O que é Ética? “Éthos – ética, em grego – designa a morada humana.
O ser humano separa uma parte do mundo para, moldando-a ao seu jeito, construir um abrigo protetor e permanente.
A ética, como morada humana, não é algo pronto e construído de uma só vez. Ao contrário, trata-se de um caminho de construção pessoal que dura toda a existência, e muda conforme as fases da vida, sempre buscando o melhor lugar para o ser e para a vida; a vida do indivíduo e a dos demais, sendo que os outros aparecem nessa construção como resultado do crescimento do próprio éthos individual.
O ser humano está sempre tornando habitável a casa que construiu para si.
Ético significa, portanto, tudo aquilo que ajuda a tornar melhor o ambiente para que seja uma moradia saudável: materialmente sustentável, psicologicamente integrada e espiritualmente fecunda.
Penso que isto designa de modo precípuo o sentido mais puro do que seja ética: uma morada saudável para o ser; o telhado da alma, a cobertura sob a qual a existência encontra “seu lugar” para a vida.
Há, no entanto, duas palavras gregas, parecidas, que confundiram o sentido etimológico de Ética: ethos e éthos. A primeira é Ethos (sem acento), e que significa “costume”; uma etiqueta social e comunal.
Nos grupos humanos primitivos os costumes são decisivos para a conduta dos indivíduos. Nesse estágio, a moral e o direito são os costumes. A Ética do grupo é também a Ética dos indivíduos. O modo de ser do grupo é o modo de ser de cada indivíduo.
Na “igreja”, portanto, não se tem tanto éthos (ética), mas sim ethos (moral e costume; etiqueta da tribo), posto que nela o individuo só existe se aceitar totalmente a Moral do lugar. Costumes, plural, em latim é “mores”. De mores vem Moralis — Moral, termo com que Cícero traduziu erroneamente a palavra grega éthicós; fazendo, assim, Ética virar Moral.
Desse modo, o grupo impõe os seus costumes ao indivíduo visando à exterioridade da ética-costume; algo mais como uma etiqueta de comportamento ditada pelos costumes grupais.
Nesse caso, a “sociedade” (seja ela qual for, até a igreja) dita as normas de conduta intersubjetiva.
Ao “inculto” ou ao “ignorante”, julga-se preciso que se lhe diga o que deve fazer e o que não deve fazer para o bem estar do grupo, ou a fim de determinar a “conformidade” do individuo com o grupo. Assim, essa ética-moral não é éthos, morada, abrigo; mas sim o oposto: a reclusão da individualidade às fôrmas da tribo à qual o individuo pertence.
A norma, originada dos costumes, visa a ação exterior; por exemplo, — não mate, não roube, não estupre… No entanto, quando a consciência do indivíduo passa do Mobral Moral, quando os indivíduos possuem critério interior próprio — consciência —, a Ética interioriza-se; por exemplo: “Ama o teu próximo como a ti mesmo”; que para Agostinho reduz a uma palavra: — “Ama, et fac quod vis” — Ama e faz o que quiseres. Éthos, todavia, como já vimos antes, significa domicílio, moradia.
Literalmente é a morada habitual de alguém, o país onde alguém habita, no entanto, passou a designar a maneira de ser habitual, o caráter, a disposição da alma individual. O ato, objeto da Ética, é o ato humano, ato específico do homem, ato que distingue o homem dos outros seres. Os outros atos (atos do homem) são realizados pelo homem, mas não enquanto homem, apenas enquanto ser biológico ou animal. O homem nasce e cresce por forças inatas, necessárias, por “determinismo natural”. Destas ações não sé ocupa a verdadeira Ética.
Portanto, o objeto material da Ética é o ato humano, ato voluntário e livre; qualquer ato involuntário e não-livre, não é ato humano; e, portanto, não é objeto da Ética, mas sim da Psicologia.
Ora, com isto assim posto, quero considerar algumas coisas: A primeira é que ética-éthos é aquilo do que o Evangelho se ocupa, visto que seu objetivo é gerar a ética da abundancia existencial: vida e vida em abundancia.
Ilustrando: O Sábado, para os judeus, era ethos-moral: valor comunitário que era Lei para todos. Já a ação de Jesus de violar a Lei do Sábado a fim de curar pessoas, era ética-éthos; pois, por tais atos, Jesus construía ética-éthos: morada onde a vida fosse possível para o indivíduo, apesar dos reclamos da Moral Sabatica.
Para Jesus a questão era: o Ethos de vocês deixa o homem no buraco. Meu Éthos tira o homem do buraco. Portanto, o Sábado não serve para perceber a necessidade de descanso individual, mas apenas impõe um dia de descanso Coletivo, o qual, para muitos indivíduos, é tão perverso quanto dizer: Fica no Buraco, pois, amanhã eu tiro você daí.
Assim, nos evangelhos, há o permanente conflito entre o ethos dos judeus e o éthos de Jesus. A igreja vive até hoje do ethos dos judeus e até este dia pouco fez por se alinhar com o éthos de Jesus. Eis a razão pela qual a “igreja” luta pela manutenção dos costumes, e a verdadeira Igreja luta por criar telhados, moradas físicas, emocionais, afetivas, psicológicas e espirituais para os indivíduos; e isto promovendo Individuação.
