Vaidades de vaidades…

Estar aqui “em casa”, em Manaus, sempre me remeti para inúmeras viagens no tempo. Não é à toa que o personagem Abellardo Ramez, no livro Nephilim, veio para a Floresta a fim de viajar no tempo. Hoje, quando saía do Hospital para vir até aqui escrever algumas coisas, encontrei um pastor. Onde vou me reconhecem, seja como “pastor” que inaugurou uma era na cidade; seja como “aprontador” na juventude, também na cidade. Enfim, é engraçado! Hoje as pessoas ficam confusas quando me vêem. Há aqueles que simplesmente chegam e celebram aquilo que pela misericórdia de Deus aconteceu em suas vidas quando lhes preguei a Palavra. Outros não sabem onde me posicionar: sou o pastor que lhes pregou a Palavra, mas não carrego mais a “aparência” de pastor. Eles ficam entre a Cruz e a Caldeirinha. Eu fico apenas observando… Como disse, encontrei um pastor à saída do Hospital. Meu irmão, que alegria. Como é bom vê-lo “restaurado”—disse ele. Bem, eu nunca entendi esse negócio de “restaurado”. Sou um ser em processo permanente de restauração. Prossigo para conquistar aquilo para o que fui conquistado por Cristo Jesus. Já sou restaurado em Cristo a fim de poder ser restaurado no processo cotidiano de conhecer e ser conhecido por Deus. É um fato e, ao mesmo tempo, um processo… Perguntei-lhe: O que o faz pensar que estou “restaurado” e o que o fez pensar que eu precisava de “restauração”? Gaguejou, pigarreou e disse: Ora, o que lhe aconteceu… O que me aconteceu?—quis saber. Bem, seu divorcio, os problemas públicos e sua aparência. Você estava vaidoso, magro e com o cabelo grande…desculpa, reverendo, mas foi o que pensei—concluiu o pastor. E agora, por que você acha que eu estou “restaurado”? É que você… Vi que ele não tinha o que dizer. Insisti. Me diga, o que o faz pensar que eu estou “restaurado”? É que sua aparência mudou. Você cortou o cabelo, é sinal de que não está mais vaidoso!—disse ele sob profundo constrangimento. Ele não sabia que eu não tinha cortado o cabelo, eu apenas o havia prendido; e da posição frontal em que ele estava, não dava pra ver o “rabo de cavalo” que pendia nas minhas costas. Então, sorridentemente, soltei os cabelos, e eles caíram sobre os meus ombros. Os olhos dele ficaram esbugalhados. Não sabia o que dizer. Eu dei um beijo nele, sorri com carinho, passei a mão na cabeça dele, e disse mais ou menos o seguinte: Meu irmão, quando eu conheci o Senhor, meus cabelos eram longos. Sempre usei barba e cabelo grande. Depois da conversão continuei com a cara que sempre tivera. Meu coração é que mudou. Mas depois de um tempo, à medida que convivia com os irmãos da “renovação espiritual”, vi que meu cabelo longo os perturbava imensamente. Diziam que era vaidade. Olhavam pra mim sem entender nada. Como podia aquele rapaz que jejuava tanto, expulsava demônios, orava com os doentes, pregava nas praças, visitava presídios e hospitais, e onde estava anunciava o Evangelho e via muitos se “converterem” ao Senhor, andar com aquelas roupas, com aquela barba e com aquele cabelo? Ninguém tinha coragem de falar, mas todos olhavam com indagação. Depois de um tempo, quando todos queriam me ouvir, vi que os cabelos longos criavam constrangimento entre os mais radicalmente pentecostais. Então, cortei o cabelo. E como nada daquilo era para mim qualquer coisas além de gosto, decidi ir para o caminho oposto: doei minhas roupas—as que mais gostava—e decidi vestir-me à moda “se me dão”. O que me davam, eu vestia. Aquilo ali sim, foi um exercício de mortificação estética. Eram roupas horríveis, que nada tinham a ver com meu gosto. Mas, para mim, era como se eu estivesse me fazendo de brega para alcançar os bregas. A questão é que ninguém que de fato precisava de Jesus—os “de fora”—, tinha qualquer problema com meu jeito anterior de ser, mas tão somente os crentes. De fato, depois de um tempo, fui me acostumando a vestir o que não gostava…acabei ficando velho antes da hora. Aí por volta de 1994, bem lentamente, comecei outra vez