SONHOS CURAM…

 

Nossa “fé” abandonou os sonhos. A Bíblia é feita, entre outras coisas, de sonhos levados à sério.
Sonho e visão eram quase indiferenciáveis na Bíblia. Especialmente no Velho Testamento.
A palavra hebraica halom—sonho—deriva-se do verbo holom, que remetia para o significado de “ser fortalecido” ou mesmo de “ser tornado saudável”.


Sonhos eram parte do sinal do derramamento do Espírito, segundo Joel e conforme a interpretação de Pedro no dia de Pentecostes.


No hebraico, “visão” é designada pelas palavras “hazon” ou ainda “marah”—o significado era simplesmente “ver”.
Visão, portanto, é a percepção para além do disponível aos sentidos imediatos. Sonho, no entanto, é a “mídia”.
Poderia haver visão sem ser “em sonho”, mas toda visão emerge do lugar onde os sonhos se originam: o inconsciente!
Na Bíblia os profetas deveriam contar o sonho como sonho e saber quando o sonho era maior que um sonho, carregando também uma revelação.


Boa parte da revelação veio em sonho.


Zacarias trata o sonho como visão (Zc 1:8).


José, filho de Jacó, é o “pai da arte de interpretar sonhos”.


Daniel o segue nessa lista, ambos sendo superiores aos melhores especialistas em sonhos em toda a história: os egípcios e os habitantes da Mesopotâmia.


Mas foi outro José quem levou um sonho mais a sério que qualquer outro ser antes ou depois dele: em razão de um sonho ele aceitou que a gravidez de sua esposa era divina, e não mais um caso de traição conjugal.
Maria foi salva pela Graça de Deus manifesta como um sonho (Mt 1: 18-25).
Hoje isto provavelmente não aconteceria. A razão é que nós, cristãos, nos tornamos seres que não levam sonhos à sério.


José os levava à sério!


Jesus é quase o único acerca de quem se diz que a revelação nunca foi contada como tendo vindo, algum dia, em sonho. Ele era humano—totalmente humano—mas não era caído. Sua consciência não estava desintegrada de seu inconsciente. Nele consciente e inconsciente eram um realidade só.


Jesus era pura consciência de tudo em todos!


A “Queda” gerou essa divisão em todos nós. Nosso consciente e nosso inconsciente “se falam”, mas não se comunicam sem uma “mídia”, nesse caso, na maior parte das vezes, os sonhos—apesar de que a glossolágia, o falar “em línguas”, também cumpre esse papel.


Daí os sonhos serem tão importantes. Todos eles e de todos os tipos. Se não, veja:


1. O sonho lixo: é aquele monte de lixo que volta à noite. Muitas vezes coisas sem significado. Nesse caso a mensagem é a falta de significado do que estamos vivendo.


2. O sonho de impressões: é aquele sonho que reflete o impacto dos acontecimentos, e nos revelam o significado que coisas, valores ou situações despertam em nós. Nos sonhos muitas vezes descobrimos que aquilo que julgávamos mais importante numa situação, não foi, de fato, aquilo que mais afetou a nossa alma.


3. O sonho diálogo: é aquele em que o inconsciente se serve de liberdade para declarar explicitamente o que está em nós.


4. O sonho mítico: é aquele que usa arquétipos universais, regionais ou até familiares, a fim de nos contar, simbolicamente, uma verdade que a mente não consegue se apropriar pela “via do explicito”.


5. O sonho revelação: é aquele que não nos deixa dúvida de que Deus falou conosco.


A morte dos sonhos no meio cristão nem sempre foi assim. Até há cerca de 200 anos ainda se levava os sonhos à sério. Devagar os sonhos foram perdendo a importância, na mesma medida em que o pentecostalismo óbvio matava a revelação como sutileza e como expressão do inconsciente.


Hoje, com tantas espiritualidades materialistas reinando soberanas sobre a maior parte dos cristão, Deus deixou de ser percebido falando em sonhos, ou usando o nosso inconsciente para nos falar a verdade, até de nós para nós mesmos!
E essa morte dos sonhos entre nós nos fala de duas coisas:


1. Que a alma evangélica e cristã está morta como alma. Nossa ênfase na alma como cédula humana na contabilidade da salvação, fez morrer a alma como estado, como psique, como a interioridade.


2. Que boa parte de nossas doenças humanas como cristãos cresceu na mesma medida em que nossos sonhos foram suplantados por “visões de olhos abertos”. E aqui falo de “visão” como projeção, propósito e busca obstinada de realizações!


O problema é que os hebreus estavam certos quando designaram sonho como “halom” e derivação do verbo “holom”—pois os sonhos curam!


Sem que voltemos a nos abrir para os sonhos mergulharemos na idade da pedra da alma. Ou seja: ficaremos como já estamos: fósseis daquilo que um dia foi alma!


E é esse entupimento do canal dos sonhos uma das realidades que mais tem adoecido as nossas almas. Afinal, sonhar é “ser fortalecido” e “ser tornado saudável”.


Não transforme todos os seus sonhos em “revelação divina”. Mas não deixe nunca de pensar neles, no mínimo, como “auto-revelação”.


O resto você vai aprendendo no caminho…


Quero concluir dizendo que sempre sonhei muito. Todavia, houve um período de destapamento profundo de meu inconsciente.


Entre 97 e 98 sonhei sonhos longos, nítidos, proféticos e muitos simbólicos.


Narro aqui somente dois deles—foram muitos—e ambos foram curtos e claros para mim.


O primeiro:


Eu estava no meio do mar à noite.
Água e o céu tinham a mesma cor, de chumbo.
Não havia luz alguma.
Eu sentia apenas a água e ouvia os sons das vagas que passavam sobre mim.
Eu estava apavorado.
De súbito uma voz:
“Enfia a tua cara na água e tu acharás o teu tesouro”.
Minha resposta:
“De modo algum. Jamais terei coragem de olhar dentro desse abismo”.
A voz insistiu comigo.
Então pus o rosto abaixo da linha d’água. Tudo era escuro.
Então, lentamente, o abismo foi se iluminando.
Eram quilômetros de profundidade.
No leito do abismo havia um transatlântico submerso. Então a voz me falou outra vez:
“Desce até aqueles destroços e nele tua encontrarás o teu tesouro”.
Ora, isto foi em abril de 1998!


O segundo sonho:


Agora eu era Sansão. Meu cabelo estava longo e eu me sentia indestrutível.
Então a voz falou outra vez, a mesma voz de sempre:
“Corta os teus próprios cabelos. Os teus inimigos não podem faze-lo. Não há como ser teu opositor. Ninguém faz oposição contra a tua força. Tu és teu pior inimigo. E tua força é tua maior fraqueza e tentação”.
No sonho eu cortei o cabelo.
Vi os cachos caindo.
Senti até o cheiro.
Em seguida eu me via fraco.
Experimentei o desespero da fraqueza.


Isto ainda em abril do mesmo ano.


Uma semana depois decidi “cortar os cabelos” e “mergulhar em busca de meu tesouro” na escuridão. Tomei as decisões mais radicais de minha vida e experimentei as maiores perdas e afogamentos.


Hoje, depois de tudo, apesar da cara de tragédia, sei que voltei dessa fraqueza e desse lugar abissal de modo diferente.


Encontrei meu tesouro e deixei de ser meu pior inimigo.


Sinto-me enriquecido.


Nunca estive tão perto de mim mesmo, da Graça que opera na fraqueza e dos despojamentos que produzem ganho!

Que benção é sonhar!


Mas, muitas vezes, dói até que a dor se transforme em fruto na vida!



Caio
06/09/2003