Tenho dito repetidamente que os evangelhos são narrativas históricas das ações e acontecimentos relacionados a Jesus, bem como de Suas Palavras. O Evangelho, todavia, é um espírito. Os evangelhos são o corpo. O Evangelho é o espírito no corpo. Para muitos os evangelhos são apenas palavras. Para outros são narrativas. Para outros eles são palavras inspiradas. Para muito mais gente ainda eles são apenas palavras mágicas. Para a maioria, no entanto, eles são os quatro primeiros livros do Novo Testamento, sendo, portanto, parte da Bíblia Sagrada. O terno evangelho é também bastante usado para caracterizar a conversão; tipo: “Quando eu vim para o Evangelho”; significando: “Quando me converti e entrei pra a igreja”. O Evangelho, no entanto, é espírito e vida. Foi isso que Jesus disse. Deus é espírito, e, portanto, Suas palavras são espírito e vida. O Evangelho é espírito e é um espírito. É espírito porque carrega o poder da verdade absoluta e produz vida onde quer que chegue. E é um espírito porque não é letra. Ora, sempre se diz e se repete que a “letra mata, mas que o espírito vivifica”. Até os mais letristas, legalistas, e escribas de textos em cuneiforme repetem essa frase. Eles, no entanto, não pensam que até as palavras de Jesus podem se transformar apenas em letra morta. Sim, as palavras de Jesus, vistas apenas como algo fixo, e que não carrega um sentir de uma justiça aplicável em qualquer lugar ou tempo da existência humana e dos humanos—tornam-se em letra morta, e nada realizam de bom para o ser. Jesus ensinou que o Espírito Santo atualizaria a Palavra do Evangelho conforme o tempo, as circunstancias e a necessidade; especialmente na hora da opressão. Em alguns lugares, em narrativas dos evangelhos, isto que acabei de afirmar fica mais do que explicitado. Por exemplo, aquela seqüência de Lucas 9 é assustadora. Jesus parece não ter critérios. Pede o impensável. Diz a um filho enlutado que não há tempo para sepultar o próprio pai; garante a outra pessoa que não dá tempo nem mesmo de voltar em casa para se despedir; e a um outro diz que mesmo o casamento pode ser deixado para trás a fim de que se seguisse o Caminho. Ora, tais palavras feitas letra se tornam insuportáveis e desumanas, isso se aplicadas indiscriminadamente na vida, e para qualquer pessoa, ou em qualquer daquelas situações. O espírito que aquelas ocorrências carregam, este sim, é o espírito do Evangelho, posto que só pode ser discernido como espírito, e não como letra; pois, nesse caso, sendo letra e lei, seriam apenas palavras de morte e não de vida; porém, como espírito, as palavras se renovam; e se fazem entender como urgência, como a sobrevalorização do que é eterno em relação ao que é passageiro, e como afirmação do amor ao reino de Deus sobre qualquer outro grande amor. O Evangelho é espírito e vida; e é também vida no espírito, tanto com ‘e’ minúsculo, como também com ‘e’ maiúsculo. O que o torna letra é a tentativa de confiná-lo a um código de doutrinas ou de preceitos morais e dogmáticos. Nessa hora e nesse dia o Evangelho vira apenas o suporte técnico — via ‘os evangelhos’ — para ajudar no levantamento do edifício pedrado, da câmara mortuária, que é erigida para abrigar os Credos e as Dogmáticas: a versão cristã do Livro dos Mortos. Deus é espírito. A Palavra é espírito. O Espírito é como o vento. O vento é como o espírito. A iluminação é no espírito. O Novo Nascimento é no espírito. O nascido de novo é como o vento, como o espírito. O discernimento é espiritual, e a sua atualização é feita pelo Espírito. Por isso o Evangelho é mais que palavras, ensinos congelados, e narrativas transformadas e acontecimentos e calendários religiosos. Assim como Deus é, a Palavra é. E assim como é a Palavra, assim é o Evangelho; visto que nada há mais vivo e espiritual do que a Encarnação Daquele que é espírito; o que faz das narrativas dos evangelhos descrições de Deus entre os homens; e o que também faz de tais narrativas analogias espirituais que encontram sua propriedade e pertinência em qualquer tempo ou era da existência humana. É isto que quero dizer quando digo que o Evangelho é espírito; e também que há algo que deve ser definido como ‘espírito do Evangelho’; e que é o aplicativo do Evangelho ao tempo, conforme a atualização que o Espírito faz; e que é o olhar do Evangelho em cada geração; sendo, no entanto, o olhar do amor.
Nele,
Caio
11/06/05