a me vestir do jeito que gosto. Lentamente meu cabelo foi crescendo… Então, chegou o ano de 1998! Bum! O mundo acabou… Ora, uma vez morto para o mundo e para o mundo dos evangélicos também, decidi que viveria minha liberdade de fé e consciência em plenitude, diante de Deus e dos homens também. E como sempre gostei de meus cabelos quando ficam longos, deixei-os crescer outra vez! O pastor me olhava sem graça. Sabia que eu não estava falando de nada que não fosse “gosto”. Gosto do mesmo tipo que alguém exerce quando diz que gosta de peixe e não de carne. Nada além disso. Então prossegui… Você já pensou se eu julgasse você pela sua roupa? O que você acha que eu diria? Eu conheci você jovem e pobre. Hoje você está aqui, disfarçando sua origem—que é nobre, segundo o Evangelho—, escondido neste sapato preto e quente; com essa gravata louca sob este sol equatorial; falando com voz de locutor o tempo todo; e dizendo que me vê “restaurado” por causa de minha “aparência”? Meu irmão, existe a vaidade da não vaidade também. Garanto a você que aos olhos de Deus o vaidoso aqui é você. Você é quem está preocupado com a “aparência”, eu não! Então ele me disse: Mas reverendo, é que com esse cabelo grande o senhor tá dando razão pros pastores julgarem o senhor… Fiquei com pena dele! Mas prossegui. Olha só, não fui chamado para ganhar pastores para Cristo e nem tampouco para ser outra pessoa a fim de caber na “clonagem” da breguice evangélica. Deus me chamou para pregar o Evangelho do Reino, e, quem precisa dele, não tem nem tempo para dedicar a tais questões. O cara tem que já ter se corrompido demais pra passar a engolir camelos e coar mosquitos! Dei um beijo nele e parti. No caminho me lembrei que ontem ouvi uma discussão insólita entre dois membros de minha antiga igreja na cidade; a mesma que papai e eu fundamos; e cujos alicerces são os mesmos sobre os quais outros hoje erguem o que estão erguendo. A conversa era sobre “piercing”. Se crente pode ou não usar “piercing”. Fiquei “perplexo”. Não entendi nada. Fiquei pensando em como as coisas começaram aqui… Ora, eu ia para as praças e recrutava os hippies para virem para a igreja. Papai e eu abrigamos a dezenas, talvez até centenas deles. Eu mesmo comprava os babilaques que eles precisavam para fazer pulseiras, gargantilhas, piercings, e outras coisas. Eles faziam o artesanato e eu pregava enquanto isto. Batizamos a muitos deles. Depois lembrei da fase seguinte, quando ia às escolas e ao Campus Universitário pregar. As pessoas vinham como estavam e “aparência” nunca significou nada. Por isto, tanto ficaram, e estão até hoje. Dá muita tristeza ver as pessoas começarem no Espírito e se aperfeiçoarem no “piercing”. Fazer do piercing uma questão equivale a voltar a pregar uma espécie de “circuncisão” ao contrário. A letra mata! O que me assusta é ver como o Espírito da Palavra parece jamais ser capturado pra valer. Os tempos mudam, mas as bebequices continuam as mesmas! Shame on You! Quando será que vamos acordar desse espírito farisaico e nos convertermos, de fato, ao Espírito da Graça de Deus? Eu não sei, de fato, o que muitos pastores querem dizer quando papagaiantemente afirmam que Deus não vê a aparência, mas sim o coração. Deve ser porque acharam a frase bonita. Só pode ser! Do contrário, todas as vezes que a falam e, a seguir, julgam até os rudimentos do cabelo, da barba, da roupa, etc—estão apenas trazendo sobre eles mesmo muita condenação! Deus não vê a aparência mesmo! Mas vê o coração, mesmo! Ninguém jamais se iluda quanto a isto! E mais: tudo é vaidade! Vaidades de vaidades! A vaidade só não está presente quando o coração está tão cheio do que é eterno, que não sobra tempo nem para a vaidade de julgar a vaidade! O que passar disso, saibam, é vaidade! Um dia desses, no entanto, eu conto a vocês o por quê de meu cabelo está tão grande. E, no meu caso, não é nada além de algo que aconteceu entre Deus e eu. Mas por enquanto, não sinto ainda “permissão” para contar. Um beijão, Caio