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Uma frase para ter sentido lógico precisa obedecer a algumas regras, essas incluem o princípio da identidade, pelo qual um termo tem que ser o que é e não pode nem deixar de ser o que é nem ser o que não é.
Uma frase também deve obedecer à regra da não contradição: um termo não pode ser e não ser o que é ao mesmo tempo.
Ora, Graça é teologicamente falando definida como favor imerecido. Existe ampla evidência bíblica para essa definição. Graça é, portanto, uma intervenção divina em favor do ser humano exercendo sobre ele Sua misericórdia, independentemente de qualquer ato de justiça própria que tal ser humano possa fazer.
Isso fica clarificado em nossa expressão do cotidiano: “De graça”, querendo se referir a algo que não envolve custo ou uma relação de troca monetária ou de qualquer outra natureza.
Do mesmo modo, Barato é definido como algo com um custo baixo ou que é comprado abaixo do seu valor de mercado.
O adjetivo Barato, então, já pelo princípio da identidade, assume a existência de um custo ou relação de troca na obtenção do substantivo que qualifica.
Sendo assim, a frase Graça Barata não pode existir pelas leis da lógica, já que, como vimos, Graça é algo que não envolve troca, e que também como demonstrado acima, Barato é algo que define uma relação de troca.
Portanto, tal frase acaba por infligir o princípio da não contradição, já que para fazer sentido o termo Graça teria de ser e não ser uma coisa ao mesmo tempo.
No instante em que adicionamos à palavra graça o adjetivo barata, a palavra graça deixa de significar o que ela de fato significa.
Ela passa assim a ser o que não é!
Se é graça, então não pode ter custo, se tem custo (mesmo baixo) não pode ser graça.
Entendo, entretanto, que muitas vezes a graça que não tem custo, tem valor! E muitas vezes o valor de tal graça não é aproveitado pelo ser humano, acostumado apenas a atrelar valor a relações de troca. Porém não é possível pregar uma graça que não seja plenamente Graça!
O ser humano deve aprender a atribuir valor aquilo que é feito em seu favor imerecidamente e utilizar a Graça Divina em seu favor. Jaques Ellul diz que a Graça é um elemento absolutamente inaceitável do evangelho. De fato ele diz que pregar a Graça causa revolta e repulsa na humanidade, que está condicionada a tentar obter por seus próprios méritos qualquer benefício.
Talvez uma expressão melhor fosse “Graça desvalorizada” para definir aquilo que Dietrich Bonhoeffer queria dizer quando falou da “graça barata”: a Graça que não é valorizada pelo ser humano simplesmente por ser… de graça…
Existem algumas pessoas que entram pelo caminho da “graça desvalorizada”, e a igreja, apavorada com a liberdade que a pregação da verdadeira Graça de Deus pode criar, prefere então usar essa desculpa (a das pessoas que entram pelo caminho da “graça desvalorizada”) para criar todo um sistema de controle, pregando uma “graça” controlada de um deus que não tem mais o direito de ser Deus, e que é forçado a obedecer leis. Um deus ao qual foi imposta pela religião uma Magna Carta da mesma forma que os nobres a impuseram ao Rei da Inglaterra na Idade Média.
Hoje em dia vejo poucas pessoas pregando a Graça. Mesmo os que o fazem pregam uma graça que não é de fato, Graça.
Na verdadeira Graça de Deus existe perfeita Justiça, pois apenas Deus pode exercer justiça sobre qualquer ser humano. Apenas Deus tem a autoridade para ser justo e justificador de todo aquele que crê. E na Graça nós vemos a verdadeira justiça de Deus, tal como demonstrado em Jesus, que revela a Justiça total, em contraste com a injustiça da lei.
A justiça de Jesus é sempre uma justiça maior do que a dos escribas e fariseus que era só legalismo.
A leitura do Evangelho é a demonstração de como a Justiça de Jesus é um escândalo para a Lei, assim como a Graça é escândalo para a religião cristã hoje em dia.
Ciro D’Araújo e seu pai, Caio — escreveram este texto juntos em julho de 2004.