paternidade constituída entre nós. Já passamos por tantas juntos!
Há amizade. E muito mais que amizade. Há certeza!
Hoje é dia das crianças. Minha netinha cedo já estava se arrumando para um dia muito cheio. Tinham que estar em Niterói—digo: ela, meu filho e minha nora—, antes do meio-dia.
Uma agenda cheia: almoço de Bodas de Prata de um colega de trabalho de meu filho, uma festinha no fim da tarde, e um aniversário infantil à noite.
Depois do café da manhã, eles saíram para essa maratona de domingo.
Fiquei olhando da janela enquanto meu filho corria na frente para abrir a porta de trás do carro para que a esposinha dele e a filha pudessem entrar rápido, pois a chuva é fina, porém insistente, desde ontem de manhã.
Num momento milhares de imagens dele me rolaram pela mente. Cenas, cenas e cenas. E, agora, ali em baixo estava ele. Correndo, adulto, homem, firme, sólido, amigo, pai, marido, e que filho!—correndo para abrir a porta do carro dele, para fazer o que fiz tantos anos: levá-los para passeios e outras coisas; só que agora é a família dele!
Então me veio aquela alegria serena, mansa como a garoa que caía, fértil como a chuva fina, acolhedora como a brisa que pede um abraço.
A luz da manhã chuvosa, nublada e molhada está difusa, filtrada, suave.
Até os sons da Rua Barata Ribeiro—incessantes!—deram lugar a um quase silêncio.
Então você fica olhando e vendo que na vida as pessoas que você ama—até os filhos—, já nem sempre podem se encontrar entre elas; e que nem sempre é possível fazer todas reunirem-se à um só tempo—às vezes até é impossível—; porém, nada disso tem qualquer palavra final ou infelicitadora quando você é posto por Deus numa “janelinha qualquer”, ou em alguma “esquina de observação”, de onde você pode vê-los, e se alegrar ao perceber que cada um corre sua própria carreira, mas você pode vê-los prosseguir sem jamais esquecer; agregar, mas nunca subtrair; avançar, mas jamais sem levar junto aquilo que os fez: seja em sentimentos, seja em valores, seja em amor.
Agradeci a Deus por aquela “janela”, nesta manhã quieta.
Não sou ainda um velho. Mas já vivi como um. Talvez até mais vidas que a de muitos homens já idosos, se somadas fossem.
Mas que bom pela serenidade daquela janela, neste trigésimo segundo lugar de “residência” que tive na terra—e depois ainda querem que eu não me veja como um hebreu!—; e também agradeci porque daqui deste cantinho ainda posso olhar em todas as direções, fazer somas, discernir viagens, ficar saudoso; e ainda assim dizer: Senhor, muito obrigado por todos os Teus caminhos!
E também por mais uma vez, sem susto e sem embaraço, concluir que eu amo ser pai. E, estranhamente, também concluir outra coisa: eu nasci mesmo foi pra ser avô!
Caio