Na “igreja”, todavia, há um Telhadão; e todos os que quiserem que fiquem sob ele, e conforme as regulamentações dos costumes. Já na Igreja há muitos e muitos telhados, cada um conforme a necessidade humana e real de cada indivíduo; e a Igreja é a soma desses muitos telhados, os quais, pela unidade e pelo amor, ficam tão próximos que fazem um grande telhado; porém, os indivíduos habitam seu próprio lugar de conforto na comunhão dos muitos.
Usando uma imagem atual, eu diria que a Ética-Moral é como um médico clínico da Idade Média tentando, de longe, diagnosticar males que somente um mergulho individual e de consciência especializada nas individualidades das patologias, poderia tratar com pertinência.
Assim, para o individuo, a Ética-Moral é apenas a constatação de que há algo nele que não se conforma com o “padrão grupal”, mas por ela não se trás ao individuo nenhuma solução especifica e própria; posto que na ética-moral o indivíduo praticamente não existe em seu éthos-pessoal.
No Velho Testamento a ética-moral era a Lei. No entanto, o sonho dos profetas era com a chegada do Éthos, da ética individual, em cujo tempo Deus tiraria a Ética da Pedra, e colocaria em cada um é Ética do Coração de Carne: “Gravarei em seus corações e em suas mentes as minhas palavras”. Paulo diz aos Gálatas que a Ética-Moral era a disciplina do tempo da infância espiritual, quando precisávamos de babá para nos levar de um lugar para outro, tomados pelas mãos da Lei, do “aio”.
Agora, porém, chegamos ao tempo do Éthos, não da Moral. A Moral continua a ter seu valor primitivo de regulamentação de costumes e praticas, e isso em razão da média grupal. Ou seja: se o indivíduo não tem energia para fazer sua própria viagem de consciência, buscando seu éthos, sua morada, seu telhado próprio e adequado à sua vida, então, o que lhe resta, é o Telhadão da Moral.
O que eu vejo como conflito gritante é exatamente aquilo que se tenta fazer de éthos, ethos; e tenta fazer de Ética (éthos), Moral (ethos). Esta é uma grande perversão; e, em sua base estão quase todos os descaminhos e as falsificações que a “igreja” fez do Evangelho e de seu significado.
Cada vez mais a sociedade se dá conta de que existem códigos grupais, de convívio social (Moral); e que, para além deles, existem códigos pessoais (éthos), e que dizem respeito apenas ao indivíduo; e que ninguém no grupo ou em qualquer grupo, possui o poder ou o direito de intervir, se as escolhas do indivíduo não molestarem de modo objetivo o direito dos outros. Este fato está posto; e nenhuma Moral humana ou religiosa jamais o quebrará.
É pela impossibilidade de entender essas sutilezas essenciais, que a “igreja” perdeu sua capacidade de ser boa para os homens em geral. Isto porque os indivíduos — consciente ou inconscientemente — já sabem a diferença; e não mais admitem que o Telhadão lhes roube o direito à Casa Própria.
A Moral chama a todos para um Telhadão. O Evangelho, no entanto, chama a cada um para construir seu próprio telhado, e isso sob a cobertura da Consciência na Graça.
Assim, na Ética-Moral tem-se Clonagem. Já na Ética-Éthos, tem-se Individuação.
Ora, a dimensão escatológica em relação a tais significados, claramente privilegia a ética-éthos, posto que o grande galardão humano é receber “uma pedrinha branca; e nela inscrito um novo nome, o qual, ‘ninguém conhece’, mas tão somente aquele que o recebe”. Além disso, no Apocalipse, a Nova Jerusalém é uma Cidade sem Telhadão, e tem portas abertas para todos os lados; e estará abertas a todos os povos, com suas éticas; e aberta a seus indivíduos, com tudo aquilo que genuinamente lhe tiver sido éthos. O significado do Evangelho nos conduz ao Éthos do ser, construindo lugares salubres para a alma, conforme cada pessoa necessita.
Assim, o Reino dos Céus não é como um Telhadão, mas sim como uma Pequena Semente que cresce até virar Grande Árvore, na qual, todas as aves dos céus podem achar seu próprio galho, e construir seu próprio ninho. Assim, há abrigo e sombra para todos, mas há também individualidade para cada pessoa que pousa nessa Árvore.
Ora, tudo o que aqui disse parece apenas uma questão de natureza etimológica ou semântica. Todavia, esse pequeno “acento” que diferencia éthos de ethos, tem mais poder do que o de uma bomba atômica, prova disso é que usamos nossas bombas uns contra os outros em razão de que nossas consciências, até hoje, não discerniram o monumental significado dessa acentuação.
Quando a “igreja” discernir essa diferença na pratica, então, aprenderá o significado pratico do Evangelho, e, por essa razão, deixará de ser a Tribo do Telhadão, e passará a ser a Grande Árvore na qual cada passarinho pode encontrar seu telhadinho, seu galho, seu éthos, e sua morada de paz e conforto para a alma.
Nele,
Caio